Há milhares de pessoas para quem a Semana da Mobilidade não faz qualquer diferença. Continuam a ter as mesmas dificuldades de acessibilidade e mobilidade que em todas as outras 51 semanas do ano.
Edifícios, mesmo públicos, com escadas ou com rampas muito inclinadas, transportes sem acesso por elevador, autocarros sem plataformas elevatórias para as cadeiras de rodas; calçadas perigosas para estes meios de locomoção para quem tem mobilidade reduzida; passeios irregulares e estreitos.
São apenas alguns exemplos referidos pela presidente da APD - Associação Portuguesa de Deficientes em entrevista à Renascença.
A poucos dias das eleições autárquicas, Gisela Valente lembra que há muitos locais de voto inacessíveis. E que há quem já tenha votado … ao colo. A responsável da Associação admite que se têm registado alguns progressos nos últimos anos, mas acontece tudo muito “a passo de caracol”.
Segurança Social, o (mau) exemplo de onde menos se espera
“Hoje, um sócio nosso, de cadeira de rodas, foi à Segurança Social, na Av. 5 de Outubro, um edifício que não é acessível. E não está assinalada qualquer alternativa. Como conhece a zona, deu a volta e acabou por entrar nas traseiras, numa outra porta para pessoal ou outro serviço; não é uma entrada para utentes. Mas ele devia ter conseguido aceder ao edifício – ainda por cima da Segurança Social – como qualquer pessoa que não tem dificuldades”, relata Gisela Valente, presidente da Associação Portuguesa de Deficientes.
Este é apenas um caso entre as muitas denúncias que chegam diariamente à APD.
Boa parte dos edifícios continua a não ter rampas de acesso e depois há aqueles que as têm, mas de forma incorreta: muito inclinadas ou muito estreitas, onde uma cadeira de rodas não pode ser usada. Em Lisboa, há muitos passeios estreitos e irregulares e as cadeiras de rodas, sobretudo elétricas, não se dão com a calçada. As pessoas acabam por circular na estrada. “Isto passa-se nas grandes cidades como Lisboa ou Porto, mas em meios mais pequenos, por exemplo, nalgumas aldeias, ainda é pior. Com caminhos irregulares, escadas, sem transportes acessíveis, são fatores que ainda contribuem mais para o isolamento das pessoas que já têm problemas de locomoção”, diz Gisela Valente.
Os transportes são outro quebra-cabeças para quem precisa de se deslocar. Boa parte dos autocarros de passageiros de longo curso não são acessíveis para quem anda de cadeira de rodas e o mesmo acontece com os comboios Alfa ou Intercidades. E para usar os Suburbanos, com entradas mais largas, os utentes da CP em cadeira de rodas têm que fazer um pedido de apoio com 24h de antecedência.
No Metro, algumas estações só têm escadas de acesso e naquelas em que existe elevador, este está frequentemente “Fora de Uso”. Muitos dos autocarros dos transportes coletivos urbanos já estão equipados com plataformas elevatórias para as cadeiras, mas estas nem sempre estão operacionais.
Andar de táxi ou nos “TVDE” é possível, mas apenas quando têm dimensão e condições. A oferta é muito baixa. São obstáculos com que as pessoas com mobilidade reduzida se deparam diariamente. Assim como os idosos ou mesmo alguém que transporte um carrinho de bebé.
Gisela Valente refere o caso de uma pessoa amiga que mora perto de Lisboa e que tem de sair de casa duas horas mais cedo para conseguir apanhar os transportes que a podem levar ao seu destino. No regresso do trabalho, precisa de outras tantas. “É desgastante fisicamente, tanto mais que estas pessoas já têm imensas fragilidades, mas também psicologicamente. É arrasador!”
Votar ao colo?” Sim, já aconteceu. Inclusão. Às vezes, é só uma “moda”
Há inúmeras leis que protegem os direitos das pessoas com deficiência. O Governo assumiu a “Inclusão” como uma das grandes prioridades e publicou até um Guia Prático onde os interessados podem encontrar a forma de acesso a todos os seus direitos, incluindo a mobilidade e acessibilidade. Como acontece noutras áreas, a realidade é bem diferente.
E em tempo de eleições autárquicas, alguns candidatos não se esqueceram da palavra “Inclusão” nos seus programas.
Para Gisela Valente, “os programas autárquicos têm palavras muito bonitas e fala-se muito de Inclusão porque está na moda. De facto, nalgumas situações registamos avanços, mas a passo de caracol. Estamos no séc. XXI e isto não deveria ser assim. Todos nós somos iguais, uns têm mais dificuldades numas situações; outros, noutras. Mas todos temos direito, por exemplo, a circular na via pública. Os programas têm algumas propostas, mas depois, na verdade, raramente são cumpridas”, conclui a dirigente da Associação Portuguesa de Deficientes.
E por falar em eleições autárquicas, a inclusão deveria começar pelo acesso aos locais de voto. “Há muitos que não são acessíveis a quem tem dificuldades de locomoção, seja em cadeiras de rodas ou mesmo porque não tem condições para subir umas escadas. As pessoas têm que dar voltas e voltas, quando isso é possível. E há quem já tenha exercido o seu direito ao colo, a única forma de conseguir ter acesso àquele local de votação. Isto não pode acontecer. São situações muitos graves de que a população, em geral, não se apercebe. Mas as entidades responsáveis têm de saber o que se passa e corrigir”, frisa Gisela Valente.
APD: Denunciar e propor
“Estamos cá para denunciar todas estas situações que os nossos sócios nos dão conhecimento. Mas o papel da APD também é o de sensibilizar e fazer propostas”. Gisela Valente diz que esse é um esforço contínuo junto do governo, responsáveis políticos, autarcas, gestores públicos e das empresas de transporte. “Para que tentem perceber que todos temos o direito a ter uma vida acessível e normal para sermos independentes”.