Os voos a partir de e para Hong Kong foram retomados esta quarta-feira, após os confrontos da véspera entre manifestantes pró-democracia e as autoridades, que resultaram em cinco detenções, de homens com idades compreendidas entre os 17 e os 28 anos, acusados de promover uma manifestação ilegal. Dois deles são igualmente suspeitos de agredir um elemento das forças policiais e de possuir armas.
Esta quarta-feira, a China – Hong Kong é uma região administrativa especial do país, com autonomia, a nível executivo, legislativo e judicial – apelidou o movimento de ter chegado a um nível de “quase terrorismo”. Dois homens foram detidos pelos ativistas e terão sido agredidos: um por ser alegadamente um polícia chinês à paisana, o outro era um jornalista do “Global Times”, um tablóide afeto ao comité central do Partido Comunista do país.
O movimento de contestação não causou até ao momento grandes perturbações a cidadãos portugueses, registando-se apenas "casos pontuais" de problemas com viagens, disse esta quarta-feira à Lusa o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva.
"Os poucos casos de que temos conhecimento, e estamos a acompanhar, são algumas pessoas e um grupo, uma tuna universitária, que esteve em Macau, ia agora de Hong Kong para Tóquio, e uma parte ainda não conseguiu partir", precisou.
"Mantemos as nossas recomendações [...] que as pessoas tenham os cuidados de segurança habituais nestas circunstâncias, designadamente evitando os locais ou as áreas em que ocorrem confrontos, em que haja distúrbios ou em que haja repressão", disse ainda Santos Silva, acrescentando que "a situação em Macau é muito tranquila".
Manifestantes pedem desculpa
Os protestos já levam dois meses e meio e o aeroporto foi ocupado durante cinco dias, inicialmente de forma pacífica. Após abandonarem a infraestrutura ao início da manhã desta quarta-feira, muitos ativistas pediram desculpa pela violência.
"Estávamos desesperados e tomámos decisões imperfeitas. Por favor aceitem as nossas desculpas”, podia ler-se num cartaz exibido por um grupo de algumas dezenas de pessoas na zona de chegadas do aeroporto, um dos mais movimentados do mundo, esta quarta-feira.
Os poucos manifestantes que continuaram no aeroporto são agora remetidos para uma zona restrita, após um tribunal de Hong Kong ter proibido a sua presença fora dessas áreas, anunciou esta quarta-feira, em comunicado, a Autoridade Aeroportuária.
A ordem judicial preventiva impede que “as pessoas impeçam ou interfiram de maneira voluntária e ilegal com a operação normal do aeroporto internacional de Hong Kong”, pode ler-se.
Hong Kong vive um clima de contestação social desencadeado pela apresentação de uma proposta de alteração à lei da extradição, que permitiria ao Governo e aos tribunais da região administrativa especial a extradição de suspeitos de crimes para jurisdições sem acordos prévios, como é o caso da China continental.
A proposta foi, entretanto, suspensa, mas as manifestações generalizaram-se e denunciam agora aquilo que os manifestantes afirmam ser uma "erosão das liberdades" na antiga colónia britânica, enquanto pedem a demissão da chefe do executivo local, Carrie Lam, e a eleição de um sucessor por sufrágio universal direto, e não nomeado pelo Governo central.
A transferência de Hong Kong e Macau para a República Popular da China, em 1997 e 1999, respetivamente, decorreu sob o princípio de "um país, dois sistemas", precisamente o que os opositores às alterações da lei garantem estar agora em causa. O Governo chinês é responsável pelas relações externas e defesa dos territórios.
Mais detenções no horizonte
O porta-voz da polícia de Hong Kong, Mak Chin-ho, admitiu a possível detenção de mais suspeitos, incluindo ativistas que agrediram um polícia da unidade antimotim durante os incidentes.
A lei do território prevê sentenças de prisão perpétua para as pessoas que cometam atos violentos ou atos que possam interferir na segurança do tráfego aeroportuário e do aeroporto.
"A polícia promete a todos os cidadãos de Hong Kong que tomaremos as medidas para levar todos os culpados à justiça", concluiu o porta-voz, em declarações à comunicação social.
A grande maioria dos manifestantes – geralmente vestidos de preto, a imagem de marca do movimento – são estudantes universitários, cerca de metade são homens e está na faixa etária dos 20 anos. Quase todos admitem que odeiam a polícia, segundo um estudo divulgado pelas agências internacionais esta quarta-feira e que traça o seu perfil.
O movimento não tem líderes declarados e mobiliza-se rapidamente através das redes sociais e plataformas de troca de mensagens.
Apelos à calma
À Lusa, Augusto Santos Silva evoca a posição da diplomacia da União Europeia (UE), reiterando o apelo "a todas as partes" para que "não agravem a tensão e se abstenham de ações violentas", "sejam eles as forças policiais ou os manifestantes".
"É muito importante que a violência não progrida e é muito importante que a questão política e legal que está em causa em Hong Kong neste momento seja resolvida por vias políticas e legais e não pela violência", afirmou.
Donald Trump também publicou esta terça-feira um tweet sobre a situação, revelando movimentações de tropas na fronteira entre Hong Kong e a China. "Acho que isto vai resolver-se e espero que se resolva, em nome da liberdade. Espero que haja uma solução para todas as partes, incluindo a China”, disse posteriormente, numa visita a Morristown, em Nova Jérsia.
O Alto Comissariado para os Direitos Humanos da ONU assegurou na terça-feira que há evidências de que as autoridades de Hong Kong aplicaram medidas que vão contra as normas internacionais e pediu uma investigação imparcial às ocorrências.
"Está toda a gente muito assustada", disse à Reuters Ann, uma professora de 21 anos que retirava cartazes contra o Governo da região no aeroporto, "mas estamos ainda mais assustados com a possibilidade de deixarmos de ter as nossas liberdades, e é por isso que vamos continuar com os protestos”.