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Poucos meses após a sua eleição, Francisco viajou em direção ao Rio de Janeiro, para presidir à Jornada Mundial da Juventude. Foi durante essa viagem que o conheci pessoalmente e conversámos pela primeira vez. Acolhedor e com sorriso fácil, falámos das JMJs e, quando lhe disse que era a única portuguesa a bordo, deixou um pedido: “Quando falares do Papa, pede que rezem por ele”.
Em todas as viagens, sem excepção, Francisco gosta de saudar pessoalmente cada um de nós. Há quem aproveite para lhe fazer confidências, tirar uma “selfie”, pedir bênçãos, entregar mensagens e até alguns presentes. Claro que eu não fujo à regra e, sempre que Francisco se aproxima, nunca faltam assuntos para conversar com ele. O seu à-vontade é tão fascinante que até parece que o conhecemos há muito, num “tu cá – tu lá” inexplicável.
São vários os episódios que posso testemunhar. Um dos últimos aconteceu na viagem ao Canadá, em julho de 2022, quando, após uma baixa médica de oito meses, retomei as viagens papais. Expliquei ao Santo Padre as circunstâncias da minha doença e recuperação e ele, com ar contente, afirmou, apontando com o dedo indicador para o Céu: “Foste até lá acima, mas não te abriram a porta; disseram-te que o teu lugar não era lá mas sim cá em baixo, onde ainda tens muito para fazer!”
Foi também a bordo do avião, a caminho do Sri Lanka, em janeiro de 2015, que lhe pedi uma entrevista para a Renascença e, para meu espanto, recebi a resposta, das mãos do próprio Papa, alguns meses depois, num outro voo em direcção ao Equador. O mais espantoso é que Francisco, ao entregar-me em mão um envelope com o dia e a hora para a entrevista (por ele agendada para 8 de setembro desse ano) diz-me com ar preocupado: “Veja bem a data que escolhi; se vir que não lhe convém, diga-me, que eu mudo o dia e a hora”. Francisco é assim, desarma-nos com a sua proximidade e gentileza.
Claro que a entrevista exclusiva se realizou na data por ele fixada e teve uma hora de duração. O encontro na Casa de Santa Marta ainda se estendeu por mais algum tempo, já com os microfones desligados, numa divertida conversa ao receber os presentes da Renascença, nomeadamente um Porto Vintage com sua idade. E tudo com tanta naturalidade, que até parecia que nos víamos todos os dias.
Além deste momento inesquecível e dentre tantos outros encontros reveladores do seu jeito tão humano de se relacionar connosco, conto apenas mais um. Aconteceu em maio de 2019, quando a visita apostólica à Bulgária coincidiu com a minha 100ª viagem papal. A efeméride foi brevemente assinalada, durante o voo de partida, pelo responsável da Sala de Imprensa do Vaticano e o Papa aplaudiu. Passados três dias, no voo de regresso a Roma, ao terminar a habitual conferência de imprensa, Francisco acrescenta que tem algo mais a anunciar. E diz: “Quero ainda assinalar um centenário, não de idade mas de viagens, por isso, aqui estão rosas da Bulgária”. E começa a caminhar pela coxia do avião, com uma bela caixa de rebuçados com sabor a rosa. Incrédula, vejo-o aproximar-se na minha direção e só então realizei que aquelas “rosas” eram para mim. Ainda hoje não sei descrever a total desproporção que experimentei perante a delicadeza daquele gesto, tão terno e profundo.
Nessa noite foi-me difícil adormecer. Com o coração a transbordar de gratidão, pensei como teria sido mais fácil para o Papa oferecer-me um bonito rosário, numa caixa forrada a seda, como por vezes se vê em ocasiões especiais. Mas o estilo de Francisco é outro. Apesar das múltiplas responsabilidades e no meio de uma cansativa visita apostólica, cheia de discursos, celebrações e encontros, Francisco preocupou-se em arranjar na Bulgária uma prenda personalizada.
A eloquência do gesto fala por si. E não duvido que grande parte dos meus colegas que com ele viajam poderão também testemunhar esta sua paternidade, sempre tão atenciosa e “personalizada”, que remete para a plenitude de Deus.