O embaixador ucraniano na ONU, Sergiy Kyslytsya, disse à Lusa que os russos perceberão apenas no final da invasão da Ucrânia as atrocidades cometidas no país-vizinho, uma "catarse" semelhante à dos alemães após o domínio nazi.
Tendo em conta a falta de liberdade de imprensa na Rússia e a disseminação de propaganda do Kremlin em alguns meios de comunicação, Kyslytsya acredita que será preciso tempo para que a população russa se aperceba da gravidade e dimensão dos ataques à Ucrânia, tal como aconteceu na Alemanha nazi.
"Não posso falar em nome da população russa, até porque há muitos anos que não vou à Rússia. Mas acho que há um paralelo muito claro entre o comportamento da população russa e o comportamento da população alemã durante o domínio nazi", disse o embaixador.
À margem da conferência anual de jornalistas ucranianos na América do Norte, focada no "jornalismo e desinformação em tempos de guerra", Kyslytsya disse à Lusa que os russos terão de ser levados aos locais onde ucranianos foram torturados para verem com os seus próprios olhos as atrocidades que lá foram cometidas.
"Até a Alemanha ter sido derrotada militarmente e os alemães levados para ver os campos de concentração [de judeus], muitos deles sinceramente não acreditavam... ou fingiam não acreditar. Por isso, acho que quando a guerra acabar, quando uma comissão for criada e quando tivermos a possibilidade de levar os russos às câmaras de tortura nos territórios anteriormente ocupados da Ucrânia, como Mariupol, Bucha... isso será parte da catarse para a nação russa", avaliou Kyslytsya.
"Propaganda russa vai além do seu próprio território"
Para o representante ucraniano, a propaganda russa vai além do seu próprio território e tem sido difundida em palcos internacionais como a Organização das Nações Unidas (ONU) e o seu Conselho de Segurança - onde Moscovo tem um assento permanente e direito de veto.
Desde o início da guerra, em fevereiro de 2022, vários países ocidentais têm acusado a Rússia de abusar do seu assento no Conselho de Segurança, ao qual acusam Moscovo de recorrer para disseminar desinformação e propaganda, assim como para tentar desviar as atenções dos ataques que comete contra a Ucrânia.
De acordo com o diplomata, as táticas russas têm-se tornado "mais loucas e até mais obscenas", com o tempo.
Contudo, não acredita que as narrativas apresentadas por Moscovo tenham um impacto crescente na perceção dos outros Estados-membros do Conselho de Segurança ou da própria Assembleia Geral sobre a invasão.
Prova disso, segundo Kyslytsya, é a postura dos mais variados atores regionais que procuram formas de acabar com a guerra.
Em abril passado, a Rússia deteve a presidência mensal rotativa do Conselho de Segurança da ONU, posição que foi amplamente contestada por Kyslytsya, mas sem sucesso.
À Lusa, o embaixador afirmou que "ter criminosos de guerra a presidir o Conselho de Segurança é como ter um pedófilo responsável por um jardim de infância".
Embora reconhecendo que impedir a Rússia de presidir ao órgão máximo da ONU seria um movimento inédito e "mais complicado do que possa parecer", o diplomata argumentou que o histórico de ações de Moscovo é incompatível não apenas com a presidência, como também com a sua permanência no Conselho.
"Se a Rússia continuar a ser a Rússia depois desta guerra, acho que isso deveria fazer parte de uma discussão mais ampla sobre qual o papel da Federação Russa na arquitetura do pós-guerra, inclusive a nível global... mas também se o assento permanente da Rússia [no Conselho de Segurança] deveria ser transferido para outros países", apontou o representante de Kiev.