"Tudo se encaminha para que nesta semana se possa avançar com estado de emergência"
31-10-2020 - 22:31
 • Marina Pimentel com redação

À Renascença, o constitucionalista Bacelar Gouveia diz que "mais vale cedo do que tarde" um retorno a um estado de emergência "com menos direitos suspensos" mas que permita transformar deveres cívicos em deveres jurídicos.

O que foi anunciado:


O constitucionalista Bacelar Gouveia diz que há critérios "objetivos" para o Governo decretar as medidas anunciadas este sábado por António Costa após um Conselho de Ministros extraordinário, entre elas um confinamento parcial em 121 concelhos do país já a partir de quarta-feira, e diz que tudo aponta para que haja um regresso a um estado de emergência numa versão menos restritiva do que em março e abril.

"Parece-me que o critério é objetivo, não é um critério arbitrário, e por outro lado pode haver -- quer no estado de calamidade, quer no futuro no estado de emergência -- apenas efeitos parciais, porque esses efeitos não têm de ser em todo o território nacional, podem ser nos lugares onde há maior risco ou uma maior força da doença, em número de casos e na expansão do vírus", indica o especialista à Renascença.

"Acho que mais vale cedo do que tarde" uma declaração de estado de emergência, adianta.

"Penso que tudo se encaminha para que esta semana se possa avançar com um estado de emergência com outras características diferentes daquele que tivemos em março. Porventura, com menos direitos suspensos. Apenas o direito geral de circulação e o tal recolhimento obrigatório, isto é, permanência no domicílio durante certo período."

Autor de uma tese de doutoramento sobre o estado de emergência, Bacelar Gouveia diz que as medidas hoje anunciadas se afiguram "proporcionais" à atual situação epidemiológica em Portugal, onde têm sido registados aumentos diários de infeções e mortos por Covid-19.

"Se houver um critério objetivo, e se se entender que o dever cívico de recolhimento e a restrição das atividades é adequado a combater melhor a doença -- e isso parece que está provado do ponto de vista dos conhecimentos técnicos -- então essa medida apresenta-se, a meu ver, proporcional"

Bacelar Gouveia destaca que a imposição de medidas mais gravosas, como recolher obrigatório ou a requisição civil dos serviços de saúde, dependerá sempre da declaração do estado de emergência. António Costa já tem uma audiência marcada com Marcelo para discutir essa possibilidade.

"Para falar de outras medidas, que eu acho que é uma coisa que está um pouco ainda em segredo, medidas mais drásticas como o recolher obrigatório ou a proibição de circulação no país ou a requisição de hospitais e a alocação de pessoas da função privada à função pública para acorrer às necessidades, sobretudo no âmbito da Saúde, isso aí já carece, evidentemente, de uma declaração de estado de emergência", indica o constitucionalista.

À Renascença, Bacelar Gouveia lembra que este "dever de confinamento domiciliário é um dever cívico" e não jurídico.

"Quando foi decretado, a seguir ao fim do estado de emergência, havia dúvida sobre se esse confinamento domiciliário era ou não era um dever jurídico e, a certa altura, entendeu-se que não podia ser um dever jurídico porque tinha terminado o estado de emergência, [entendeu-se que] era apenas uma recomendação."

É nesse contexto que destaca a importância de se declarar estado de emergência, para "transformar o dever que agora é cívico em dever jurídico". Esse retorno ao estado de emergência "poderá acomodar um conjunto de medidas para combater a doença", mas sempre numa versão "menos forte, menos drástica, do que aquele que tivemos em março e abril".

Sobre esta possibilidade, Bacelar Gouveia recorda que regressam os crimes de desobediência para quem não cumprir as regras que venham a ser decretadas.

"Voltará a funcionar o crime de desobediência, que está previsto no regime do estado de emergência como a principal sanção para a violação dos deveres e do exercício das autoridades administrativas dos direitos que ficam suspensos. Digamos que o grau de punição será maior em relação àquilo que existe num dever cívico, porque, conforme o próprio nome indica, não é um dever jurídico."