De ano para ano, mantêm-se as dificuldades e lacunas no que toca aos direitos das pessoas com deficiência. E neste ano, marcado pela pandemia de Covid-19 e pelas muitas restrições sanitárias, os obstáculos agravaram-se.
A Renascença ouviu um testemunho na primeira pessoa. Rosário Carvalho tem 60 anos, movimenta-se a cadeira de rodas e há um mês decidiu sair do Centro Social e Paroquial de Oeiras, por achar que não estava a ser tratada com dignidade.
“Estive dois meses confinada a um quarto, com a comida gelada, sem condições de comer”, denuncia. “E quem diz eu, diz toda a instituição porque a delegada de saúde dizia que enquanto houvesse um positivo ninguém podia sair dos quartos”.
“Se os outros davam negativo, porquê não ir ao refeitório comer? Porquê não conviver?”, questiona.
Rosário Carvalho critica ainda a suspensão das terapias feitas em ambulatório. “Tivemos bastantes dificuldades ao nível de comunicar uns com os outros, de sair, de ir às nossas consultas”, revela.
Ana Sezudo, presidente da Associação Portuguesa de Deficientes confirma o cenário e defende que o Estado deveria encontrar soluções para os deficientes – muitos deles, institucionalizados, ficaram cada vez mais isolados.
A responsável lembra que, “em Portugal, para pessoas que sejam dependentes de terceiros, a única opção que existe disponível é a institucionalização”, pelo que esta é uma situação que “seria necessário repensar com alguma urgência, de uma vez por todas e de forma aprofundada”.
Além do isolamento, a pandemia veio privar muitos deficientes de cuidados médicos. Rosário Carvalho fazia hidroterapia em Alcoitão e teve de suspender.
Isto, sem falar da dificuldade em marcar uma consulta no Serviço Nacional de Saúde, nomeadamente, “nas consultas em centros de saúde”, diz Ana Sezudo.
“Eu sei que afetam toda a população, mas para uma pessoa com deficiência que tenha doenças crónicas associadas, a dificuldade está a ser ainda maior”, sublinha à Renascença.
“O facto de terem sido canceladas muitas das terapias e fisioterapias que tinham diariamente ou semanalmente tem agravado a condição da vida das pessoas com deficiência”, reforça ainda a presidente da Associação Portuguesa de Deficientes.
Na opinião desta responsável, existe pouca preocupação pelas pessoas com deficiência e não é só da parte do Governo – também a comunicação social poderia melhorar a maneira como transmite a informação.
“A APD já várias vezes fez referência a esta situação. Por exemplo, para surdos que não sabem língua gestual, não basta que a informação seja com língua gestual, é preciso haver legendas”, aponta, lembrando que, neste momento, é muito importante que a informação chegue a toda a gente, porque é “sobre a sua segurança e a sua saúde”.
De acordo com os últimos Censos da população com deficiência, realizados em 2011, existem um milhão e 700 mil portugueses com incapacidades.
Em 2016, o Governo afirmou seria feito um novo levantamento com o apoio das autarquias e das unidades de saúde, mas, quatro anos depois, continua tudo na mesma.