“Acho que as crianças devem manter a distância”, solta uma menina enquanto brinca com as amigas, antes de os pais chegarem para a levar de regresso casa. Enquanto isso, esta tarde, no passeio junto à entrada da escola EB 1 Luz Carnide, em Lisboa, era a possível suspensação das aulas, que dominava todas as conversas. A maioria das pais e avós ouvidos pela Renascença concordavam com o encerramento.
“Espero que as escolas fechem, porque isto está a ser um bocado problemático. Acho que as pessoas estão a ser um bocado irresponsáveis. Não têm cuidados. Não respeitem as outras pessoas”, defende Ilídia Prata, enquanto espera pela hora de saída do neto Manuel, que acontecerá minutos depois às 17h30.
Por essa razão, Ilídia é perentória: “Prefiro ter o meu neto em caso do que na escola, devido à irresponsabilidade das pessoas”.
No entanto, isso não deverá ser o que vai acontecer no imediato. Na noite desta quarta-feira, Graça Freitas disse, em conferência de imprensa depois da reunião do Conselho Nacional de Saúde, que as escolas apenas deverão fechar quando as autoridade de saúde local determinarem. Ou seja, a decisão é manter o estado atual de coisas.
Na escola EB 1 Luz Carnide, onde estudam cerca de 200 meninos, na última semana foram tomadas algumas medidas de prevenção entre as quais, o aumento do número de desinfetantes na escola, multiplicou-se o número de vezes que as mesas, corrimões e maçanetas das portas foram limpas.
A avó de Manuel, que depois de o ir buscar à escola fica com ele em casa até aos pais saírem do trabalho, garante perceber que esta à uma medida complicada porque “é difícil ter miúdos em casa”.
“Eu sou uma privilegiada porque posso ter os meus netos comigo. Compreendo que há muitas pessoas que não têm onde deixar os filhos e os netos. Eu como pessoa com mais idade, sou um grupo de risco”, diz, mas ainda assim prefere ter as crianças da família em casa. Além do menino de oito anos que está ali ao seu lado, tem um outro neto mais novo.
No seio da família, Ilídia diz que a filha está cada vez mais preocupada com os passos e locais que o pequeno Manuel dá no dia a dia. Já fez, inclusive, algumas alterações. “Tinha uma atividade de música numa escola em Telheiras. Não foi porque está a ficar assustada. Por mais cuidados que se tenha, são crianças. Não pode haver uma empregada para cada uma”, argumenta.
Fecho das escolas “é um problema que me assusta, se acontecer”
Um pouco antes, Alexandra Lopes, de 43 anos, estava no carro à espera que Tiago, que esta quarta-feira faz oito anos, saísse da escola. Diz que tem tentado não pensar no impacto que o encerramento da escola dos filhos terá na sua vida.
“Tenho fugido a essa pergunta, a mim própria faço-a e não encontro resposta”, reconhece.
No entanto, se o Conselho de Ministros desta quinta-feira decidir pelo fecho das escolas, esse “é um problema que me assusta, se acontecer”. Alexandra até tem a possibilidade de ficar em teletrabalho, mas nem quer imaginar estar fechada duas semanas em casa com dois filhos de quatro e oito anos.
“Como é que consigo trabalhar com duas crianças metidas em casa 14 dias? Assusta-me muito, honestamente”, repete.
Mesmo sem querer pensar muito no tema, a mulher de 43 anos diz, que no imediato, a solução deveria passar por dividir os dois filhos. “Um ficará com os meus pais e que ainda não têm 70 anos, mas falta pouco. São um grupo de risco. Se for só um comigo, consigo manter as minhas funções. Mas com os dois, até posso estar em teletrabalho, mas eu não consigo trabalhar”, equaciona.
Alexandra protesta ainda que se estejam a fechar pessoas em casa, estando “as fronteiras abertas”. “Devíamos começar a não deixar entrar nem sair, e depois tratar cá dentro”, sintetiza.
“Não sou apologista de fechar”
Minutos depois, Ricardo Lima, de 41 anos, que acabava de se encontrar com a filha Nicole, as perguntas retóricas que muitos pais repetem: “Onde é que as crianças vão ficar?” “Em casa dos avós?”. Ao mesmo tempo alerta que acha que não será essa a melhor solução porque os mais velhos são um grupo de risco.
Este pai conta que os outros encarregados de educação estão apreensivos, porque “muitas não têm a possibilidade de ter as crianças em casa”.
Ricardo afirma que não é essa a sua situação. “Eles podem ficar comigo em casa, não há problema”, reconhece. Ao lado dele, Nicole diz que as coisas na escola mudaram nos últimos dias: “Já não damos beijinhos, nem abraços. Também lavamos as mãos mais vezes”.
“Vida em sociedade é muito promíscua”
Esta quarta-feira, Ana Teresa Guedes ainda não sabe qual a decisão do Governo, e se os filhos vão ou não ficar em casa. Mas ela não tem dúvidas. “Devem fechar as escolas. A vida em sociedade é muito promíscua, e eu não sei onde é que os colegas com atividades extra-curriculares dos meus filhos andam”, equaciona a mulher que tem dois menores a seu cargo: uma menina de oito e um rapaz de 14.
Ana declara que “o melhor era antecipar as férias, ou suspender as aulas para arranjar uma situação para compensar os alunos”. Tudo a bem, defende de “proteger a comunidade”.
Depois de a Organização Mundial de Saúde decretar que o Covid-19 está na fase de pandemia, esta encarregada de educação reforça a ideia de que é altura de atuar.
Ana conta que é funcionária pública, e que esta quarta-feira foi convocada para “uma reunião com chefias em que me foi comunicado que a partir de hoje começamos a trabalhar em casa”.
Aceitou, e a decisão deixa-a mais descansada porque fica em casa. “Assim não me terei de deslocar a outro local. Sinto-me mais segura”, remata