Exames nacionais. Falhar cada vez melhor
18-06-2015 - 06:00
 • Matilde Torres Pereira

Esta quinta-feira há exame de Física e Química A, um dos mais desafiantes para os alunos do secundário. A Renascença visitou duas escolas de Lisboa para ver como se preparam alunos e professores para esta primeira fase de provas.

Já dizia o dramaturgo irlandês Samuel Beckett: "Falhar, falhar de novo, falhar melhor". Podia bem ser o mote para as centenas de alunos do ensino secundário que se sentam esta semana frente aos enunciados dos exames nacionais de Português, Matemática, Biologia ou Física e Química.



No caso desta última disciplina, é requisito obrigatório para o ingresso no curso de Medicina e são poucos os que não tremem face à avaliação nesta matéria. E é caso para isso, já que Física e Química A – cujo exame é esta quinta-feira – tem produzido consistentemente resultados nacionais abaixo dos 10 valores, obrigando muitos alunos a repetir o exame, por vezes ano após ano, ou a repensar o percurso universitário.



É o que acontece com Beatriz Ferreira, de 18 anos, ex-aluna do Colégio Salesianos, em Lisboa, com quem a Renascença falou dias antes do exame.



Acabou o 12º ano em 2014, mas este ano vai-se confrontar novamente com a Física e Química numa tentativa de conseguir entrar em Medicina. No ano passado, falhou a média de 17,4 para a Universidade de Lisboa por apenas duas décimas, e decidiu fazer uma perninha ao curso de Engenharia Biomédica enquanto estudava para estes exames.



"O melhor que poderia acontecer seria sair do exame e pensar: Já está!", diz. Sentada numa sala de aula vazia, com as carteiras todas alinhadas e já prontas para receber os examinandos, ouve o barulho dos outros alunos lá fora nos campos de basquete e de futebol. Sabe que a descontracção dos colegas é temporária: vai chegar a hora de voltar para dentro, para as aulas de preparação.



Sempre quis estudar na Universidade de Lisboa e no Hospital de Santa Maria, mas os amigos estão a tentar convencê-la a optar pela Nova. Se não entrar, outra vez, a Madeira pode ser opção, ou, no limite, o estrangeiro. Mas Beatriz diz-se mais confiante, mas bem preparada.



"Noto diferenças entre a minha preparação do ano passado e este ano, principalmente porque vou repetir o exame de Matemática e depois de ter tido Análise, em Engenharia, estou com uma preparação completamente diferente."



Nervosa, mas confiante
Beatriz não dispensa as explicações. Sente-se mais pronta, mas não esconde o nervosismo. "Foi um ano à espera. Sinto-me nervosa, mas, ao mesmo tempo, mais confiante com a matéria. Aliás, o meu problema nos exames, também nos anos passados, foi o nervosismo e fico mesmo numa ansiedade que tenho de controlar…", confessa.



A ideia é respirar fundo e concentrar-se, especialmente para Física e Química, que considera um exame com espaço para melhorias na sua estrutura. "Não há uma regra específica para os critérios. Se não se diz um certo tópico, depois os outros já não contam... e vai-se perdendo cotação e, de repente, a nota baixa dois valores. Isso faz toda a diferenca. Podiam ser mais flexíveis nesse aspecto", defende.



O sonho de Beatriz Ferreira é trabalhar como médica para a AMI. Diz que, custe o que custar, há-de lá chegar – "É uma questão de tempo." Entretanto, serve de exemplo para a irmã mais nova, que escolheu agora a área de Ciências e também já fala - está claro - em Medicina.



O "mistério" da Física e Química
Para a professora Isabel Le Gué, directora da Escola Secundária Rainha Dona Amélia, os maus resultados a Física e Química são ainda um mistério.



"Há, tem que haver, uma razão que ainda nunca ouvi, nem li, e até à data não sei qual é o mistério da Física e Química. Seguramente que é uma disciplina mais complexa, e ainda assim não consigo perceber porque é que invariavelmente a média nacional é inferior a 10", afirma.



Física e Química, diz, chega a ser pior que Matemática. "O senhor presidente do IAVE não concordará com isto que estou a dizer (ele tem uma interpretação muito própria que li recentemente), mas a verdade é que na Matemática há mais oscilações: a seguir a um ano dramático costuma haver um melhor."



Isabel Le Gué aponta um dado curioso: é que o sistema português tem uma particularidade que os distingue dos outros. "É possível fazer melhorias. Nem em todos os sistemas existe essa figura. E mais ainda, o aluno faz a melhoria e fica com a melhor nota. Ou seja, a profusão de alunos que faz melhoria também tem muito a ver com o facto de não haver consequências negativas. Assim, no fundo, não há nada a perder."



Disfarçar os nervos
Frente a uma faculdade no centro de Lisboa, Luísa Fernandes Thomaz, aluna do Rainha Dona Amélia, conta como tem sido este 12º ano, na véspera dos exames.



Luísa sorri, mas está nervosa



A Física e Química é uma cadeira de 11º, por isso a repetição não implica repetir nenhum ano de escolaridade – para já. Medicina seria o ideal, mas a aluna confessa que as médias não chegam para tanto e pondera já Enfermagem ou Engenharia Biomédica, o curso que Beatriz Ferreira frequentou enquanto esperava nova época de avaliações.



Aparentemente descontraída, Luísa desmente logo a impressão visual: "Estou um bocadinho nervosa! Até a Português, de que não preciso, estou nervosa. É mesmo uma característica minha, mas acho que consigo controlar os meus nervos. Não é por aí que vai ser grave", sorri.



"Aquilo que nos chega do lado de cá, não se nota que isso seja um problema enorme. Que caminho é que eles fazem para nos chegar nesta aparente descontracção, é que eu já não sei", diz, a rir-se, a professora Isabel Le Gué. "É evidente que há a parte da escola e é notório o esforço dos professores em dar aqueles últimos aconchegos, instruções e orientações. Claro que não somos ingénuos e sabemos que muitos dos alunos têm explicações. Entre isto que se faz na escola, as explicações e aquilo que cada família depois faz para gerir esta ansiedade, não é muito visível para nós o resultado."



A solução de Luísa
Luísa aceita contar estes preparativos, mas está com pressa para voltar ao estudo. O exame é daqui a dois dias. E todos os momentos contam. "O melhor cenário seria correr-me lindamente e confirmar respostas com os meus colegas na altura, e perceber que ia ter uma nota, se calhar, mais alta do que queria. O pior era ter uma nota muito perto da que tive no ano passado. Iria à segunda fase, para não ser um ano em vão."



Para esta jovem de 17 anos, o exame de Física e Química "está bem estruturado, porque, de forma geral, avalia os alunos em toda a parte da matéria desde o 10º ano. É preciso concentração como em todos os exames", constata.



Para Luísa, a solução é simples. O problema está nas médias de entrada nos cursos. "Se calhar a minha opinião é suspeita, mas há cursos com médias demasiado altas quando poderia ser como no curso de Direito, que tem médias baixas."



Assim, "no primeiro ano há uma razia, e saem os que, de facto, não estavam para aquilo".