O processo de recuperação do adro do santuário de Nossa Senhora de Guadalupe, no alto do monte de São Gens, no concelho de Serpa, está já em andamento, depois dos recentes actos de vandalismo de que foi alvo aquela ermida, uma referência do ponto de vista arquitectónico e artístico da região.
"Foram gravemente afectadas várias estruturas arquitectónicas que vêm do século XVIII e que são muito representativas de um gosto local. Estamos a falar de um património do tardo-barroco, muito ligado à sensibilidade popular”, conta à Renascença o responsável pelo Departamento do Património Histórico e Artístico da Diocese de Beja (DPHADB), José António Falcão.
“Foram urnas, vasos decorativos e os respectivos pelintos, muros e muretes, tudo vandalizado com recurso ao pontapé e com o uso de paus e ferros, para provocar esta destruição significativa”, detalha, indignado, o responsável.
Em colaboração com a União das Freguesias de Serpa e com a vontade da população local, está a estudar-se a melhor forma de se proceder a uma recuperação que não vai ser fácil, do ponto de vista técnico, tendo em conta que foram recolhidas no local “muitas dezenas de fragmentos”.
Vandalizar para chocar
O responsável pelo DPHADB mostra-se surpreendido pela forma como “um símbolo tão importante de uma comunidade acabou por ser afectado de forma tão directa e, sobretudo, como é que os mecanismos de prevenção e dissuasão e o próprio alerta não funcionaram num acto completamente perpetrado e de uma destruição severa”.
José António Falcão diz-se preocupado diante do que chama de “novos riscos” que o património cultural religioso enfrenta.
“Alguns, como o vandalismo, aparentemente são antigos, mas assumem agora novas máscaras, novos rostos, novas manifestações. É um vandalismo perfeitamente gratuito e que não persegue nada a não ser a destruição em si mesma”, refere.
Atingidas, acabam por ser as comunidades locais, pois parece existir o desígnio de “chocar as pessoas, deixá-las indignadas e magoadas mas também com um sentimento de orfandade o que é terrível do ponto de vista psicológico”, lamenta Falcão.
O responsável pelo departamento que tem como missão a salvaguarda e a valorização do património cultural religioso do Baixo Alentejo e do Alentejo Litoral considera que a “sociedade não está preparada para enfrentar isto” e defende que, “no que diz respeito ao património religioso, é essencial que as igrejas tal como outros equipamentos públicos e outros edifícios de valor monumental, de valor cultural e artístico, possam ser alvo de um acompanhamento mais permanente”.
De que forma? “É necessário fazer circular a palavra e é indispensável que sejamos todos, nós, guardiães e vigilantes deste património.”
No Verão, já tinha sido dado um alerta quando “uma vaga de furtos sem precedentes arrasou muitas paróquias num território vasto que partiu de Odemira, abrangeu todo o arco serrano nas imediações do Algarve - a própria diocese de Faro também foi afectada -, avançando, depois, mais a norte até chegar à igreja de Nossa Senhora do Carmo, que é sede da paróquia de S. Joao Baptista, uma das paróquias mais frequentadas da cidade”.
Um fenómeno sem precedentes que “prejudicou bastante o património porque desapareceram peças de grande valor, sobretudo, devocional. Isto vem mostrar a grande fragilidade com que, apesar do esforço que se fez na inventariação e na melhoria das condições de segurança passiva, a nossa região acaba por debater-se também neste campo.”, acrescenta José Falcão.
O lado positivo, está no facto de este tipo de ocorrências permitir sensibilizar as comunidades. E o director do DPHADB coloca também a sua esperança no novo bispo da diocese, D. João Marcos, e o seu trabalho que se perspectiva “de aproximação às comunidades para que sejam elas cada vez mais agentes, protagonistas na vanguarda, na dianteira da valorização do seu património.”
Um cidadão, um “polícia”
“Creio que as pessoas devem ser os seus “polícias”, mas no sentido mais pró-activo da palavra”, assume José António Falcão “tendo consciência dos valores que existem e do que pode ser feito para os proteger e por outro lado, estar atentos ao surgir de alguma coisa invulgar, como movimentos estranhos ou pessoas que fazem perguntas”.
Noutro campo, já perante uma situação consumada de furto ou vandalismo, as comunidades devem saber como actuar.
“Não limpar nada, deixar todos os vestígios e de imediato alertar a autoridade policial mais próxima e também os responsáveis pela paróquia e diocese, é fundamental”, argumenta.
No fundo, conclui, o responsável, daqui para a frente, tudo “vai depender desta grande proximidade e deste auto-conhecimento, para se garantir a sobrevivência do património religioso.”