O PS “está disponível” para acolher a maior parte das críticas feitas pelos especialistas à inseminação post mortem. Pedro Delgado Alves, o primeiro subscritor do projeto socialista, admite a lacuna quanto aos prazos em que é permitido à mulher recorrer aos espermatozoides crio-preservados do marido falecido. E revela que “está a ser pensado um prazo máximo de dois anos e um mínimo de seis meses, para se iniciar o processo de inseminação”.
A legislação da procriação medicamente assistida, de 2006, já permitia que o embrião fosse transferido para o útero da mulher, depois da morte do marido. Do que se trata agora é de possibilitar também a utilização dos espermatozoides crio-preservados do homem, entretanto falecido, para inseminar a mulher. A medida consta de quatro projetos lei que já foram aprovados na generalidade e estão agora em sede de comissão parlamentar, para serem debatidos na especialidade.
Todos os projetos lei, um deles uma iniciativa legislativa de cidadãos, foram rejeitados pelo Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida. E as outras nove entidades ouvidas pelos deputados, nomeadamente o Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida, criticaram vários aspetos da nova legislação e nomeadamente quanto aos prazos em que a inseminação pode ser feita, mas também pelo facto de nada dizer quanto ao número de vezes em que a mulher pode ser inseminada post mortem. Pedro Delgado Alves garante que a questão será acautelada. “Os espermatozoides crio-preservados não vão poder ser usados pela mãe para ter várias gravidezes”.
Ficará claro na lei, garante o vice-presidente da bancada socialista, que “a mulher apenas poderá recorrer à inseminação com o sémen do marido ou companheiro falecido uma única vez. Mas isso, no caso de a gravidez ser bem-sucedida. Se, entretanto, a inseminação não resultar, poderá repetir o procedimento durante o prazo de dois anos”.
A juiz do Tribunal de Família de Lisboa Carla Xavier Coelho admite que “a legislação lhe levanta algumas dúvidas” e uma delas diz respeito a um ponto que também foi criticado pelo Conselho Superior do Ministério Público. O facto de o projeto do PS admitir que o pai, no registo, pode ser o novo companheiro da mãe, se à data da inseminação a mulher já tiver casado ou viver em união de facto de pelo menos dois anos. Carla Xavier Coelho considera que dessa forma não só se violaria o direito constitucionalmente reconhecido à identidade biológica do filho, como também a vontade do pai biológico que deu o seu consentimento esclarecido. A juiz entende por isso haver uma inconstitucionalidade.
Carla Xavier Coelho defende que “se está a faltar à verdade e a verdade biológica é a matriz do registo civil”.
Lembra que declarações falsas nesta matéria podem até configurar um crime, previsto no CP.
A juiz do Tribunal de Família de Lisboa lembra também que,” ao registar uma criança com o apelido que não é o seu, se está a impedir que ela venha a ter contactos com a família alargada do pai genético falecido, ora dessa forma não se está só a pôr em causa o direito da criança a conviver com essa família como também a negar um direito aos avós biológicos, direitos que a jurisprudência mais recente” não se cansa de reconhecer.
Ideias partilhadas por Ana Sofia Gomes. A advogada e professora de Direito da Família entende que” há uma inconstitucionalidade no projeto socialista, porque ele põe em causa a verdade biológica e o superior interesse da criança em conhecer a sua real identidade”.
A especialista em questões de família e sucessões entende que a lei “não deveria permitir à mulher que está já numa nova relação, poder recorrer à inseminação artificial com o sémen do marido entretanto falecido”.
Ana Sofia Gomes revelou” inquietação e perplexidade” face a outro aspeto do projeto socialista sobre inseminação artificial; o facto de prever que se aplica não só a casos futuros, mas também retroativamente, de forma a abranger o caso de Ângela Ferreira, que desencadeou a iniciativa legislativa de cidadãos, para poder engravidar do namorado entretanto falecido. A advogada lembrou que “a lei é geral e abstrata e que a regra é que não se aplica retroativamente”.
Este não é, no entanto, um aspeto de que a bancada socialista pareça querer abdicar. O deputado Pedro Delgado Alves alega que” quando se reconhece que a atual lei cria desequilíbrios, então é preciso admitir que a retroatividade é justificável e até que se impõe, em nome da realização da justiça”.