Foi ontem divulgado o relatório da Comissão Independente para a Descentralização, criada por acordo entre PS e PSD. O relatório defende que o país deve ser dividido em regiões, desencadeando o processo da regionalização, que a Constituição prevê.
Mas, em junho de 1998, 60% dos votantes no referendo sobre regionalização mostraram-se contra. 21 anos poderá haver, naturalmente, um segundo referendo. Há quem, como Rui Rio, era adversário da regionalização e agora parece que é partidário.
No entanto, dois pontos essenciais têm que ser esclarecidos, para que um segundo referendo não tenha um resultado negativo, como o primeiro. Importa provar que a regionalização não cria uma nova camada de administração pública, antes substitui decisores centrais por outros regionais. O perigo, aqui, é engordar ainda mais um Estado que, em Portugal, já é obeso; há que assegurar que essa nova camada de funcionários públicos e políticos regionais não vai aumentar a burocracia que trava quem quer empreender em Portugal.
O outro problema é a divisão do país em regiões. Só temos, no continente, uma região natural: o Algarve. As outras regiões têm que ser inventadas.
Ora um dos motivos para o “não” de 1998, segundo afirmaram na altura alguns destacados defensores da regionalização, era propor regiões que incluíam, simultaneamente, o litoral sobrepovoado e zonas desertificadas do interior. Por exemplo, na região Norte a evolução provável seria agravar ainda mais a desertificação de Trás-os-Montes e a concentração de pessoas e empresas na área metropolitana do Porto e na faixa litoral a Norte.
Ora, para a Comissão de Descentralização, "o mapa das regiões administrativas deve coincidir com as atuais regiões de planeamento, por razões de conhecimento acumulado, continuidade e custos menos elevados". Ou seja, para usar o exemplo referido, Trás-os-Montes será comandado a partir do Porto.
Por outro lado, diz a Comissão que "um mapa com regiões mais pequenas, algumas das quais localizadas exclusivamente no interior, não garante que todas tenham, já hoje e sobretudo no futuro, a escala e a massa crítica necessárias para poder cumprir com eficácia e eficiência a sua missão".
É verdade – mas daí poderá concluir-se algo muito diferente: dir-se-ia que, com a desertificação do interior ao ponto a que ela chegou, já não existem condições para uma regionalização útil para o conjunto do país e não apenas conveniente para criar empregos públicos.