O Papa Francisco pediu esta tarde no Cairo, Egipto, que os povos e as religiões façam uma opção consciente pela paz e estabeleceu uma ligação entre a educação e a diminuição da violência entre civilizações. “A religião não é o problema, é parte da solução”, disse.
Num discurso proferido na Conferência da Paz organizada pela Universidade Al-Azhar, do Cairo, Francisco classificou o Egipto como uma “terra de civilizações e de alianças” e disse que, tal como houve uma opção consciente pela educação e pela sabedoria por parte dos antigos egípcios, é necessário agora tomar uma opção semelhante.
“A busca pela sabedoria e o valor dado à educação foram resultado de uma decisão consciente por parte dos antigos habitantes desta terra e viriam a dar muitos frutos no futuro. Precisamos de decisões semelhantes para o nosso futuro, opções de paz e pela paz, pois não haverá paz sem uma educação adequada das próximas gerações”, declarou.
A referência de Francisco à antiga civilização egípcia será bem recebida pelos egípcios, muito orgulhosos desta página do seu passado, mas sobretudo pelos cristãos do país, conhecidos como coptas, que são verdadeiramente os sucessores dos povos dos faraós, que abraçaram o cristianismo nos primeiros séculos da era cristã, sendo os muçulmanos descendentes dos invasores árabes do século VII.
Francisco considera que a educação conduz à sabedoria e que esta “procura o outro, ultrapassa tentações de rigidez e de mentes fechadas; é aberta e em movimento, simultaneamente curiosa e humilde, capaz de valorizar o passado e entrar em diálogo com o presente”. A sabedoria, diz ainda o Papa, “procura incansavelmente identificar oportunidades e encontro e de partilha; do passado aprende que o mal só gera mais mal, a violência mais violência, numa espiral que acaba por aprisionar toda a gente. A sabedoria, ao rejeitar a desonestidade e o abuso de poder, centra-se na dignidade humana.”
“Acompanhar os jovens” contra a “barbaridade”
Esta educação deve estar centrada numa abertura respeitosa e num diálogo sincero com os outros, “reconhecendo os seus direitos e liberdades básicas, em particular a liberdade religiosa”, sublinhou Francisco.
“Para contrariar a barbaridade dos que fomentam o ódio e a violência, precisamos de acompanhar os jovens, ajudando-os a caminho da maturidade e ensinando-os a responder à lógica incendiária do mal trabalhando pacientemente pelo florescer da bondade. Desta forma, os jovens, como árvores bem plantadas, ficarão firmemente enraizadas no solo da história e, crescendo rumo ao céu na companhia uns dos outros, podem transformar diariamente o ar poluído do ódio no oxigénio da fraternidade”.
Diálogo com respeito e sem ambiguidades
Citando Francisco de Assis, que, no tempo das cruzadas, viajou para o Egipto para se encontrar com o sultão, o maior líder muçulmano do tempo, o Papa falou da importância do diálogo entre as religiões, mas salvaguardando que esta só faz sentido se forem respeitados três princípios: “O dever de respeitar a nossa própria identidade e a dos outros, porque o verdadeiro diálogo não se edifica sobre a ambiguidade ou a vontade de sacrificar algum bem só para agradar aos outros; a coragem de aceitar as diferenças, porque aqueles que são diferentes, quer cultural quer religiosamente, não devem ser vistos nem tratados como inimigos, mas antes acolhidos como companheiros de viagem”; e, por fim, “sinceridade de intenções, porque o diálogo, enquanto expressão autêntica da nossa humanidade, não é uma estratégia para atingir fins específicos, mas um caminho para a verdade”.
O Papa recordou ainda a importância do Egipto enquanto terra de alianças e citou o exemplo do Monte Sinai, onde a tradição diz que Moisés recebeu de Deus os dez mandamentos. Este facto “recorda-nos que as verdadeiras alianças na terra não podem ignorar o Céu e que os seres humanos não podem procurar encontrar-se em paz eliminando Deus do horizonte, nem podem subir à montanha para se apropriarem de Deus”.
No combate à violência e ao terrorismo, diz o Papa, "a religião não é o problema, é parte da solução: contra a tentação de nos resignarmos a uma vida banal e desinspirada, onde tudo começa e termina aqui em baixo, a religião recorda-nos da necessidade de elevar os corações ao Altíssimo para aprender a construir a cidade do homem".
No centro destes dez mandamentos, diz ainda Francisco, está “não matarás”, porque “a violência é a negação de toda a expressão religiosa autêntica”.
“Apenas a paz é santa”
Falando menos de três semanas depois de mais um atentado ter atingido a comunidade cristã do Egipto, Francisco diz que “apenas a paz é santa e nenhum acto de violência pode ser levado a cabo em nome de Deus, pois profana o Seu Nome”. O Papa convidou, de seguida, os outros líderes religiosos presentes no encontro a juntarem-se a ele numa rejeição da violência e afirmação da sacralidade da vida humana.
Este discurso na Conferência pela Paz organizada pela Universidade Islâmica de Al-Azhar era um dos pontos altos da viagem do Papa Francisco ao Egipto, que prosseguirá com um encontro com o Papa da Igreja Copta Ortodoxa. A visita termina no sábado, com missa celebrada para a comunidade católica, seguida de almoço e encontro com os bispos, religiosos e seminaristas do país.
A Renascença acompanha toda a visita com transmissões ao vivo no site dos principais momentos públicos, comentário e reportagem em antena e análise dos principais eventos e discursos. A vaticanista Aura Miguel está também no Egipto.
A Renascença com o Papa Francisco no Egipto. Apoio: Santa Casa da Misericórdia de Lisboa