Comité internacional acusa Israel de atacar "intencionalmente" jornalistas
20-01-2024 - 12:20
 • Lusa

"Ataques precisos" que vitimam repórteres em Gaza, quando estes estão longe da linha da frente, são uma das principais acusações do Comité para a Proteção de Jornalistas. Israel integra, pela primeira vez, ao lado do Irão, a lista de países que pior tratam os jornalistas.

Israel foi incluído pela primeira vez na lista de pior tratamento de jornalistas, elaborada pelo Comité para a Proteção de Jornalistas (CPJ), devido ao aumento elevado dos profissionais palestinianos detidos sem julgamento desde o início da guerra em Gaza.

Israel figura na lista anual empatado em sexto lugar com o Irão, após o CPJ ter auferido no seu relatório, divulgado quinta-feira, que pelo menos 19 jornalistas palestinianos estão detidos sem julgamento.

"A posição de Israel no censo de 2023 do CPJ é prova de que uma norma democrática fundamental - a liberdade de imprensa - está a ser desgastada à medida que Israel explora métodos draconianos para silenciar jornalistas palestinianos", disse Jodie Ginsberg, presidente do CPJ, a propósito do lançamento do relatório. "Essa prática deve parar", frisou.

A guerra de Israel contra o Hamas tem cobrado um preço elevado entre a comunidade jornalística. Desde o dia 7 de outubro, pelo menos 83 jornalistas foram mortos, entre eles 76 palestinianos, 4 israelitas (mortos durante o ataque do Hamas) e 3 Libaneses, de acordo com o CPJ. As autoridades palestinianas e jornalistas em Gaza relatam 120 mortos. Dezenas de outros membros da imprensa continuam desaparecidos, foram presos ou feridos.

Israel explora métodos draconianos para silenciar jornalistas palestinianos

"É preciso pensar duas vezes", diz à Lusa Ibrahim Isbaita, um jornalista Saudita-Palestiniano que permanece ainda em Gaza. "Mais de 120 jornalistas mortos, este não é um número fácil e isto leva-nos a pensar duas vezes antes de nos pormos em frente a uma câmara", diz Isbaita.

A maior parte dos jornalistas mortos desde o início da guerra foram levados a enterrar com os coletes azuis à prova-de-bala marcados como "imprensa" que usavam no momento da sua morte. Os seus caixões são levados aos ombros por outros colegas igualmente equipados e identificados, que terminado o enterro, seguem com o seu trabalho.

"Em pelo menos uma dúzia de casos... vimos provas que Israel está intencionalmente a atacar [jornalistas]", diz à Lusa Sherif Mansour, coordenador do programa para o Médio Oriente e Norte de África no CPJ.

Mansour refere, entre várias, a história de Wael Dahdouh, o chefe da Al Jazeera Arabic na Faixa de Gaza, ferido por um míssil israelita enquanto a sua mulher Amna, filho Mahmoud, filha Sham e neto Adam foram mortos por um ataque aéreo Israelita em outubro ao campo de refugiados para onde o exército israelita tinha encaminhado os residentes da cidade de Gaza.

O filho mais velho do jornalista, Hamza, foi morto em dezembro em Khan Younis após um "ataque preciso" de um míssil israelita.

No Líbano, investigações independentes da Human Rights Watch, Amnistia Internacional, Reuters, AFP e Associated Press concluíram que o jornalista Issam Abdallah foi morto e outros ficaram feridos num ataque intencional das forças israelitas no dia 31 de outubro.

As várias investigações mostraram que os jornalistas estavam identificados, longe da linha da frente e que Israel sabia da sua presença.

De ataque em ataque, até à "destruição completa do corpo jornalístico em Gaza"

"[Estes casos] fazem parte de um padrão mortal e preocupante que tem que ser investigado, em que os jornalistas são diretamente atacados depois de receberem ameaças do exército israelita ou depois de serem vítimas de campanhas de difamação em que são chamados de terroristas", diz Mansour.

O CPJ apelou em janeiro à comunidade internacional para que faça uma investigação sobre vários casos que considera terem sido ataques intencionais à imprensa.

Para além dos bombardeamentos, os jornalistas na Faixa de Gaza enfrentam uma longa lista de dificuldades e sacrifícios, incluindo a destruição das suas casas, a morte de entes queridos, 'apagões' de telecomunicações, falta de apoio médico, comida, água.

"A falta de internet e eletricidade são os maiores obstáculos, e em segundo é o trauma", conta à Lusa Ibrahim. "Normalmente à noite, pergunto a mim mesmo qual é o significado de uma vida normal porque já nos esquecemos, esquecemo-nos do sabor de água limpa, ou do sabor da fruta", diz o jornalista.

Ibrahim diz que depois da guerra os palestinianos não querem donativos, mas sim ajuda psicológica. O jornalista que já cobriu pelo menos 3 guerras em Gaza diz que o atual conflito é sem precedentes. "Nada é seguro", diz.

Esquecemo-nos do sabor de água limpa, ou do sabor da fruta

Ibrahim descreve à Lusa por mensagens, desde a tenda onde agora vive e de onde (tenta) trabalhar, o alto preço a pagar: a casa que demorou 10 anos a construir foi destruída num segundo, a mãe que precisa de diálise não tem tratamento médico.

"As mortes, a censura, os 'apagões' de telecomunicações têm consequências imediatas e a longo prazo na capacidade dos jornalistas registarem as atividades do exército israelita e também nas capacidades do público por todo o mundo de saber o que está a acontecer", diz Sherif Mansour.

"Quanto mais esta guerra continuar, mais provável é à destruição completa do corpo jornalístico em Gaza", avisa.

Em comunicado o exército israelita informou que não pode garantir a segurança de jornalistas em trabalho na Faixa de Gaza. Relativamente às mortes de jornalistas como Issam Abdallah, Israel recusou "atacar jornalistas".