Assinalámos ontem, dia 18 de novembro, o Dia Europeu da Proteção das Crianças contra a Exploração Sexual e os Abusos Sexuais. Esta data foi criada pelo Conselho da Europa em 2015 com o objetivo de sensibilizar para o abuso e exploração sexual das crianças e para promover a ratificação e implementação da Convenção de Lanzarote - “Convenção do Conselho da Europa para a Proteção das Crianças contra a Exploração Sexual e os Abusos Sexuais” - que, entretanto, já foi ratificada por todos os Estados Membros do Conselho da Europa.
Todos os crimes são horrendos, mas aqueles a quem foi infligida uma violação da sua integridade sexual não entendem que o bem jurídico protegido seja apenas o da autodeterminação sexual. Uma prática dessa natureza, perpetrada sobre as crianças, coloca em perigo o desenvolvimento da sua personalidade e quantas vezes a sua vida!
Também sabemos que se trata de um crime que é cometido na intimidade, às escondidas, por pessoas sobre as quais recai uma áurea de idoneidade e que são muito próximas das vítimas… A prova é sempre tão difícil! E quantas vezes pessoas que abusaram sexualmente de crianças, de menores, que conheceram processos-crimes e que foram arquivados por falta de provas, continuam na sociedade, no mundo, a exercer as suas influências, humilhando aqueles e aquelas que foram o alvo dos seus comportamentos sexualmente desviantes.
Daí que se entenda que se deve fazer cumprir o artigo 33.º da Convenção de Lanzarote, sob a epígrafe “prazo de prescrição”, criando-se em Portugal um prazo de prescrição que venha a permitir que a vítima instaure um procedimento criminal contra o agressor num momento que vai muito para além da idade em que atingiu a maioridade. Porquê? Porque, por regra, as vítimas apenas conseguirão falar sobre as atrocidades cometidas sobre si quando têm entre 45/50 anos.
A verdade é que em Portugal, Luxemburgo, Estónia, Grécia, Malta, Chéquia, Lituânia, Finlândia, Eslováquia e Bulgária as vítimas de abuso sexual de crianças, na sua totalidade ou na sua maioria, não podem denunciar o crime depois de atingirem os 40 anos de idade.
Em Portugal, na mais recente alteração ao Código Penal (em janeiro de 2024), infelizmente, ficou determinado que o procedimento criminal não se extingue antes de o ofendido perfazer 25 anos.
Logo, a vítima que apenas consiga verbalizar os acontecimentos por si vividos após os 45 anos, jamais conseguirá apresentar uma queixa-crime contra o agressor.
Já em Espanha, Itália, França, Alemanha, Eslovénia e Letónia o prazo de prescrição termina depois de a vítima atingir os 40 anos. E na Irlanda, Chipre, Dinamarca e Bélgica as vítimas podem denunciar os crimes sexuais contra crianças, independentemente do tempo decorrido.
Efetivamente, os curtos prazos de prescrição criminal silenciam as vítimas, agravam os seus traumas e custam aos Estados membros da União Europeia milhares de milhões de gastos em saúde pública.
O Conselho da Europa refere-nos que “uma em cada cinco crianças são vítimas de alguma forma de violência sexual, 70% a 85% conhecem os agressores, um terço nunca fala do abuso”. E já no nosso país o Instituto Nacional de Estatística estima que um quinto da população maior de idade tenha sofrido violência na infância, sendo que mais de 176 mil pessoas (2,3%), entre os 18 e os 74 anos, terão sido vítimas de abusos sexuais.
Não nos podemos conformar, antes temos de entender a natureza deste tipo de crime, bem como o perfil das vítimas, dos agressores, dos danos que causa e alcançar que um prazo de prescrição tão curto apenas desprotege as vítimas e beneficia os agressores.
“Ser menino é estar cheio de céu por cima”…que a nossa sociedade tudo faça para que as nossas crianças continuem a ter um céu que lhes permita sonhar com a esperança, não obstante o sofrimento vivido!
Paula Margarido, Advogada e Deputada da XVI Legislatura