O Vaticano denuncia, num novo documento sobre a Amazónia, a exploração levada a cabo por “interesses económicos” que ameaçam a natureza e os direitos dos povos indígenas.
“A riqueza da selva e dos rios da Amazónia está ameaçada pelos grandes interesses económicos que se alastram sobre diferentes regiões do território. Tais interesses provocam, entre outras coisas, a intensificação do desmatamento indiscriminado na selva, a contaminação dos rios, lagos e afluentes”, assinala o texto preparatório da assembleia especial do Sínodo dos Bispos sobre a Amazónia, que o Papa convocou para 2019.
O texto, divulgado esta sexta-feira pela sala de imprensa da Santa Sé, defende que este Sínodo especial deve “encontrar novos caminhos para fazer crescer o rosto amazónico da Igreja e também para responder às situações de injustiça da região”.
Entre as situações denunciadas elenca-se o “neocolonialismo configurado pelas indústrias extrativistas, pelos projetos de infraestrutura que destroem sua biodiversidade e pela imposição de modelos culturais e económicos estranhos à vida dos povos.
A assembleia de bispos foi anunciada pelo Papa a 15 de outubro de 2017 e vai refletir sobre o tema "Novos caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral".
"Novos ministérios" para comunidades sem padres
O documento preparatório para o Sínodo especial dos Bispos de 2019, dedicado à Amazónia, propõe um debate sobre a criação de “novos ministérios” para as comunidades sem padres, tendo em mente a celebração dominical da eucaristia.
“É preciso identificar o tipo de ministério oficial que pode ser conferido à mulher, levando em conta o papel central que hoje desempenham as mulheres na Igreja amazónica. Também é necessário promover o clero indígena e os que nasceram no território, afirmando sua própria identidade cultural e seus valores. Finalmente, é preciso repensar novos caminhos para que o Povo de Deus tenha melhor e frequente acesso à Eucaristia”, pode ler-se no texto divulgado esta sexta-feira pela Santa Sé.
Em conferência de imprensa, o secretário-geral do Sínodo dos Bispos, cardeal Lorenzo Baldisseri, sublinhou que estão em causa “novos caminhos” sobre “os ministérios, a liturgia e a teologia”, sem especificar se o debate vai alargar-se à possível ordenação sacerdotal de homens casados.
O responsável da Santa Sé adiantou que o Sínodo de 2019 vai contar com representantes de povos indígenas entre os convidados da assembleia e “presenças significativas” de outros setores da sociedade.
O questionário que acompanha o texto do Vaticano deixa uma questão sobre “a impossibilidade de celebrar a Eucaristia com frequência e em todos os lugares” da Amazónia, pedindo um diálogo com a comunidade local para responder às “realidades concretas” destas comunidades, com a criação de “serviços e ministérios com rosto amazónico”.
“Uma missão encarnada exige repensar a presença escassa da Igreja em relação à imensidão do território e de sua diversidade cultural”, pode ler-se.
No texto propõe-se a criação de “novos ministérios e serviços para os diferentes agentes de pastoral que respondem pelas tarefas e responsabilidades da comunidade”.
Aos missionários é pedida uma “presença estável”, com “conhecimento da língua autóctone” e das culturas dos vários povos da Amazónia.
O Vaticano valoriza a tradição e a experiência espiritual destas comunidades, sublinhando que anunciar o Evangelho de Jesus na Amazónia tem, necessariamente, uma “dimensão social”.
"Restos do projeto colonizador"
O documento do Vaticano alerta para as consequências da “cultura dominante de consumo e descarte” sobre a natureza, que tem gerado uma “profunda crise”.
O texto fala num “Grito da Amazónia” que pede a presença de Deus, “especialmente quando os povos amazónicos, ao defenderem as suas terras, se confrontam com a criminalização de seu protesto, tanto por parte das autoridades como pela opinião pública”.
“O processo de evangelização da Igreja na Amazónia não pode ser separado da promoção do cuidado do seu território (natureza) e de seus povos (culturas)”, acrescenta a Santa Sé.
O documento preparatório para o Sínodo especial de 2019 elogia o papel dos missionários e missionárias comprometidos com as causas dos povos indígenas e amazónicos, evocando, por outro lado, a “memória histórica” da presença da Igreja na região, que começou com a “ocupação colonial da Espanha e de Portugal”.
“Lamentavelmente, ainda hoje existem restos do projeto colonizador que criou manifestações de inferiorização e demonização das culturas indígenas, adverte o texto.
O Sínodo dos Bispos pode ser definido, em termos gerais, como uma assembleia consultiva de representantes dos episcopados católicos de todo o mundo, a que se juntam peritos e outros convidados, com a tarefa ajudar o Papa no governo da Igreja.
Até hoje houve 14 assembleias gerais ordinárias e três extraordinárias, as últimas das quais dedicadas à Família (2014 e 2015); em outubro, o Vaticano recebe uma assembleia ordinária do Sínodo, sobre os jovens.