A política de reposições do actual Governo tem gerado controvérsia e levantado a questão da fuga de investimento estrangeiro e do risco de fuga de capitais do país. A Renascença falou com um fiscalista, dois empresários e um banqueiro em busca de respostas para dúvidas que se instalam sobre o clima económico nacional.
As posições recolhidas são cautelosas, com a maioria a reservar opiniões definitivas para depois da divulgação da proposta de Orçamento do Estado deste ano, mas o fiscalista Tiago Caiado Guerreiro é mais taxativo e diz não ter dúvidas de que o investimento estrangeiro já começou a escapar. A partir da experiência do seu escritório, aponta que o investimento estrangeiro “deve ter caído 75% ou 80%”.
Caiado Guerreiro lembra que Portugal paga quase 10% do Produto Interno Bruto (PIB) em juros e que precisa de entradas permanentes de dinheiro devido à necessidade de capital e porque “as empresas portuguesas e as pessoas não têm dinheiro para investir e ter massa critica". Assim, "ou se tenta dar segurança jurídica aos investidores ou isto vai ser muito grave”, adverte.
"Esmorecimento"
Já na perspectiva da Associação Têxtil e Vestuário (ATP), representante de um dos sectores mais relevantes da indústria nacional, existe a percepção de retracção no investimento estrangeiro. O presidente da ATP, João Costa, indica que a possibilidade de agravamento de custos de contexto cria receio e desagrado.
“A abertura para novas medidas de reversão, que agrava os custos de contexto e dificultam a competitividade das empresas”, cria “esmorecimento”, na opinião de João Costa.
“No limite, leva à desistência de investimentos e de propósitos de investimento futuro que algumas empresas internacionais e novos investidores se preparavam para fazer no nosso país”, aponta.
Clima de desconfiança
O presidente da Associação Empresarial de Portugal (AEP), Paulo Nunes de Almeida, admite, por seu lado, que se vive entre os empresários nacionais e estrangeiros um clima de enorme desconfiança, sobretudo em resultado da perda de confiança no sistema financeiro.
Nunes de Almeida observa que, depois do anúncio da resolução do Banif, há sinais pouco animadores na bolsa portuguesa. É "uma consequência dessas decisões e obviamente que isto preocupa muito as empresas".
O presidente da AEP lembra que "as empresas portuguesas são altamente financiadas pelo sistema bancário, que é constituído por um grupo muito restrito de bancos”, alguns dos quais “estão a desaparecer do sistema". Os que ficam sofrem "um grave efeito de contágio que preocupa os investidores, pelo que algumas opções de investimento têm de ser muito bem ponderadas".
Quanto à estratégia de desalavancagem da economia, depois de quatro anos altamente restritivos do ponto de vista económico, o presidente da AEP defende uma política "de promoção das exportações, de substituição das importações e de apoio ao investimento produtivo que corresponda à procura externa".
"Todas as medidas que vão nesse sentido serão bem-vindas", reforça.
Paulo Nunes de Almeida revela preocupação em relação "a algum aumento de despesa face a algumas das medidas que estão a ser anunciadas", mas prefere aguardar "pelo Orçamento do Estado para 2016 e pelo défice previsto" para tirar conclusões.
No BIC não há fuga de depósitos
O presidente do BIC-Portugal, Luís Mira Amaral, diz que o seu banco não sente actualmente qualquer fenómeno de fuga de capitais. "Temos uma afluência de depósitos bastante grande, não tenho notado a fuga de depósitos”, afirma. Admite, porém, que o cenário possa mudar, porque "não são agradáveis para os mercados internacionais algumas decisões que o Governo possa tomar".
Mira Amaral aponta como exemplos "a redução de concessões no sector dos transportes ou o recuo na TAP".
O antigo ministro da Indústria discorda da estratégia de António Costa, mas aponta o caso do Banif como o mais problemático, dividindo as responsabilidades neste campo entre o actual e o anterior governos. A anterior maioria PSD e CDS "também tem culpa", diz o banqueiro, porque "teve quatro anos para o fazer e deixou para a 25.ª hora", o que "até facilita a vida deste Governo, do ponto de vista legal”.
O presidente do BIC-Portugal lembra que Portugal precisa de capital estrangeiro "como de pão para a boca" e alerta que todos os sinais negativos podem afastar o investimento estrangeiro. "Se o Governo não tiver cuidado na gestão de expectativas, isso pode acontecer”, adverte.