Há duas décadas no terreno, a TAIPA – Organização Cooperativa para o Desenvolvimento Integrado do Concelho de Odemira conhece bem a realidade no distrito de Beja. O maior concelho do país, em área, mas com pouco mais de 26 mil habitantes, está por estes dias no centro das atenções.
A pandemia deixou particularmente vulneráveis, centenas de imigrantes que trabalham nas explorações agrícolas da região e tirou da gaveta as já conhecidas, mas esquecidas, situações de precariedade em que vivem estas pessoas, em termos laborais e habitacionais. Em entrevista à Renascença, Teresa Barradas, vice-presidente desta organização de desenvolvimento, diz que é “imperativo atuar”. A coordenadora da área de intervenção social dá a conhecer um trabalho de 20 anos consubstanciado em inúmeros projetos que se destinam tanto à comunidade local, como aos migrantes.
A TAIPA foi fundada em 2000, com que finalidade?
Quando foi fundada, como disse, em 2000, a Taipa, uma Organização Cooperativa de Desenvolvimento Integrado de Odemira, tinha como missão dar resposta às necessidades e problemáticas do concelho sempre de forma integrada e colaborativa. No âmbito da sua própria intervenção, a missão não mudou muito, para os dias de hoje, mas houve alguma adaptação tendo em conta a evolução da própria realidade. No inicio, a preocupação centrava-se, sobretudo, no desenvolvimento rural, mas hoje em dia o cerne da intervenção da Taipa coloca-se mais na intervenção social e no desenvolvimento comunitário. Mas continuamos sempre com a abertura e com a capacidade técnica para procurar dar respostas a problemas que surjam no concelho, criar respostas que não existam ou onde exista alguma fragilidade, sempre criando redes que sejam sustentáveis e consigam perdurar no tempo enquanto existir determinada necessidade.
A atuação incide num território com determinadas especificidades. Quer caracterizar este concelho que em área é o maior do país, mas tem pouco mais de 26 mil habitantes?
Sim, é o maior concelho do país, com 13 freguesias e uma distância muito significativa entre si, exigindo, por isso, muito tempo de deslocação entre elas. O concelho tem uma baixa densidade populacional, sobretudo na zona interior onde existe maior concentração da população mais envelhecida, e, em paralelo, com uma concentração populacional na zona litoral, onde se concentra o fenómeno da imigração. Temos um interior e um litoral cm características muito diferentes entre si. O interior é desertificado, envelhecido, com baixos níveis de acessos a serviços, e, depois, o litoral tem esta sobrepopulação por causa, também, do acréscimo de migrantes ao território do nosso concelho.
Odemira está agora a viver este período menos bom, com a cerca sanitária a duas freguesias onde a TAIPA também atua. Como receberam esta notícia?
Ninguém estava preparado para esta situação, neste momento. Depois de termos regredido, acho que a expectativa era que continuássemos neste nível de desconfinamento, pelo menos, enquanto a situação não estivesse completamente estabilizada. Não estávamos à espera e a questão da cerca sanitária foi uma surpresa para toda a gente. Para nós, enquanto organização de desenvolvimento, isto significa, como, aliás, acontece desde março de 2020, um acréscimo dos desafios à nossa intervenção, ou seja, levou-nos a ajustar a forma de intervir, tivemos que adiar ações, adaptar atividades disto os diferentes projetos, pelo facto de não podermos ter a porta aberta. Tivemos que nos reinventar, embora continuando a fazer o nosso trabalho, mas de forma diferente.
A pandemia veio evidenciar um problema que já não é novo, pois há muito que se fala das condições precárias em que vivem estas pessoas que chegam de países distantes para trabalhar na agricultura. Como organização que está no terreno, esta era uma situação que também vos preocupava?
Naturalmente que sim. Nós vamos acompanhando o fenómeno migratório na região e os desafios que veio trazer. No que concerne ao nosso trabalho e às situações que ao longo deste percurso foram surgindo, vamos tentando ajudar estas pessoas, esclarecendo, informando, encaminhando as situações mais criticas e mais frágeis, seja ao nível da empregabilidade, seja ao nível das questões habitacionais, sempre articulando com a rede, e encaminhando para as respostas que existem. Era e é uma preocupação, mas no âmbito da nossa intervenção, não vamos à casa das pessoas e, por isso, não conhecemos toda a realidade da comunidade migrante, além de que não conseguimos chegar a todos. A pandemia veio fragilizar esta proximidade, pois tínhamos projetos no terreno e, neste momento, não conseguimos estar em todo o lado e da forma que gostaríamos. O que nós fazemos com as situações que nos são reportadas de alguma fragilidade, pode ser económica ou a nível social, encaminhamos para as entidades competentes com quem temos alguma proximidade, seja o SEF (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras) ou a ACT (Autoridade para as Condições do Trabalho). Fazemos sempre questão de identificar e sinalizar as situações que chegam até nós.
A Taipa tem em curso vários projetos e disponibiliza alguns serviços que passam, por exemplo, por formação especializada, pelo apoio ao empreendedorismo ou até mesmo um Gabinete de Psicologia, entre outros. Para esta população migrante, em concreto, que “oferece” a organização?
Todos os projetos que a Taipa tem, são, quer para os imigrantes, quer para a comunidade local. É verdade que desde 2013, nos focamos um pouco mais na área de integração dos imigrantes. O que temos para lhes oferecer tem a ver com várias respostas, desde a primeira linha de chegada com o Centro Local de Apoio à Integração de Migrantes (CLAIM), onde é possível entre outras coisas, por exemplo, tratar dos papeis da legalização ou fazer a mediação com os serviços e respostas locais. Temos, também, o projeto ST-E8G, financiado pelo Programa Escolhas que trabalha com crianças, jovens, descendentes de imigrantes, e respetivas famílias, para criar uma proximidade à comunidade escolar e promover o seu sucesso escolar. Posso falar-lhe, igualmente, do projeto Giramundo, que vai na sua segunda edição, com um foco muito direcionado para o diálogo e a capacitação dos mediadores, enquanto pessoas com um papel muito importante para fazer chegar a informação e sensibilizar essas comunidades. Depois, temos o GIP Imigrante, um gabinete de formação profissional com atendimento especifico para os migrantes com a aprendizagem do português, numa parceria com o IEFP (Instituto de Emprego e Formação Profissional) e o Alto Comissariado para as Migrações.
Mas há outros projetos mais recentes, não é?
Sim, temos mais recentemente dois projetos que iniciam precisamente neste mês de maio. Estou a falar do programa Bairros Saudáveis e do Plano Estratégico de Coesão e Integração. O nosso trabalho tem crescido à medida que o fenómeno também cresce, pois estamos sempre a tentar corresponder a novas necessidades, num trabalho em rede, onde está o município de Odemira e outros parceiros. Também fizemos a candidatura de um curso de formação, enquanto Centro Qualifica que somos, de Português – língua de acolhimento, por considerarmos que esta é a primeira barreira que existe à integração destas comunidades.
E a integração e inclusão, a avaliar por todos estes projetos, dão, de facto, sentido ao vosso trabalho?
Sem dúvida, a inclusão e a integração estão na base de toda a intervenção da Taipa na área do desenvolvimento integrado e com a comunidade. Aliás, a formação socioprofissional é a área de intervenção mais antiga da nossa organização. Através desta forma de capacitar e proporcionar a formação, seja ao nível das qualificações profissionais, seja ao nível das qualificações pessoais ou até escolares, investimos junto das comunidades mais vulneráveis e onde a escolaridade é mais baixa. Ao nível da inclusão, temos, por exemplo, o Gabinete de Apoio à Vitima, é também uma forma de inclusão, e o trabalho que fazemos ao nível da saúde mental, disponibilizando um Gabinete de Psicologia.
Há um conjunto de entidades que estão na primeira linha no combate à pandemia neste concelho do distrito de Beja. Concretamente à organização, o que vos é pedido neste período?
Efetivamente, não estamos na primeira linha, mas continuamos a acompanhar aquilo que está dentro do nosso âmbito. Além da intervenção, através dos projetos que já falei, a Taipa trabalha muito ao nível da formação e sensibilização no que diz respeito à situação da pandemia. Integramos a equipa de intervenção que acompanha a situação da covid-19, da qual faz parte, também, a ULSLA (Unidade Local de Saúde do Litoral Alentejano), a GNR, a Segurança Social, o município de Odemira, a proteção Civil e o Alto Comissariado para as Migrações. Tem sido feito um trabalho nas diferentes localidades do concelho, para sensibilizar a comunidade em geral, migrantes incluídos, naturalmente, para os hábitos preventivos da doença, no fundo, através da distribuição de máscaras e folhetos informativos.
A TAIPA acredita, pelo menos deseja, que toda esta situação possa contribuir para resolver o problema dos migrantes de uma vez por todas, no que diz respeito à proteção laboral e às condições de habitabilidade?
Naturalmente que sim. Não é com ocultação da realidade ou dos fenómenos que os problemas se resolvem. Se alguma coisa boa toda esta situação veio trazer é que haverá uma investigação, haverá o aprofundar do olhar sobre estas questões e estas fragilidades que a imigração acabou por trazer para o nosso território e que, ultimamente, tem-se vindo a agravar, em particular no que toca à proteção laboral e as condições de habitabilidade. Quanto mais se falar sobre o assunto, mais poderemos esclarecer e ter um retrato mais real da situação. O facto destas questões menos faladas, estarem hoje em dia em cima da mesa, vai contribuir, sem dúvida, para a procura de soluções urgentes, pois é imperativo atuar. O que estiver dentro dos nossos limites de atuação, será feito. O nosso trabalho será sempre de ajudar e atuar, denunciando e encaminhando as situações que nos chegam, para as autoridades e entidades competentes. Agora temos que aproveitar esta oportunidade para auscultar e fazer parte da solução, disponibilizando-nos para intervir quando formos chamados a fazê-lo.