Queixa de jovens portugueses por inação climática começa a ser julgada. "Países não estão a fazer o suficiente"
27-09-2023 - 06:00
 • João Pedro Quesado

Os seis jovens, que acusam 32 países de não fazer o suficiente para combater as alterações climáticas, têm "expectativas muito positivas". Mas Portugal desvalorizou as queixas e receios, que diz serem "meras suposições".

Seis jovens portugueses entram na Grande Câmara do Tribunal Europeu de Direitos Humanos (TEDH). É mais um passo da ação legal contra 32 países por violarem os seus direitos ao contribuírem para as alterações climáticas e não as combater devidamente.

Esta quarta-feira, o TEDH aprecia a queixa climática de Catarina Mota, Cláudia Agostinho, Martim Agostinho, Mariana Agostinho, Sofia Oliveira e André Oliveira contra os 27 Estados-membro da União Europeia, o Reino Unido, a Suíça, a Noruega, a Rússia e a Turquia. Os jovens têm entre 11 e 24 anos.

“As nossas expectativas são muito positivas”, disse Catarina, que vive em Meirinhas, Pombal, no distrito de Leiria, em declarações à Renascença enquanto viajava para Estrasburgo. “Não sabemos ainda o que é que vai acontecer, mas do que tem acontecido nos últimos tempos e o decorrer do caso, achamos que será bastante positivo”, acrescentou a jovem de 23 anos.

A queixa foi submetida ao Tribunal Europeu em setembro de 2020, mas o caminho, na verdade, começou três anos antes, com os incêndios devastadores que, em 2017, mataram 109 pessoas e feriram outras 325.

Catarina é vizinha dos irmãos Cláudia, Martim e Mariana Agostinho. Os quatro foram espectadores próximos dos incêndios de Pedrógão Grande e do Pinhal de Leiria, apesar dos incêndios não chegarem a Pombal.

“Nós conseguíamos perfeitamente ver o fumo e a imensidão que se fazia sentir e, obviamente, sentimos medo por nós e por pessoas, eventualmente familiares, que vivessem mais perto”, contou Catarina.

As alterações climáticas, afirma, provocam uma ansiedade climática - algo que um estudo, feito com 10 mil crianças e jovens, associa à “falha dos governos em responder à crise climática”.

Essa ansiedade, como outras, provoca “desconforto” e “bastante pensamento sobre o nosso futuro”, explicou Catarina Mota. “O que é que esse futuro poderá ser? Será que será um futuro?”, questionou, descrevendo “um sentimento de ingratidão por não sabermos ao certo que é que virá daí”.

Tribunal acelerou caso "importante e urgente"

Desde 2020, o caso já deu vários passos. O Tribunal Europeu decidiu, logo em outubro, acelerar o caso com base na “importância e urgência dos problemas levantados”, e pediu depois respostas aos países visados.

O processo, conduzido pela Global Legal Action Network (GLAN), baseia-se no entendimento que a crise climática interfere com vários dos direitos estabelecidos na Convenção Europeia dos Direitos Humanos – o direito à vida, o respeito da vida privada e familiar e o direito a não ser discriminado.

Ou seja, os países ficam obrigados a agir de forma concreta para reduzir as emissões de gases com efeitos de estufa e a cumprir os compromissos que assumiram ao assinar o Acordo de Paris.

O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos introduziu logo no início, por iniciativa própria, uma outra vertente: o direito dos jovens a não serem torturados nem sujeitos a tratamento desumano ou degradante.

Em 2022, o Tribunal decidiu que o caso devia ser tratado pela Grande Câmara - uma exceção, devido ao assunto levantar questões sobre a interpretação da Convenção dos Direitos Humanos.

Portugal diz que receios são "meras suposições"

Já este ano, os governos dos 32 países responderam detalhadamente à argumentação dos jovens. Praticamente em uníssono, pedem a inadmissibilidade do caso, alegando que as vias nacionais não foram esgotadas, os jovens não preenchem o estatuto de vítimas, que o Tribunal Europeu não tem jurisdição sobre o assunto e que o caso está “mal fundamentado”.

Na sua resposta individual, Portugal recusa os receios de agravamento de alergias e de fortes tempestades que os seis jovens apontam, apelidando-os de “meras suposições ou hipóteses vazias”.

Em 24 páginas, a Procuradoria-Geral da República - encarregue de representar Portugal junto do TEDH -, estabelece ainda que o país já tem estratégias e planos de contingência para responder a ondas de calor e incêndios, e que está “a tomar as medidas apropriadas e proporcionais à sua disposição para contribuir para os objetivos do Acordo de Paris”.

Catarina Mota confessou que as respostas dos vários países deixaram o grupo “triste” e “desiludido”, até por os jovens saberem que os seus argumentos, baseados em conversas com cientistas e os advogados da GLAN, “são realmente fortes”. Mas não atira a toalha ao chão: “Estamos aqui para contrapor e chegar ao melhor resultado possível”, rematou.

Para Catarina, “os países não estão, obviamente, a fazer o suficiente, porque, se estivessem, nós não estaríamos com este caso em tribunal”. Nem sequer se estariam a sentir “bastante mais” as alterações climáticas - o verão de 2023 foi declarado o mais quente desde que há registos.

O objetivo dos seis jovens é provocar uma mudança “por parte dos governos e que se criem novas leis e novas normas para que se reduza a emissão de gases com efeito de estufa”.

Segundo a Agência Internacional de Energia, o objetivo do Acordo de Parislimitar o aquecimento global a 1,5ºC acima dos níveis pré-industriaisainda é alcançável, mas é preciso acelerar a afamada transição energética.

Com o resultado deste processo, vai ser possível perceber se a justiça europeia pode forçar os países a acelerar a ação climática - ou se os objetivos proclamados nunca vão ser vinculativos.