"Parque Papa Francisco" seria “homenagem certa” ao “culpado" da JMJ em Lisboa
30-07-2023 - 22:00
 • José Pedro Frazão

Em entrevista à Renascença, o presidente da Fundação Jornada Mundial da Juventude revela que haverá um “momento especial” com os jovens de todos os países em guerra, em vez de um encontro entre russos e ucranianos. O bispo auxiliar de Lisboa acredita que o encontro do Papa com vítimas de abusos “ será um bálsamo” para todos, reconhecendo que a JMJ “serviu de catalisador de algumas coisas” na acção da Igreja portuguesa neste domínio. À Renascença, D. Américo Aguiar defende que a Jornada é um “desfibrilador” das comunidades católicas portuguesas que não poderão perder de vista os jovens que ajudaram a preparar a organização do evento.


Consegue identificar três particularidades desta Jornada Mundial da Juventude em relação às edições anteriores?

Há uma [característica] muito importante que é totalmente diferenciadora. É a primeira vez que uma Jornada Mundial da Juventude tem peregrinos com idade para serem exclusivamente nativos digitais, nascidos a partir de 1990. Isso implicou da nossa parte alguma mudança naquilo que são as logísticas para os jovens. Tomámos a decisão de , por exemplo, não existirem livros impressos. Tudo é digital, como a aplicação e tantas outras coisas como o acesso à alimentação com QR Code. É uma linguagem totalmente nova para nativos digitais, para uma Jornada completamente virada para as novas gerações, também elas digitais. Isso é muito diferenciador da Jornada de Lisboa.

Outra [particularidade] tem a ver com a sustentabilidade ecológica, naquilo que são as decisões muito alicerçadas nos desafios que o Papa nos coloca na encíclica "Laudato Si". Têm a ver com a utilização do papel, com a utilização de plásticos ou a distribuição da água. Existem muitas decisões que vão "dificultar" o dia-a-dia do peregrino para que ele se converta um bocadinho mais naquilo que são os comportamentos mais amigos do ambiente, no dia-a-dia da Jornada propriamente dita.

Para além das questões do digital e da ecologia há também um reforçar o convite a todos. Se os jovens que se inscreveram na Jornada vierem todos - ainda há dúvida se conseguimos das Maldivas - temos todos os países do mundo representados: da Coreia do Norte, um primeiro peregrino do Butão, de onde nunca tinha vindo ninguém ou de Chipre, que nos enviou a primeira comitiva.

Ou seja, há muitíssimos países que nunca na história das Jornadas tinham participado e se sentiram convidados e acolhidos na Jornada de Lisboa. É o esforço que o Papa nos pediu, de fazer chegar o convite a todos. E isso é também uma marca da Jornada de Lisboa.

Sobre o convite a todos, sentiu-se mal interpretado quando respondeu sobre a necessidade de evangelização e da conversão dos jovens ?

Sim. A pergunta foi feita no contexto da presença de jovens das outras religiões, ou seja, nesta abertura do convite, até encaixando naquilo que o Papa tanto nos fala na "Fratelli Tutti", da fraternidade universal e no que significa de uma presença cada vez mais fortalecida de jovens de outras religiões, de Jornada para Jornada.

Eu respondi que obviamente que não os quero converter, como é óbvio. Isto seria um proselitismo. O que quero é que os jovens testemunhem Cristo Vivo aos outros, mas que também aprendam dos jovens das outras religiões aquilo que é o testemunho da fé deles e que todos juntos nos respeitemos, que nos conheçamos e construamos o mundo em conjunto, como o Papa nos pede.

O ecumenismo e o diálogo inter-religioso, como os Papas nos têm ensinado - e como o Papa Francisco nos ensina pessoalmente e com tanto empenho - não são oportunidades de deve e haver, de conquista de militantes ou conquista de homens e mulheres que, enfim, queremos "roubar" uns aos outros. Significa a presença e a partilha de homens e mulheres que, em espírito e verdade, dão testemunho da sua fé.

Mas não quer trazer de novo para a Igreja jovens que neste momento se colocam no campo de um certo agnosticismo ?

Mas esses não se enquadram nestes que estamos a falar. Nós queremos testemunhar Cristo Vivo. Queremos que os jovens se interroguem, como nas primeiras comunidades alguém dizia, olhando para os cristãos: "vede como eles se amam, porque é que eles são felizes? Porque é que eles são assim?"

O que eu quero é que a Jornada Mundial da Juventude proporcione aos jovens que não conhecem Cristo, que não conhecem a Igreja, que não têm uma transcendência no seu coração - ou que porventura até têm - que se interroguem sobre as razões da nossa alegria.

O nosso querido Papa Bento XVI , quando esteve na missa no Porto [durante a visita a Portugal em 2010] usou uma passagem da Escritura que eu aprecio, onde a certa altura, há uma carta do Pedro que diz: " A Igreja não impõe. A Igreja propõe " Estás disponível para dar testemunho das razões da tua fé, que é uma Pessoa, que é Cristo? Isto é a Jornada Mundial da Juventude.

Desde a primeira hora que o Papa diz que a Jornada é "e-van-ge-li-za-ção". Obviamente ! Agora não é "rachar a cabeça" das pessoas e meter-lhes lá dentro seja o que seja, e convertê-los à força, seja lá o que for. É acolher fraternalmente a todos, dar testemunho da fé. Isto é a evangelização. As conversões, essas acontecem no coração de cada um.

Em Portugal, fora da Igreja, ouvimos falar todos do retorno da JMJ para imagem de Portugal, do retorno financeiro, do marketing. Para os católicos portugueses e para a Igreja portuguesa, como é que se afere o saldo da Jornada Mundial da Juventude e o seu eventual sucesso? Mais gente nas celebrações, mais intervenção nas paróquias e nas dioceses a partir de 8 de agosto?

Tive a oportunidade de percorrer o país todo durante a preparação da Jornada, naquilo a que se chama a Peregrinação dos Símbolos a norte, a sul , no interior, no litoral, no continente e nas ilhas. Aliás, para prejuízo da empresa onde eu trabalho e que merecia mais atenção da minha parte, percorri o país todo. Foram 21 meses de peregrinação permanente dos Símbolos da Jornada. Eu já tinha a ideia, mas testemunhei diretamente, olhos nos olhos e coração ao coração, que o Portugal real é muito melhor que o Portugal mediático. E nós temos sede de ser mundo. E tenho de agradecer muito a Portugal e aos portugueses que encontrei em todo o país, a adesão, a alegria, o empenho, a dedicação à preparação da Jornada.

Respondendo à pergunta, temos atualmente dezenas de milhares de jovens e adultos que se empenharam na organização da Jornada. E muitos deles não são as pessoas do quotidiano das comunidades. Nem eram acólitos, nem eram leitores, nem eram catequistas. São pessoas que se sentiram desafiadas, convidadas, curiosas por aquilo que significa, quer o convite do Papa Francisco, quer a Jornada propriamente dita. E nós não podemos perder esta gente. Não podemos perder estas dezenas de milhares de jovens e adultos que se disponibilizaram e disseram "sempre alerta", disseram "estamos presentes, estamos disponíveis". Nós não podemos chegar ao dia 7 de agosto e dizer até "à próxima!" no próximo domingo, às 11 horas numa celebração.

Isso também responsabiliza todos os bispos.

Responsabiliza todos os responsáveis pastorais das comunidades portuguesas, das dioceses, das paróquias, das vigararias e dos movimentos. A Jornada Mundial da Juventude é uma espécie de desfibrilador das nossas comunidades. O Papa dizia há dias, no Dia dos Avós, que a Igreja não pode ser uma coisa de velhos senão morre. A Igreja tem que permanentemente ter a capacidade da sua renovação.

A Igreja está sempre em renovação, daquilo que são os que chegam e os que partem, daquilo que são os batizados e os que morrem, aqueles que são os que se aproximam e os que se afastam. A Jornada Mundial da Juventude, para Portugal, para os portugueses e para a Igreja Portuguesa pode e deve ser um momento muito importante de um tiro de partida para um tempo novo.

Isso quer dizer que a Igreja precisava também deste "choque" da Jornada Mundial da Juventude?

Não tenho dúvida nenhuma quanto a isso. Tivemos há pouco tempo o confinamento do COVID , que foi um ano e meio de dificuldades e problemas que aceleraram muito algumas fragilidades nalgumas. comunidades.

Já sublinhou a importância de na Jornada Mundial da Juventude, pela primeira vez, os jovens terem voz nas catequeses. Na Ucrânia, onde estivemos juntos, até disse que "os bispos vão ter de ouvir" e que "vão ter de ser uma espécie de Master Chefs". Quer explicar qual é a responsabilidade que os bispos vão ter ?

Até à data, as Jornadas Mundiais da Juventude tinham nas manhãs de quarta, quinta e sexta-feira as chamadas catequeses, em que os jovens eram convidados a ouvir a pregação, ouvir o testemunho catequético do senhor bispo e depois terminar com uma celebração.

A Jornada Mundial da Juventude de Lisboa propôs à Santa Sé uma pequena-grande mudança. Na primeira parte desse encontro serão os jovens que vão falar. É o senhor bispo que é convidado a ouvir. Ele vai ouvir, vai assimilar e vai tentar traduzir isso naquilo que é a sua própria catequese e comunicação aos jovens. Ser esse "Master Chef" é ter ali os "ingredientes" novos, em direto e com aqueles jovens que vai ouvir e acolher e vai ser convidado a pegar nisso e a colocar aquilo que é a mensagem que leva aos jovens. De tudo isto, vamos fazer uma súmula, para também ser um contributo para aquilo que será o Sínodo em Roma, no mês de outubro.

Desistiu verdadeiramente do encontro entre ucranianos e russos ?

No modelo que estávamos a trabalhar, sim, definitivamente. Nós não podemos forçar, criando novos sofrimentos. E nós tínhamos já em Lisboa e nas diversas conversas, íamos sentindo o desconforto dos nossos irmãos ucranianos em equacionar a possibilidade de estarem à mesa, na mesma sala, no mesmo contexto, com os irmãos russos. E estando com eles, olhos nos olhos, coração a coração, pisando solo sagrado dos mortos que tombaram pela guerra - assistindo mesmo à sepultura de um deles - eu entendi que o coração ainda sangra, que as feridas estão a cicatrizar e que é preciso tempo. Tal como nas nossas famílias, nas nossas relações uns com os outros, quando há uma zanga, quando há um problema, quando há uma dificuldade, é preciso tempo.

Mas desistiu ou mudou de modalidade ?

Nós continuamos a conversar. Continuamos a conversar, olhos nos olhos, coração a coração. E o primeiro grande símbolo desta Jornada em relação à Ucrânia, já foi dado com esta visita. Agora o que vamos fazer, na Jornada propriamente dita, é um sinal com os jovens de países que estão em guerra. Infelizmente, não é só a Ucrânia que está em guerra, há muitos outros países do mundo que estão em guerra. Nós teremos um gesto simbólico com os jovens desses países, para gritarmos como João Paulo II gritava : "Não mais a guerra".

Em que momento é que isso acontecerá?

Será quando for, no momento em que for.

Num momento simbólico central da Jornada ?

É um momento especial da Jornada em que será evocado.

Quão importante pensa que será o encontro com o Papa Francisco para as próprias famílias e vítimas de abusos na Igreja ?

Penso que este encontro é sempre um bálsamo em todos os países onde aconteceu, nas circunstâncias e nos contextos onde aconteceu. E acredito também que para o nosso querido Papa Francisco e para as queridas vítimas que terão essa oportunidade, será um bálsamo naquilo que é o caminho que está a ser feito e que continuará a ser feito na Igreja Portuguesa e na Igreja Universal: colocar as vítimas no lugar principal que merecem. Ter consciência que a dor não prescreve. Ter consciência da tolerância zero, da transparência total e da prevenção do caminho a fazer. E fazê-lo todos, uns com os outros, de maneira a criar confiança de que não volte a acontecer, nem na Igreja nem na sociedade.

Mas, nessa medida, também a Jornada muda alguma coisa naquilo que a Igreja tem feito ?

A Jornada acabou por ser um catalisador de algumas coisas. Cada uma aconteceu no tempo em que aconteceu e é óbvio que o contexto da Jornada serviu de catalisador para algumas coisas.

Em março, perante empresários, disse precisava de 20 milhões de euros de donativos para dormir sossegado. Neste momento, tem dormido sossegado ?

Tenho dormido sossegado. Há um compromisso que tenho com Portugal e os portugueses, que é, a partir do dia 7 de agosto, fechar contas e publicá-las e auditá-las para que todos os portugueses saibam até ao cêntimo de tudo o que foi o custo da Jornada Mundial da Juventude. E depois, com toda a liberdade, cada um [poderá] fazer a sua avaliação, se concorda ou não concorda. Peço que abram o coração, que acolham a Jornada, que acolham os jovens. É um momento único das nossas vidas. Disfrutem e ajudem os jovens a serem felizes e caminhemos juntos.

Mas tem a expectativa do superavit que , como prometeu, poderá ser inclusivamente distribuído e devolvido para as atividades de jovens em Lisboa e Loures ?

Tenho. Gostava que se concretizasse. Vamos ver.

Como sabe, há vários protestos na sociedade portuguesa. Há um cartaz no próprio Parque Tejo da Associação Socioprofissional de Polícia, que faz uma referência literal também a uma "cruz que carregam". E vai começar uma greve de médicos. O comunicado relacionado com a greve da próxima semana, que termina com uma referência a si, onde se lê que a FNAM " saúda a sua coragem e maturidade democrática por compreender que quem luta, aproveite para tornar público manifestações” e afirmando que é “magnífico que alguns possam dizer que, em razão da Jornada, que melhoraram as suas condições de trabalho e a remuneração". Estas suas palavras estão a ser mal interpretadas ?

Não. Desde o início que dizemos e que entendemos claramente que, neste contexto da Jornada Mundial da Juventude e da mediatização que pode proporcionar, os trabalhadores possam de algum modo manifestar, tornar visível aquilo que são dificuldades e problemas, algumas com muito tempo, outras porventura mais atuais. O que eu digo e confio totalmente - e digo isso aos senhores médicos, aos senhores polícias e a todos os profissionais - é que confio plenamente no profissionalismo na entrega e na dedicação de todos.

Entendo que o contexto da Jornada possa potenciar a visibilidade das suas dificuldades, os seus problemas. Rezo para que todos possam conseguir aquilo que são as melhorias das suas condições de trabalho e de remuneração. Temos de fazer um caminho todos uns com os outros. Nenhum problema no mundo se resolve uns contra os outros e sem guerra. Todos os problemas se resolvem uns com os outros. Isto é a tal fraternidade universal a que o Papa nos convoca. Confio no empenho, na dedicação e na entrega de todos os profissionais e que, tal como ouvi da boca e do coração de muitos desses que referiu, nada será posto em causa, nada deixará de ser feito. A Jornada será um sucesso. Os jovens escusam de ter problemas e no dia seguinte continuaremos as nossas vidas.

Se lhe pedissem uma opinião, o Parque Tejo ficaria bem com o nome Parque Papa Francisco ?

Com certeza que sim. Absolutamente. Seria uma homenagem certa ao nosso querido Papa Francisco, ao "culpado" da Jornada Mundial da Juventude ser em Lisboa. E mais do que isso, de facto, a reconversão desse "restinho" da Expo 98, que era o Aterro do Beirolas do lado de Lisboa e a zona do lado de Loures, e a alavanca final para a concretização da devolução deste espaço à população deveu-se à Jornada Mundial da Juventude e o seu responsável maior é, de facto, o nosso querido Papa Francisco.