O presidente da Associação de Oficiais das Forças Armadas (AOFA), tenente-coronel António Mota, não tem dúvidas de que a segurança nacional está posta em causa na sequência do desinvestimento que tem vindo a ser feito na Defesa e que se tem revelado através de vários casos polémicos.
“É bom que se conclua isso”, afirma no programa Carla Rocha - Manhã da Renascença.
Na opinião deste tenente-coronel, o caso de furto de armas em Tancos afecta o prestígio do sector, até porque não é um acto isolado. “Temos verificado que nos últimos anos começam a ser recorrentes os problemas com as Forças Armadas”.
Por exemplo, o caso de suspeitas de corrupção na Força Aérea e o caso dos Comandos. “E temos muitas outras que não são tão mediáticas, mas que são tratadas internamente” e que fazem deste o “momento mais complicado que atravessam as Forças Armadas”, refere o militar.
“Não me recordo de situações tão complexas, por um lado, e tão frequentes, por outro, que afectam a dignidade dos militares e a instituição no seu todo", lamenta.
"Temo que, se não forem alteradas as políticas que têm vindo a ser seguidas, daqui a três meses ou um ano, estejamos a dizer que agora é que é o momento mais complicado das Forças Armadas”, acrescenta, prevendo que “estas situações vão multiplicar-se” e “agravar-se”.
“O que acontece é que, por falta de recursos financeiros e de efectivos, quem exerce neste momento funções de comandante de uma qualquer unidade está confrontado com meios de tal forma exíguos que tem que tomar opções muito difíceis”, diz.
Militares substituídos por segurança privada
António Mota lembra que, por causa do programa de ajustamento financeiro (troika), o anterior Governo “fez uma série de cortes pouco avisados” na Defesa e criou a directiva 2020, que define “um número de efectivos para 2020”.
Ora, neste momento, esse número “já está 20% abaixo do que está determinado. Sabendo que, de ano para ano, se tem vindo a verificar uma redução importante, na ordem dos mil militares nas Forças Armadas, tememos que em 2020 estejamos entre 30% e 35% abaixo do efectivo”, alerta.
A falta de efectivos “faz com que as Forças Armadas, de há muitos anos a esta parte, estejam a recorrer a serviços privados para realizar um grande número de tarefas que, tradicionalmente, eram realizadas pelos próprios militares. Ao ponto de algumas seguranças de acessos e de algumas unidades já estejam a ser feitas por empresas de segurança privada. Basta ir ao Terreiro do Paço, onde estão localizadas as unidades centrais da Marinha e o Estado-Maior da Armada”, denuncia.
Outra ameaça decorrente da falta de efectivos, avança o tenente-coronel, é a ocorrência de um incêndio junto aos paióis, em redor dos quais existe mato.
“Aquilo deveria ser uma zona perfeitamente limpa e não é, porque é uma área muito grande e não há recursos, não há meios humanos para fazer a limpeza. Um dia destes vai-se recorrer a uma empresa privada para limpar aquilo? É capaz de não ser uma prioridade para o comandante, mas eu alertava para uma outra situação: um dia destes há um incêndio ali, que vai varrer uma zona onde estão centenas de milhares de granadas e munições. Pode ser uma tragédia incalculável”, apesar de os “paióis terem alguma segurança física contra incêndios”.
Mas, face à crescente ameaça terrorista, não deveria haver um reforço de militares? “Não ocorreu”, garante o presidente da AOFA, para quem, por tudo isto, a segurança nacional está em causa.
A quem apontar responsabilidades pelo furto em Tancos?
Na última noite, o conselho nacional da Associação de Oficiais das Forças Armadas reuniu-se para analisar o furto de material de guerra e chegou à conclusão de que, “podendo haver responsabilidades aos mais diversos níveis, incluindo militares, as principais são ao nível político”.
Isto, por causa do “desinvestimento que tem vindo a ser feito pelos sucessivos governos e que aquela ideia que tinha o anterior ministro da Defesa, Aguiar Branco, de que com menos era possível fazer mais, por vezes isso não é possível”, aponta.
“Não afirmamos que o furto aconteceu por causa, exclusivamente, de problemas financeiros inerentes, mas propiciaram-no fortemente”, defende, lembrando que “há redes que não estão em condições” e “sistemas de videovigilância desligados há anos” por não estarem “em condições”, na sequência da “falta de condições financeiras para reparar tudo isso”.
O ministro da Defesa, Azeredo Lopes, já declarou que assume todas as responsabilidades e os militares aguardam saber o que tal significa na prática. Na opinião da AOFA, assumir responsabilidades significa começar a resolver os problemas.
“Eu não tenho nada contra o cidadão Azeredo Lopes, até porque se sair esse cidadão entra outro para aquele cargo. Se mantiver as políticas, então que se mantenha lá o cidadão Azeredo Lopes. O problema é que nós exigimos que as políticas alteradas. Portanto, quando o senhor ministro diz que vai assumir responsabilidades, nós esperamos que seja alterar radicalmente as políticas que tem vindo a seguir e, se não tiver essa capacidade, sugerimos que terá de ponderar a sua permanência no cargo”.
A responsabilidade política no furto em Tancos foi também referida pelo major-general Raul Cunha em entrevista à Renascença.