O mandado de captura que aponta João Rendeiro como uma "pessoa suscetível de ser entregue a Portugal" é “deficiente”, diz à Renascença o jurista sul-africano, Andre Thomas Hausen.
Andre Thomas Hausen sublinha que o despacho refere apenas processos futuros e não menciona as condenações a que o ex-presidente do Banco Privado Português (BPP) já foi sujeito.
Em declarações à Renascença, este professor de Direito Comparado duvida da eficácia do documento.
“É deficiente porque não especifica o despacho de pronunciamento contra o arguido, é um mandado absolutamente vago e que pede a extradição de evasão ao fisco, um crime que não é extraditável”, afirma Andre Thomas Hausen.
“Vi que no mandado de captura simplesmente se referem a uma decisão de um juiz, em Lisboa, que não menciona nem o número do processo nem o despacho de pronúncia, porque não existe extradição de pessoas suspeitas. [Rendeiro foi condenado] Mas o mandado de captura não menciona esse julgamento, não se refere a esse caso. Unicamente se refere a um processo futuro em que será acusado de evasão fiscal, branqueamento de capitais e de furto”, argumenta o jurista.
O antigo líder do BPP será novamente presente a tribunal, na quarta-feira. Hoje deixou apenas a garantia de que não regressa a Portugal.
O caso de João Rendeiro no tribunal de Verulam recebeu a designação B844/21 e inclui o mandado de detenção emitido em Pretória a 26 de novembro onde uma magistrada sénior o indica como "pessoa suscetível de ser entregue a Portugal".
Confrontado pela Renascença com as declarações de André Thomas Hausen, e com o próprio mandado de captura de João Rendeiro, a que a Renascença teve acesso, o penalista Pedro Duro reage com estranheza.
Confessa que, "olhando apenas para este elemento, o que se esperaria era algo diferente". Pedro Duro lembra que "os crimes fiscais, pelo menos na versão original da convenção, estão em regra excluídos. A não ser que exista, depois, um acordo bilateral acaba por ser um pouco difícil justificar a questão dos crimes fiscais. Acho que seria muito mais fácil indicar os crimes de um processo já transitado em julgado".
Este penalista sublinha, contudo, que o mandado de captura faz referência ao crime de branqueamento de capitais.
Isso "dá robustez e já se enquadra, de forma mais clara, no que é a letra e o espírito da convenção". Mesmo assim, Pedro Duro "esperaria, de facto, a indicação de um número de processo concreto, já transitado em julgado, que seria obviamente muito mais forte do que um processo que está em curso, para eventualmente conseguir um interrogatório, uma medida de prisão preventiva, ou o que seja".
A magistrada M. Naidoo considera que a emissão de um mandado de detenção, ao abrigo de leis sul-africanas de extradição (Extradition Act 67 de 1962), "também se justificaria se acusações similares de fraude e branqueamento de capitais tivessem alegadamente sido cometidas na República" da África do Sul e que o ex-banqueiro é "uma pessoa suscetível de ser entregue a Portugal".
A argumentação faz parte do documento de uma única página.
A ordem da magistrada tem um enquadramento já revelado pelas autoridades portuguesas: logo à cabeça, é indicado que o pedido para deter João Rendeiro surge ao abrigo do artigo 16 da Convenção Europeia de Extradição.
Depois, cita-se um mandado de detenção português assinado pela juíza Tânia Loureiro Gomes, do Tribunal Judicial do distrito de Lisboa.
É aquele documento que serve de suporte para explicar que João Rendeiro "é procurado para responder em tribunal", em Portugal, "pelas acusações de fraude fiscal, branqueamento de capitais e burla qualificada", detalhando cada artigo da lei portuguesa - mas sem falar nas condenações.
As autoridades portuguesas emitiram o mandado por três condenações, duas das quais ainda sujeitas a recurso.
Ao lado, rubricado à mão, o capitão sul-africano que executou o mandado assina a folha e dá a ordem por cumprida.
[notícia atualizada]