Sérgio Godinho. "Não somos sempre valentes, mas temos de puxar pelos brios"
01-02-2018 - 18:09
 • Maria João Costa

É o primeiro disco de originais em sete anos. "Nação Valente" é o novo álbum de Sérgio Godinho e o 18.º da vida do escritor de canções, que é também uma espécie de joalheiro.

"Nação Valente", o novo álbum de Sérgio Godinho, foi editado na última semana. Produzido por Nuno Rafael, o disco surge sete anos depois de "Mútuo Consentimento".

Godinho volta a convidar alguns músicos para escrever canções para letras dele. David Fonseca, Márcia, José Mário Branco, Pedro da Silva Martins e Filipe Raposo são alguns dos compositores convocados para este disco.

Em entrevista à Renascença, o músico revela que não é um "imediatista" e gosta de dedicar tempo às canções. " É uma espécie de trabalho de joalharia em que se vai encaixando as peças para que apareça aquela joia perfeita", explica.

No dia 2 de fevereiro, às 18h30, à porta dos Armazéns do Chiado, em Lisboa, o cantor vai revelar alguns dos novos temas do álbum num concerto gratuito. Uma "amostra" dos primeiros concertos da digressão que passará pelo Capitólio, em Lisboa, e pela Casa da Música, no Porto.

Depois de acontecimentos como os que Portugal viveu com os incêndios de 2017, este título do seu novo disco – "Nação Valente" – é um título que contem uma declaração intencional?

Fala deste país. De um país pós-troika. Canto "não quero ver-te numa gaiola, de mão estendida, a pedir esmola. Endividada na contra-mão dessa autoestrada", mas também digo "há que ir em frente. Há de haver outra solução para esta tão valente nação". Nós não somos sempre valentes, mas temos de puxar pelos brios e é isso que a canção quer dizer. "Há que ir em frente, nação valente" porque depois tem um refrão que é extremamente positivo. Quando eu digo "Fronteiras antigas, fronteiras abertas, quero um país de ideias libertas" também é um desejo e uma afirmação que é também pessoal, não é só em relação ao país.

Para “Nação Valente”, escreveu as letras e convocou muitos amigos e cúmplices para a composição. Desde logo músicos como David Fonseca, Márcia, Hélder Gonçalves, Pedro da Silva Martins, entre outros. Como é que entraram neste projecto?

De uma maneira natural. Também tenho uma parceria com o José Mário Branco, que é o meu primeiro parceiro de todos os tempos. Desde os nossos primeiros discos que temos canções em comum. O David Fonseca não é nenhum garoto de 20 anos e também fiz uma canção com ele. Tenho o Hélder Gonçalves e o Nuno Rafael, que dirigiu o disco. Com o Pedro Silva Martins, dos Deolinda, o que eu acho é que ele escreve muito bem letras. Eu aqui pedi-lhe uma música e fiz uma letra. Aliás, as letras são todas minhas e só algumas músicas é que não são minhas. Acontecem nessas parcerias. Com a Márcia, é a única canção que não é minha, que é o "Delicado". Acho que a Márcia tem um grande talento e achei aquela canção particularmente intrigante e feliz porque há frases que poderiam ter sido escritas por mim.

Torno as canções muito minhas, mesmo aquelas que vêm de outros. Há um processo de canibalização do universo dos outros. Uma das críticas dizia que a versão da Márcia talvez fosse a mais "godinhiana"... esta palavra custa a dizer [risos] é porque eu não ando a praticar muito o "godinhiano". Naturalmente que interajo com gente mais nova, mas não é uma necessidade de sangue fresco é porque têm uma linguagem que me interessa.

As letras deste disco têm essa identidade "godinhiana" de que fala?

Acho que a música é muito fluída e que não tem géneros. Quando me perguntam que género de música faço, para explicar, por exemplo, a um estrangeiro que vem a Portugal, eu não consigo definir. São as minhas canções. É um bocado tolo dizer isto...claro que são! Mas é o ambiente urbano, porque eu sou mais urbano embora adore o campo. Uma música pode ser transitável de um género para outro. Fiz a "Bomba Relógio" para a Cristina Branco e disse-lhe logo que depois ia fazer a minha versão, e fiz. Neste disco há uma canção com letra e música minha, "Noites de Macau", que é de um filme do Ivo Ferreira chamado "Hotel Império", que no filme é cantada pela Margarida Vila-Nova e um pouco à fado. É uma daquelas canções que é transponível para outra linguagem. Isso é o poder das canções.

Há sete anos que não tinha um disco de originais. Como foi o trabalho de bastidores de “Nação Valente”?

Começo pela música. Quando as palavras surgem, elas estão já a agrafar-se à música. São frases que se tornam já se tornam por essência musicais. O trabalho é fazer com que esse casamento seja perfeito e pareça um objecto uno. Eu pedi a vários compositores que me dessem uma música que às vezes transformei um bocadinho, com o acordo deles. E encontrei sentidos poéticos, das palavras para essas músicas. Foi um processo laborioso. As coisas demoram tempo. Eu não sou um imediatista, nem podia ser. O trabalho das canções é muito fragmentado. É uma espécie de trabalho de joalharia em que se vai encaixando as peças para que apareça aquela joia perfeita.

Esta sexta-feira, dá um concerto gratuito em Lisboa, junto aos Armazéns do Chiado. Depois vai subir a outros palcos.

Sim, dia 23 e 24 de fevereiro vou estar no Capitólio, em Lisboa, e no principio de Março, a 3 e 4 na Casa da Música, no Porto. O Capitólio é uma sala que acaba de ser recuperada, é o revitalizar o Parque Mayer. Estão também a fazer obras extensas no Variedades. E para mim tem alguma graça, estrear para mim outra sala em Lisboa. Vamos habitando estes palcos e vai-se encontrando a nossa casa, que é também a do público naquelas horas. Eu gosto disso.

Depois de se ter lançado na literatura em 2017 com “Coração Mais que Perfeito”, poderá haver novo livro em 2018?

Eu escrevi um segundo romance logo de seguida, quando acabei o primeiro. De repente, quando acabei, senti-me órfão daquelas personagens. Eu sou o "paizinho" daquelas personagens, mas senti-me órfão! (risos) Tinha ganho um andamento que não conhecia, a escrever todos os dias um pouco. Tinha uma ideia para um segundo livro e engatei nele. Agora deixei-a repousar e estou retomá-lo para sair em Setembro.