A Ordem dos Enfermeiros defendeu nesta quinta-feira que não se deve avançar já com a vacinação das crianças contra a Covid-19, considerando que a prioridade deve centrar-se na vacinação dos adultos da "forma mais célere possível".
Num parecer enviado à diretora-geral da Saúde, Graça-Freitas, sobre a vacinação universal de crianças entre os 5 e os 11 anos, a Ordem do Enfermeiros (OE) defende que não se deve iniciar, para já, a vacinação deste grupo etário, "mas sim aguardar por uma maior evidência (prova) científica quantos aos custos-benefícios a médio e a longo prazo".
Num parecer divulgado nesta quinta-feira, a Ordem sublinha que os benefícios de saúde individuais decorrentes da vacinação de crianças saudáveis serão "limitados", face aos dados conhecidos até ao momento.
"Desta forma, face à situação epidemiológica que se mantém, considera-se que a prioridade deve centrar-se no processo de vacinação de pessoas com idade igual ou superior a 18 anos da forma mais célere possível, bem como reforçar o uso generalizado das medidas de proteção conhecidas, as quais apresentam resultados clinicamente demonstrados", lê-se no parecer.
A Ordem dos Enfermeiros recorda que todos os estudos indicam que "ao vacinar adultos se reduz o risco de exposição das crianças e adolescentes".
"Considera a OE que o benefício da vacinação para as crianças entre os 5 e os 11 anos não constitui, por si, fundamento bastante para o processo de decisão", conclui a Ordem dos Enfermeiros, na sequência do afirmado na reunião de peritos sobre esta matéria e após auscultação do Colégio de Especialidade em Enfermagem de Saúde Infantil e Pediátrica.
A Agência Europeia de Medicamentos (EMA) aprovou nesta quinta-feira a administração da vacina contra a Covid-19 da BioNTech/Pfizer, a crianças dos 5 aos 11 anos, sendo a primeira na União Europeia (UE) para esta faixa etária.
"O Comité dos Medicamentos para Uso Humano da EMA recomendou a concessão de uma extensão de indicação para a vacina Comirnaty [nome comercial da vacina do consórcio farmacêutico BioNTech/Pfizer] para incluir a utilização em crianças dos 5 aos 11 anos de idade", informa o regulador europeu em comunicado. A vacina já era utilizada a partir dos 12 anos.
A EMA explica que, para as crianças dos 5 aos 11 anos de idade, a dose de Comirnaty "será inferior à utilizada em pessoas com 12 ou mais anos", mas "tal como no grupo etário mais velho, é administrada como duas injeções nos músculos do antebraço, com três semanas de intervalo".
Esta é a primeira vacina aprovada na UE para crianças desta faixa etária, numa altura em que se verificam aumentos de casos nestas idades e quando os Estados Unidos já a administram.
Atualmente, a vacina Comirnaty está autorizada a partir dos 12 anos, após ter sido pela primeira vez aprovada em dezembro de 2020 para adultos na UE.
Uma vacina pouco consensual
Na quarta-feira, a presidente da Sociedade Portuguesa de Pediatria considerou que a principal vantagem de vacinar crianças entre os 5 e os 11 anos contra a Covid-19 seria reduzir os confinamentos e isolamentos durante o ano letivo.
Inês Azevedo acrescentava, contudo, que há outros fatores a levar em consideração antes de recomendar esta inoculação, nesta faixa etária.
No mesmo dia, o presidente do Colégio da Especialidade de Pediatria considerou que “ainda não há evidência que justifique” a vacinação contra a Covid-19 de menores de 12 anos e que “não se modificou nada” que sustente essa opção; não há dados novos.
Nas mesmas declarações à agência Lusa, Jorge Amil Dias sublinhava que, quando se fala em aumento de casos pediátricos de Covid-19, “é exatamente disso que se trata: casos, e não doentes".
“Os números que têm sido divulgados de crianças, nomeadamente dos zero aos nove anos (…), são crianças identificadas não em internamento hospitalar, não em cuidados intensivos, mas, seguramente na sua grande maioria, por testagem nas escolas, porque houve um menino, uma empregada ou um professor que foi positivo”, destacou o presidente do órgão consultivo da Ordem dos Médicos.
Até agora, a Organização Mundial da Saúde (OMS) tem assinalado que “não adianta vacinar crianças quando há profissionais de saúde, idosos e pessoas de alto risco no mundo que ainda estão à espera da primeira dose”.
De visita a Lisboa, a 19 de outubro, o diretor regional para a Europa da OMS, Hans P. Klüge, admitia que a decisão de vacinar as crianças abaixo dos 12 anos demoraria “um pouco”, dado que “as evidências ainda não são robustas o suficiente”.
Entre os especialistas portugueses, as opiniões dividem-se. De um lado, profissionais como o epidemiologista Henrique Barros ou o perito em saúde pública Francisco George defendem a vacinação das crianças com menos de 12 anos, mal a segurança e a eficácia da vacina estejam comprovadas cientificamente, como “medida fundamental de proteção”.
Do outro, Jorge Amil Dias, presidente do Colégio da Especialidade de Pediatria da Ordem dos Médicos, tem manifestado reservas ao alargamento da vacinação, considerando que “ainda não há evidência que [o] justifique”.
“Moda da Covid-19” está a desviar atenções e consumir recursos
Segundo o último relatório de monitorização das linhas vermelhas para a Covid-19, do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, é no grupo etário entre os zero e os dez anos (cerca de 10% da população portuguesa) que se tem verificado a “mais elevada” incidência cumulativa a 14 dias (298 casos por cem mil habitantes) de casos de infeção com o coronavírus SARS-CoV-2.
“Estes números não refletem gravidade de doença”, afirma o presidente do Colégio da Especialidade de Pediatria, indicando que, se fossem feitos rastreios à bactéria que causa amigdalites e pneumonias, também se encontraria muitos positivos, sem estarem doentes ou a precisarem de tratamento.
“Aquilo de que precisamos é de tratar pessoas que estão doentes”, defendeu Jorge Amil Dias, considerando que a “moda” da Covid-19 está a desviar a atenção de “doenças severas nas crianças, que não fazem títulos de jornais”. Esta “desproporção” está a consumir recursos, quer humanos, quer financeiros, com um efeito “inapropriado”, considerou.
Países diferem na decisão
A generalidade dos países tem optado por não vacinar as crianças antes dos 12 anos, mas há exceções, desde logo a China, epicentro do vírus Sars-CoV-2, em dezembro de 2019.
Em junho deste ano, o regulador chinês autorizou a administração de duas das suas vacinas – Sinopharm e Sinovac – em crianças entre os 3 e 17 anos e, em agosto, aprovou outra marca.
O Camboja já está a usar as vacinas chinesas em crianças entre os 6 e os 11 anos.
Cuba também já começou a imunizar crianças pequenas, com as vacinas produzidas nacionalmente, e a Venezuela iniciou a vacinação de 3,5 milhões de crianças entre os 2 e 11 anos, com a cubana Soberana II.
O Chile tornou-se no primeiro país da América Latina, e o segundo no mundo, a autorizar o uso da vacina chinesa CoronaVac em crianças e, na Argentina, a vacina da Sinopharm pode ser administrada em crianças a partir dos 3 anos.
O caso de maior notoriedade de vacinação infantil é o dos Estados Unidos, onde a taxa de imunização global é baixa e os casos de infeções em crianças aumentaram dramaticamente desde que a variante Delta se propagou no país.
Também o Canadá já aprovou a vacina infantil da Pfizer e, à semelhança dos Estados Unidos, reduziu as doses para um terço da quantidade administrada a adolescentes e adultos.
Na Europa – atualmente a única região geográfica com aumento de casos de infeção –, ainda são poucos os casos de administração em crianças menores de 12 anos.
Duas centenas de crianças com idades entre os 5 e os 11 anos começaram a ser vacinadas em Viena, capital da Áustria, como parte de um projeto-piloto, mas o alargamento à escala nacional está dependente da luz verde da EMA.
Em Itália, aguarda-se a mesma indicação para dar início à vacinação a partir dos 5 anos.
Já na Alemanha, que enfrenta a maior incidência semanal de infeções desde o início da pandemia, ainda não se recomendou a vacinação de menores de 12 anos e isso não deve acontecer antes de meados de dezembro.