Quem diria que, depois da polémica com a Cambridge Analytica, a vitória de Trump e até as dúvidas sobre o Brexit, "transparência" seria a palavra que mais se ouviria numa sessão de esclarecimento do Facebook a jornalistas portugueses nas vésperas de uma eleição, no caso as legislativas do próximo dia 6 de outubro.
Representantes da rede social norte-americana estiveram em Lisboa para falar sobre a proteção da integridade das legislativas portuguesas no Facebook. Pelo caminho, explicaram o que aprenderam com os mais recentes sufrágios e confirmaram que não têm medidas específicas preparadas para as eleições portuguesas.
Por exemplo, a rede social não vai implementar quaisquer filtros para bloquear, de forma automática, anúncios relacionados com propaganda política, apesar de tal ser proibido pela lei portuguesa a partir do dia em que são marcadas eleições.
"Não somos uma agência policial. A responsabilidade é dos próprios anunciantes", asseguraram os representantes do Facebook, salientando que as ferramentas que usam para bloquear anúncios são "soluções abrangentes" e não adaptadas a realidades específicas.
"A ferramenta não funciona assim", reiterou Sean Evins, gestor de Divulgação Política e Governação do Facebook para a Europa, presente no encontro. A empresa frisa, no entanto, que é agora possível ver todos os anúncios pagos feitos por uma determinada entidade no Facebook, numa espécie de "biblioteca" de campanhas que é assegurada durante sete anos.
Quem faz propaganda política naquela rede social terá de a identificar como tal e as leis que regem a criação de anúncios são as do Facebook, não as portuguesas. Na prática, desde que a campanha de propaganda siga as regras do Facebook ou do Instagram, nada será feito pela rede social para apagar tal conteúdo, a menos que a empresa receba alguma denúncia.
Facebook "faz tábua rasa da lei portuguesa"
"Temos linhas abertas de comunicação com as autoridades e comunicamos de forma rotineira com todas elas", garantiu Nick Wrenn, responsável pela secção de Parcerias com Órgãos de Comunicação Social do Facebook na Europa, Médio Oriente e África. Mas a relação com a Comissão Nacional de Eleições (CNE) não parece assim tão pacífica. A CNE assegura que tem tido problemas ao tentar atuar sobre "publicações patrocinadas" e já anunciou, de resto, que a posição mais reativa que proativa da rede social é "ilegal" e "será sancionada".
Para o organismo que supervisiona os sufrágios em Portugal, o Facebook "faz tábua rasa da lei portuguesa" e não tem "vontade de cumprir a lei", sobrepondo os seus padrões de comunidade à lei nacional.
No entretanto, a CNE passou das palavras às ações e decidiu abrir processos de contraordenação contra o Partido Socialista (PS) e contra o Facebook por propaganda em ‘posts patrocinados’ no âmbito das eleições na Madeira. Tal decisão surge na sequência de dezenas de participações, queixas ou pedidos de parecer que foram chegando à CNE por parte de particulares, relacionados com as eleições legislativas e também com as regionais do próximo fim-de-semana.
“Fomos muito lentos a agir no passado”
A “biblioteca de campanhas” é apenas uma das iniciativas que a rede social tomou desde 2016, altura em que foi ‘apanhada’ num escândalo de desinformação referente ao processo que viu Donald Trump ser eleito Presidente dos EUA.
"Fomos muito lentos a agir contra a desinformação, reconhecemos que isso era um problema", lamenta Sean Evins, assegurando que muito foi feito desde então para colmatar os erros do passado.
“Desde 2016 estamos a adaptar e a melhorar novos produtos e ferramentas, enfrentamos este problema de uma forma muito holística”, diz Evins, pedindo a ajuda dos utilizadores para garantir a transparência e “envolver a comunidade neste esforço” de afastar “os maus da fita”.
"O Facebook é um lugar para o bem. Estamos a melhorar a cada eleição"
A rede social triplicou o número de operacionais a analisar publicações e contas: ao todo, há mais de 30 mil pessoas, espalhadas pelo mundo, a "garantir proteção e segurança".
Os mecanismos baseados em inteligência artificial também foram “melhorados e adaptados” e conseguirão agora eliminar cerca de um milhão de contas por dia antes das mesmas serem criadas. “Não é um sistema perfeito, mas o nível de precisão é bastante alto”, adiantou Evins.
“Se quiseres dizer que a Terra é plana, tens direito de o dizer no Facebook”
Já no campo das notícias falsas, a rede social garante estar a trabalhar com "fact-checkers" nacionais para separar as notícias reais das chamadas "fake news" e atribuir-lhes menos importância na "timeline" dos utilizadores. As mesmas não são apagadas, mas o seu impacto é diminuído em 80%, garante a rede social, que acredita que muitos dos "bots" usados para espalhar desinformação o fazem para ganhar dinheiro.
"Não estamos a tentar apanhar as fake news. Queremos apenas garantir transparência", explica, por sua vez, Nick Wrenn, responsável pela secção de Parcerias com Órgãos de Comunicação Social do Facebook na Europa, Médio Oriente e África. Wrenn acredita que não se combatem ‘fake news’ eliminando-as, mas sim terminando com os “incentivos financeiros” de quem usa o Facebook para ‘clickbait’.
“Se quiseres dizer que a Terra é plana, estás errado, mas achamos que tens o direito de o dizer no Facebook”, defendeu.