As alterações que o Bloco de Esquerda propõe à lei da maternidade de substituição (barrigas de aluguer) não respondem a uma das principais dúvidas levantadas pelo Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV) e que Marcelo Rebelo de Sousa invocou para vetar a primeira versão que tinha sido aprovada no Parlamento.
No texto que acompanhou o veto, Marcelo explicava que faltava na lei “afirmar de forma mais clara o interesse superior da criança, ou a necessidade de informação cabal a todos os interessados, ou permitir, a quem vai ter a responsabilidade de funcionar como maternidade de substituição, que possa repensar até ao momento do parto quanto ao seu consentimento”.
Mas este último ponto, da possibilidade de reverter o consentimento até ao momento do parto, não consta das alterações do Bloco.
Nas suas alterações, o bloco escreve: “No tocante à validade e eficácia do consentimento das partes, ao regime dos negócios jurídicos de gestação de substituição, bem como à intervenção do Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida e da Ordem dos Médicos, é aplicável à gestação de substituição, com as devidas adaptações, o disposto no artigo 14.º da presente lei.”
Só que a alínea 4 do artigo 14.º da presente lei é clara: “O consentimento dos beneficiários é livremente revogável por qualquer deles até ao início dos processos terapêuticos de PMA”. Neste caso o início do processo terapêutico será naturalmente o começo da gravidez, pelo que não está previsto a mulher poder mudar de ideias até ao momento do parto, como tinha pedido Marcelo.
Outro ponto que pode levantar dúvidas do ponto de vista ético é o 10.º artigo da proposta do Bloco, que procura cobrir a lacuna existente na proposta anterior sobre como proceder em casos de malformação do feto.
“A celebração de negócios jurídicos de gestação de substituição é feita através de contrato escrito, estabelecido entre as partes, supervisionado pelo Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida, onde deve constar obrigatoriamente, em conformidade com a legislação em vigor, as disposições a observar em caso de ocorrência de malformações ou doenças fetais e em caso de eventual interrupção voluntária da gravidez", diz o artigo 10.º.
Isto significa que será possível, no contrato a estabelecer entre as partes, existir uma obrigação da grávida abortar no caso de malformação, sob pena de a outra parte do contrato não ter de se responsabilizar de qualquer forma pelo bebé que virá a nascer. Também não é claro o que se pode fazer no caso de um contrato prever apenas o nascimento de uma criança mas a gravidez ser de gémeos, por exemplo, uma vez que isso não pode ser classificado como uma malformação nem como uma doença fetal.
Questionada pela Renascença, a especialista em bioética Ana Sofia Carvalho, que pertence também ao CNECV, diz que o Bloco de Esquerda deve agora submeter as alterações propostas à sua anterior lei, que Marcelo Rebelo de Sousa vetou, ao conselho. Não pode ser outra a próxima acção do Bloco, diz a especialista.