EUA e Irão defrontam-se esta terça-feira num jogo em que cada seleção depende de si para chegar aos oitavos de final do Mundial de 2022. Rivais diplomáticos há mais de 40 anos, só se encontraram em campo por uma vez - os iranianos levaram a melhor, mas ambas acabaram eliminadas. Desta vez, para além do histórico político, o embate está carregado de polémicas paralelas.
A batalha nas conferências de imprensa
Antes do jogo propriamente dito, a batalha começou nas conferências de imprensa e fora delas. Primeiro, o antigo internacional alemão e antigo selecionador dos Estados Unidos Jurgen Klinsmann, disse não ter ficado impressionado com a vitória do Irão sobre o País de Gales (2-0) e deixou farpas ao selecionador português Carlos Queiroz.
“Faz parte da cultura deles, da forma como jogam. O Carlos [Queiroz] encaixa muito bem nesta seleção e na sua cultura. Não é uma coincidência, é tudo de propósito. Faz parte da cultura deles, é assim que jogam. Andam a ‘trabalhar’ o árbitro. Basta olhar para o banco, a forma como saltavam em cima do assistente e do quarto árbitro”, disse em comentário na BBC.
A resposta de Queiroz chegou pelas redes sociais e, mais tarde, na conferência de imprensa do Irão no dia seguinte. “Mesmo não me conhecendo pessoalmente, questiona o meu caráter com um típico julgamento preconceituoso de superioridade. Não importa o quanto eu posso respeitar o que você fez dentro do campo, esses comentários sobre a cultura iraniana, a seleção iraniana e os meus jogadores são uma vergonha para o futebol. Ninguém pode ferir a nossa integridade se não estiver ao nosso nível, é claro”, escreveu.
Esta segunda-feira, Carlos Queiroz foi recebido com aplausos pela comunicação social do Irão, depois de sublinhado a importância do futebol no país.
“Não conseguem imaginar a diferença que faz uma simples bola na felicidade de crianças que não têm nada, que não comem durante um ou dois dias, que não têm nada para vestir”, disse o técnico português.
A troca de provocações continuou na conferência de imprensa dos EUA, com o meio de comunicação estatal do Irão perguntou ao capitão norte-americano, Tyler Adams, se se sentia confortável a representar um país com tanta discriminação dentro das suas próprias fronteiras e que discrimina afro-americanos, mencionando o movimento Black Lives Matter.
“Há discriminação em todo o lado a que vás. Uma coisa que aprendi nos últimos anos por viver no estrangeiro e por ter de me enquadrar em diferentes culturas é que nos EUA continuamos a fazer progressos todos os dias. Cresci numa família branca com herança afro-americana e por isso vivi e pude encaixar em diferentes culturas. Nem todos temos essa facilidade e acredito que a educação é muito importante nesse aspecto, tal como me educaste com a pronúncia correta do nome do teu país”, disse o jogador ao jornalista, após uma chamada de atenção acerca da pronúncia de “Irão”.
A batalha nas redes sociais
Outra das polémicas entre EUA e País de Gales aconteceu após os norte-americanos terem publicado no Twitter, Instagram e Facebook uma imagem do grupo do Mundial em que a bandeira iraniana surge sem o símbolo da República Islâmica, com meios de comunicação do Irão a pedirem a exclusão dos EUA da prova do Qatar.
Sobre a imagem publicada no sábado passado, a federação norte-americana de futebol esclareceu à CNN que pretendia mudar a bandeira oficial do país durante 24 horas para “demonstrar apoio às mulheres no Irão que lutam por direitos humanos básicos” e que a mudança “foi um caso único”.
Em reação, a agência noticiosa estatal do Irão, a Tasnim, referiu que a publicação de uma “imagem distorcida da bandeira” deve ser considerada uma violação das regras da FIFA com uma punição de 10 jogos de suspensão, o que levaria à exclusão dos EUA do Mundial do Qatar.
Esta segunda-feira, o selecionador norte-americano, Greg Berhalter, disse “não fazer ideia” da publicação da imagem.
A defesa pelos direitos das mulheres no Irão tem sido um dos pontos chave que estão a marcar o Mundial do Qatar, depois da morte de Mahsa Amini, uma mulher curda iraniana de 22 anos, presa a 13 de setembro pela polícia da moralidade de Teerão por não respeitar o rígido código de vestuário para as mulheres no Irão.
A sua morte desencadeou protestos no país e movimentos de solidariedade em todo o mundo. As manifestações, as mais importantes no Irão desde as de 2019 contra o aumento do preço da gasolina, têm sido reprimidas com violência.
Também a seleção do Irão se juntou aos protestos, não cantando o hino no primeiro jogo no Mundial, frente à Inglaterra, mas mudando a postura no segundo jogo, frente ao País de Gales.
No jogo de Portugal e Uruguai, o invasor de campo que carregava uma bandeira LGBT também exibiu uma t-shirt com a frase “Direitos Humanos para as Mulheres Iranianas”.
As contas do Grupo B
No jogo entre Irão e Estados Unidos, uma vitória para qualquer uma das seleções significa a passagem à próxima eliminatória do Mundial do Qatar. Os iranianos têm 3 pontos, após a vitória frente ao País de Gales, enquanto os EUA têm 2 pontos, fruto de dois empates contra Inglaterra e galeses.
Assim, ambas carimbam presença nos oitavos de final em caso de vitória e ficam à espera do resultado entre britânicos para saber o lugar no grupo: primeiro ou segundo.
Em caso de empate, a coisa complica: os EUA estão imediatamente eliminados, mas o Irão fica à espera do resultado entre Inglaterra e Gales: se Inglaterra vencer, passam em segundo do grupo; se Gales vencer por 4 golos, é Inglaterra a eliminada, e um cenário intermédio fica dependente da diferença de golos das três seleções.
Em Mundiais, o único encontro entre ambas aconteceu em Lyon, na França, em 1998. Ambas tinham perdido a primeira jornada e fizeram de tudo para não ser eliminadas no segundo jogo.
O Irão adiantou-se na primeira parte, por Hamid Estili, e dilatou a vantagem quase no fim do jogo, por Mehdi Mahdavikia. O melhor que os EUA conseguiram foi reduzir o resultado em 2-1, por Brian McBride. As duas seleções acabaram eliminadas na jornada seguinte, num grupo com Alemanha e Jugoslávia.