Agora que o Reino Unido abandona a UE, é curioso lembrar que Portugal entrou na integração europeia pela mão... do Reino Unido. Depois do fim da II guerra mundial Churchill, na altura líder da oposição, defendeu criar uma espécie de Estados Unidos da Europa, para assegurar a paz no velho continente. Mas, na visão de Churchill, o seu país não faria parte dessa Europa integrada – ele ainda estava agarrado à ideia do Império britânico.
O facto é que na década de 1950 seis países europeus avançaram para a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, e, anos depois, para a muito mais ambiciosa Comunidade Económica Europeia (Mercado Comum). O Reino Unido não acreditava neste tipo de integração, com um apreciável conteúdo político. O que os britânicos pretendiam era apenas uma grande zona europeia de comércio livre, em que as trocas de bens não fossem sujeitas a direitos aduaneiros nem a restrições quantitativas, nem houvesse uma pauta aduaneira comum a todos os países membros.
Não conseguindo essa grande zona, os britânicos na altura contentaram-se com uma pequena zona europeia de trocas livres, a EFTA. Ora Portugal fez parte dos fundadores da EFTA, em 1959. Apesar de não ser então um país democrático e recusar a descolonização, Portugal entrou num grupo com a Suíça, a Áustria, a Dinamarca, a Suécia, a Noruega e o Reino Unido (então o principal mercado das exportações portuguesas). Vários destes países apoiavam abertamente as revoltas independentistas nas colónias portuguesas, mas aceitaram ter Portugal como parceiro, porque a EFTA era meramente comercial, sem a dimensão política da CEE.
Para Portugal foi de grande importância económica o acesso das suas exportações a parte do mercado europeu. E em 1973, quando depois de várias tentativas o Reino Unido aderiu à CEE, o mercado de trocas livres dos países que permaneceram então na EFTA, como Portugal, foi alargado a toda a Europa comunitária. Portugal só faria parte da CEE quando, depois do 25 de Abril, se tornou uma democracia. Aderimos em 1986, juntamente com Espanha. Mário Soares percebeu que a nossa integração na CEE poderia ser arriscada do ponto de vista económico, mas seria um decisivo reforço da jovem democracia portuguesa. Por isso pedia a abertura de negociações visando a adesão de Portugal à CEE.
Entretanto as hesitações britânicas quanto à integração europeia não acabaram com a adesão do Reino Unido em 1973. Este país manteria durante largos anos uma atitude ambivalente no interior da UE. Atitude que agora culmina com a saída britânica. Uma saída com acordo comercial. Do mal, o menos.
Como já aqui disse, parecia-me que a posição real do primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, era encarar positivamente uma saída sem acordo, um “hard Brexit”. Mas a popularidade de Boris caiu muito por causa da sua gestão caótica da luta contra a pandemia. E o principal conselheiro e ideólogo do primeiro-ministro, Dominic Cummings, demitiu-se há semanas, pois dentro do próprio governo sentia uma crescente oposição às suas ideias extremistas. E talvez a recente barafunda entre Dover e Calais tenha tido alguma influência no acordo conseguido, tornando mais flexível a posição britânica.
É um acordo de comércio livre, mas onde os serviços, nomeadamente os financeiros, ocupam um lugar modesto, o que poderá complicar a vida de portugueses que trabalham na aérea financeira britânica. No comércio, como alguém disse, “acabam os direitos alfandegários, mas não acabam as alfândegas”. Nada será como quando o Reino Unido fazia parte da UE. A burocracia nas fronteiras entre a UE e o Reino Unido será bem mais pesada.
Para a UE o abandono do Reino Unido é algo negativo, claro. Mas o acordo obtido consegue limitar boa parte dos danos dessa saída. Contra o que alguns eurocéticos esperavam, os 27 mantiveram-se unidos ao longo da difícil negociação. Mérito do negociador principal da UE, Michel Barnier, que informou os Estados membros e as instituições da UE de todos os passos e impasses dessa negociação.
Como seria inevitável num acordo comercial negociado em menos de um ano, quando a experiência da UE é uma negociação de pelo menos cinco anos, trata-se de um acordo relativamente limitado, ainda com muitas pontas soltas a necessitarem de negociações posteriores. Por exemplo, o acordo vai permitir a mobilidade de cidadãos europeus e britânicos para permanências curtas (máximo de 90 dias seguidos), não existindo ainda concordância para estadias de longa duração.
É positivo para a UE ter obtido este acordo nas negociações com o instável e pouco confiável Boris Johnson, que chegou a renegar pontos já por ele antes aprovados. O acordo de saída do Brexit veio somar-se a passos importantes dados neste ano pela UE, em regra sob proposta da nova Comissão Europeia.
O mais importante terá sido o Conselho aceitar a proposta da Comissão de financiar grande parte da “bazuca” com dívida da própria Comissão, emitida nos mercados. Depois, a presidência alemã – Angela Merkel – logrou superar o bloqueio da Hungria e da Polónia à “bazuca” e ao orçamento plurianual da UE. E foi determinante a compra pela Comissão de uma grande quantidade de vacinas contra o covid-19, para a vacinação já ter começado em todos os países membros ao mesmo tempo– apesar de a saúde não figurar nos tratados.
Muitos esperavam que a UE saísse mais enfraquecida e dividida por causa da saída do Reino Unido. Pelo contrário, surge-nos uma UE mais afirmativa e com novo ânimo, apesar dos problemas ainda não resolvidos. Muito se deve à Comissão presidida por Ursula von der Leyen. Inversamente, a concretização do Brexit ameaça a unidade do Reino Unido, com o crescente movimento pró-independência da Escócia.
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