A voz também jogou à bola. A paixão e as canções de Paulo de Carvalho


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O que não sabíamos:

  • Que Paulo de Carvalho começou a “brincar ao futebol” na rua, depois no Sporting, no Benfica e acabou no Belenenses
  • Que era médio direito e até marcava uns golos
  • Que compõe “ao iPhone” ou que ainda se ri com prazer da ingenuidade dos Sheiks
  • Que nunca conseguiria ser jogador nos dias de hoje e que, lá atrás, não se importou de ver o Benfica ser sovado pelo Santos
  • Que compôs um jazz à volta da bola – “Chuta agora, vá!”
  • Messi ou Ronaldo? Que admira Ibrahimovic
  • Que compôs, à vontade, para cima de 300 músicas (porque não lhes tem conta) e que há mais músicas dele na voz dos outros do que imaginamos (não é só “Lisboa Menina e Moça”)
  • Que para ele, carreira é mais o 28, o eléctrico


Que memórias de infância tem do futebol e da sua iniciação no desporto?

Ora, vamos lá ver: com a idade que eu tenho, tudo começou no meio da rua, porque era possível brincarmos mais à vontade, havia muito menos movimento de automóveis, os polícias eram condescendentes (risos). Vivia ali perto do estádio de Alvalade e do antigo campo do Benfica, chamado Estância de Madeira. E havia a possibilidade de irmos até lá, enfim, ver se tínhamos jeito para jogar à bola e ficarmos a jogar num clube ou noutro, sermos escolhidos.

E foi escolhido para jogar?

Curiosamente, apesar de ser do Benfica, sócio vitalício, comecei a brincar ao futebol no Sporting, isto com equipamentos a sério, no princípio dos anos 60.

Portanto, só mais tarde começo a jogar pelo Benfica e aí era assim uma espécie de traidor, porque no futebol de salão eu jogava com o pessoal do Sporting, no futebol de 11 jogava com o pessoal do Benfica. Não confundir o futsal com o futebol de salão, são coisas distintas.

Mas nada disso me trouxe dissabores, antes pelo contrário, ficaram só grandes amigos, como o Vítor Damas, guarda-redes do Sporting nessa altura.

E como é que faz essa passagem do Sporting para o Benfica? É contactado ou é a sua vontade que o impele?

É a minha vontade. É a minha vontade e os amigos de escola. Os amigos, curiosamente, andavam mais pelos lados da velha Estância de Madeira, ainda nem Estádio da Luz existia. Era lógico que eu fosse para o Benfica porque eu era simpatizante na altura, penso que já sócio até. Portanto, era natural.

Recorda momentos da sua formação como jogador?

Só para situar quem tem idade e quem tem memória, no Sporting, os treinadores que tive foram o Mário Imbelloni, que ganhou a primeira taça de Portugal com o Sporting de Braga, e também o José Travassos, esse enorme jogador do Sporting. Tornámo-nos mais ao menos amigos, mas ainda com aquele respeitinho de "senhor Travassos", porque ele trabalhava no Alvalade onde eu vivia e víamo-nos muitas vezes, para além do futebol.

No Benfica, tive como treinador um homem muito controverso, na altura. Era uma jóia de um homem e um belíssimo disciplinador, só que, não sei porquê, criou fama de ser, enfim, mauzinho. Não era nada. Estou-me a lembrar do argentino [José] Valdivieso, que era o treinador dos miúdos do Benfica.

Até que idade jogou federado e qual era a sua posição?

Na altura era médio sobre o lado direito. O que é isso hoje em dia? Não sei, francamente não sei. É assim uma espécie de… próximo talvez daquilo que faz o William no Sporting e na Selecção, que fez no último jogo. Desse lado, mas um pouco mais avançado talvez e metendo até alguns golos. Portanto, meio campo, organizador de jogo, vamos dizer assim.

Era muito talentoso? É um parecer em causa própria…

[Risos] Não sou a pessoa mais indicada para dizer isso. Havia muita gente que dizia que sim, que tinha algum jeito para aquilo. Hoje em dia penso que, com o feitio que tenho, e com os interesses que tenho, não conseguiria ser jogador de futebol, francamente não conseguia.

Porquê?

Porque não gosto do que vejo para além do jogo e mesmo dentro do próprio jogo, às vezes, não gosto do que vejo. E isso provavelmente far-me-ia ter comportamentos que não seriam os mais correctos. Ou então sair mesmo e vir-me embora. [Risos] Portanto não, não gostava nada de ser jogador de futebol hoje em dia.

Não posso fazer comparações com 1960, quando andei por lá, porque aquilo era muito mais apaixonante e muito mais bonito do que é hoje em dia. Mas depois felizmente veio a música que foi uma paixão enorme.

Mas o que é que não lhe agrada, concretamente?

Os interesses, os comportamentos da maioria das pessoas, a pouca cultura que continua a existir no futebol, quando grande parte ganha bastante dinheiro... Aliás, nós achamos sempre que os jogadores de futebol ganham bastante dinheiro e muitos deles se calhar ao segundo ou ao terceiro mês já nem ordenado recebem.

Mas não chega só fazer tatuagens e penteados. Há livros para ler, há filmes para ver, há cultura para se falar. Pelo menos saber porque é que se anda no futebol e, sobretudo, como alguns felizmente fazem, serem exemplos para os mais novos.

E como dá por concluída a sua carreira no futebol?

Para terminar a minha carreira futebolística federada, termino nos juniores do Belenenses, do Clube de Futebol do Belenenses. E aí há uma pequena história, que pode ter a graça que lhe quiserem dar. O meu cartão de jogador federado pelo Belenenses foi oferecido a um grande belenense, que é o Carlos do Carmo, meu querido amigo. Ele tem-no lá no escritório.

Podia ter ido mais longe na sua carreira de futebolista? Qual era o seu sonho na altura?

O sonho de qualquer miúdo é jogar à bola e por aí fora, não é? [risos] Mas não sei, sei lá, há muitas questões que nós não temos presentes na altura, porque aquilo é uma paixão, jogar futebol é uma paixão. De maneira que não sei até que ponto é que conseguiria ir por aí fora jogar, não jogar… Havia outros, provavelmente, ou de certeza absoluta, muito melhores que eu. Não sei, francamente não sei [risos]. A música completou-me completamente.

Felizmente, então, surge a música. E como é que se dá essa transição para este outro tipo de espectáculo?

Não saí nunca do futebol, passei a jogar futebol amador [risos]. Mas a vida modificou-se um bocado, tive de ir trabalhar durante o dia, estudar à noite e fazer música nos intervalos. E veio a música, vieram os amigos da música, veio a bateria, que era o que eu tocava mal na altura, e um grupo, um conjunto musical que eram os "Sheiks", que teve enorme sucesso. Tudo isso fez com que eu deixasse de ter um daqueles empregos – era o miúdo que fazia os recados numa empresa de seguros.

E comecei, não só a saber o que é que queria em termos musicais, mas também, e essa parte foi importante, a ganhar muito bem a minha vida com essa profissão, que se tornou a minha profissão até hoje, não é?

E não estava à espera, nessa altura, que a música se tornasse um caso sério para si, ou tinha essa real expectativa?

A expectativa que eu tinha era que queria fazer aquilo. Queria fazer música, mesmo antes de ter descoberto que poderia cantar a solo, como se costuma dizer. Porque houve um tempo, ali por alturas de 1968, talvez, em que era um razoável, muito razoável baterista. Portanto, eu preparava-me para ser músico. Nunca pensando nessa altura que poderia vir a ser cantor, mas músico, isso sim. Portanto, acompanhador de cantores ou dentro de projectos onde um baterista pudesse ser importante.

E a partir dali, sabia que músico era o que eu queria ser, tinha essa consciência. A não ser que a vida me levasse para outro lado qualquer, o que às vezes nos acontece. A qualquer um de nós, não é?

Já falámos nos Sheiks. É nesta altura que começa a escrever também? O Paulo de Carvalho é um muito produtivo compositor, não apenas um reconhecido intérprete.

Nós fazíamos umas musiquetas já nos Sheiks. Tanto eu, como o Carlos Mendes, como os outros dois companheiros. Fazíamos por absoluta necessidade, fazíamos porque também não havia muita gente a fazer música adequada àquele tipo de grupo musical. Mas, enfim, eram coisas... Eu hoje desato-me a rir a olhar para aquilo. Depois, fui aperfeiçoando tudo isso, houve necessidade de fazer.

Sempre disse que gostaria de ter uma parceria com um letrista, porque eu sou fundamentalmente músico, mais do que letrista. Sei lá, como o Rui Veloso com o Carlos Tê, o Fernando Tordo com o José Carlos Ary dos Santos, dando só estes exemplos.

Depois tornei-me também um fazedor de músicas, eu não me considero um compositor, acho demasiado... É demasiada importância para aquilo que eu sei fazer e não estou a ser um falso modesto, que eu não sou. Penso que faço umas músicas, algumas com algum êxito, é verdade.

Qual é a fórmula para esse êxito?

Penso que as canções dependem sempre de três partes fundamentais: uma boa letra, uma música boa ou razoável e, fundamentalmente, um belíssimo intérprete. E eu tenho tido essa sorte de conjugar essas três partes.

E há muitas músicas suas que associamos antes a outros cantores…

Posso dar alguns exemplos de músicas que eu fiz. Por exemplo, se eu falar de "Lisboa Menina e Moça"… Tudo bem, a música é cantável, é engraçada, mas a letra do José Carlos Ary dos Santos é muito importante e quem cantou – estamos a falar do Carlos do Carmo – veio dar ainda mais a essa música.

Se eu falar, por exemplo, de uma das últimas que é o "Meu Fado Meu" que fiz para a Mariza, pronto, aí já fui eu que fiz a letra, mas o facto de ela cantar como canta, levou já essa música por esse mundo fora. Agora, tenho muitas mais, tenho.

Tem ideia de quantas músicas compôs?

Posso-lhe dizer que, neste momento, devo ter, entre as que fiz para mim e as que fiz para companheiros de profissão, aí umas 300 cantigas. Se calhar tenho mais, não faço ideia, não contabilizo.

E canta alguma que nós não imaginemos que não é sua e que também se tornou muito Paulo de Carvalho?

Bem, isso são aquelas aí talvez até aos anos 70. Teríamos que falar forçosamente do "E Depois do Adeus", essa não fui eu que fiz. É a injustiça disto. É o "E Depois do Adeus do Paulo de Carvalho”, mas eu não fiz a música, nem a letra, só cantei [risos].

Mas também é bom que haja estas transmissões, estas partilhas de composições entre músicos? Agrada-lhe poder cantar material de outros?

Isso já tem uma pequena história. Eu sempre fiz música. Cantigas melhores, piores, sempre as fiz. Só que, quando comecei a cantar a solo, isto é, ali no princípio dos anos 70, havia aqueles produtores das casas de discos que também eram compositores e que metiam sempre as músicas deles. E eu, provavelmente, ou me deixava enganar, ou não tinha muita força, e acabei por cantar muita música que não era minha e podia ter cantado logo nessa altura músicas feitas por mim. Foi um caminho, como outro qualquer. Daí terem-me conhecido mais como intérprete do que como compositor. Mas também sou.

Como é que compõe? É ao piano, à bateria...?

Como toco pessimamente viola e como a bateria não dá muito para fazer a harmonização de uma música, vamos dizer que componho ao “iPhone”. Ou seja, registo no telemóvel as melodias que vou inventando e depois trabalho com músicos amigos e vou discutindo com eles como é que aquilo vai ficar ao fim, ou seja, harmonicamente.

Ou seja, canta as melodias e só depois vem a harmonia?

Sim, mas eu sei logo o que é quero harmonicamente. Só que depois há que trabalhar com alguém que saiba fazer num piano ou numa viola. Muitas vezes ponho a letra, já sei que letra é que vou fazer. Por exemplo, há uma cantiga que fiz para a Mariza, com texto do Paulo Abreu Lima, chama-se "Missangas". E é muito curioso, porque pus o iPhone em cima da mesa, bati na mesa o ritmo que queria e cantei por cima e a Mariza e os seus músicos perceberam perfeitamente o que é que eu pretendia. Portanto, há este entendimento, esta parte mais ao menos apaixonante de tudo isto. É muito engraçado.

Ainda tem essa gravação?

Tenho. Ela própria deu duas ou três entrevistas, quando falou do disco música a música, e contou essa história.

Seria um pedaço de áudio fascinante de ouvir, com certeza.

Mas ainda o tenho. É que a gente depois carrega lá nos botõezinhos adequados e atira com aquilo para a pessoa a que pretender fazer chegar e ela tem-no lá, de certeza.


Paulo de Carvalho partilhou com a Renascença a “composição ao iPhone” de “Missangas”. Ouça um excerto no áudio deste Som de Bola, em cima.

Falemos dos reflexos do futebol na sua música. E voltemos aos "Sheiks", que têm duas músicas à volta do tema.

"Portugal é que é o tal" e "Eusébio".

Exactamente. De 1966. Recorda-se de as ter gravado?

Recordo-me totalmente da gravação, porque o Carlos Mendes não pôde ir ao estúdio nessa altura, penso que se calhar nem estava muito de acordo que nós fizéssemos aquilo. Foi um pedido da casa Valentino de Carvalho, para quem gravávamos, por causa do grande entusiasmo de 1966 com a selecção portuguesa e com o Eusébio. Penso que sou eu que canto e há uns coros feitos por nós, o Fernando Chaby e o Edmundo Silva. Creio que o Carlos não está nessas gravações.

Foi então uma encomenda da editora, digamos assim...

Foi, mas uma encomenda muito do nosso agrado. Não fizemos aquilo contrariados. Só que é de uma enorme ingenuidade, ao mesmo tempo dá graça. É a tal história de que eu falei há pouco, que tem a ver com me conseguir rir das coisas que ingenuamente fizemos no tempo dos Sheiks.

Este foi um desses momentos mais ingénuos?

A ingenuidade é total naquelas músicas, mas era o que nós éramos naquela altura. Naquele tempo, éramos aquilo, era aquilo que saía em termos musicais e andávamos todos à procura do que queríamos ser. Mas hoje o Carlos Mendes é quem é, eu sou quem sou dentro da música portuguesa, não é?

É difícil, depois disto, encontrar outras músicas no seu reportório sobre futebol. Tem mais alguma nos seus arquivos, ou escondida na gaveta?

Tenho perdidas no meio daqueles "long play" (LP) que gravei. Mas aí já como crítica à situação extra-futebol e àqueles jogadores que por via de uma lesão, ou da vida, a carreira não lhes corria muito bem e ficavam pelo caminho.

Recorda-se de alguma música especificamente?

Há um disco dos anos 70 que tem uma capa lindíssima do José Luis Tinoco em que falo disso. E ele teve a ideia de fazer uma espécie de um mural onde desenha tudo quanto as cantigas dizem – e uma delas é o futebol. Lembro-me disso perfeitamente, dificilmente vai encontrar esse disco digo-lhe já... (risos)

A capa do LP de Paulo de Carvalho, de 1977, com ilustração do artista plástico e músico José Luís Tinoco (autor das letras de “Um homem na cidade” ou “O teu poema”)

Posso-lhe dizer que, em minha opinião, dois ou três dos melhores LPs que fiz até hoje, ninguém os pode ouvir porque não existem. As editoras não os divulgaram e eu, por outro lado, também nunca me preocupei muito com isso...

E eu não estou a falar só por mim também. Há muita gente do meu tempo que tem LPs com grandes canções que passaram ao lado de uma possível carreira [risos].

Sabemos tudo sobre os americanos, sobre os ingleses... Eu tenho uma forma de dizer isto, que é capaz de não ser muito agradável, mas tem a ver com o meu tipo de humor. Eu sei com mais facilidade a cor das cuecas do vocalista de uma banda da cintura industrial de Londres do que propriamente a vida do [Alfredo] Marceneiro, que me interessava mais, não é?


E depois de procurar a música no arquivo de casa, Paulo de Carvalho apresenta-nos “Chuta agora, vá!”


Alguém se lembrará disto… É um disco que fiz com o trio Araripa, que era um trio de jazz de grandes músicos portugueses: o José Eduardo, contrabaixista, Emílio Robalo, pianista, e o Joãozinho Heitor, baterista.

Paulo de Carvalho assina a letra e a música de “Chuta agora, vá!”

"Vou contar uma história já velha
É a história do chuto na bola,
Começa na secretaria
E que acaba com muito estarola.

Vem o nove e falha um penalty
Bom pretexto no jogo da selva,
Para a malta se erguer na bancada
E se atirar com fúria para a relva.

Logo o socio 1089
Chamou-lhe nomes de fazer corar:
«Esse gosma anda a sacar o nosso
Ele que vá para a estranja jogar».

«Pago cota desde a fundação
Fico sempre no mesmo sector,
Com o patrão é difícil falar,
Mas aqui ninguém leva a melhor».

Chuta, chuta, chuta, chuta, chuta, agora, vá!

Amador ou profissional
Com suor e treinos no duro,
Vais jogar a tua cartada
Dar um chuto que leva ao futuro.

Na bancada e dentro do campo
Muito jogo se tem de fazer,
Esta luta também é de classes
É mais cego o que não quer ver.

O problema é sempre da força
Do desporto contra o capital,
Directores que entram no jogo
Para alcançar promoção social.

E quem ganha no meio disto tudo?
- Quem te avisa teu amigo é,
Quando as coisas te correrem mal
Irás ver quem leva o pontapé.

Portanto
chuta, chuta, chuta, chuta, chuta agora, vá!"


Olhando agora essa letra…

Está tudo na mesma... (risos)

Estaria muito actual. Não teve a ver com nenhum episódio ou personagem da época, em particular?

Não, nada, nada. O futebol sempre foi isto. Melhor, pior, em democracia, antes da democracia. Sempre foi isto. A única coisa que está aqui e que agora já não acontece é o "vai para a estranja jogar". Para o estrangeiro, agora vão quase todos. (risos)

Há ainda um verso a lembrar o futebol no seu "Recado para Chico". Tem até algumas semelhanças com Chico Buarque, muito produtivo compositor e intérprete que também tentou ser futebolista.

É um recado para a música que ele fez, que teve a ver com o 25 de Abril [“Tanto mar”, 1975]. Aliás, eu nunca cantei essa cantiga ao vivo.

Mas o futebol está presente na nossa vida, depois depende da forma como o entendemos, se gostamos dele ou não. Eu gosto muito do jogo. O jogo bola eu gosto muito, o jogo de futebol, a bola aos saltos. O resto não, muito obrigado.

A sua memória mais grata relacionada com o futebol?

Tenho duas, três, quatro, cinco memórias. Tenho bastantes. Posso-lhe dizer que uma das recordações que tenho é de ter ido ao futebol uma única vez com o meu pai. Ele trabalhava em barcos, estava sempre fora, e houve uma vez que ficou por cá e fomos ver um jogo de futebol ao estádio da Luz. Curiosamente, com uma maravilhosa equipa brasileira que era o Santos, aquele Santos do Pelé.

E aquele Santos chegou à Luz e ganhou 5-2 ao Benfica. Mas para mim foi bom ter ido ao futebol com o meu pai e estou-me nem marimbando para que o Benfica tenha perdido daquela maneira ou não, porque o importante foi o eu ter ido com o meu pai. Se tivesse ganho melhor, mas não teve grande importância.

Tem ídolos? Qual é o seu na música?

Pat Metheny. Sempre. Um enorme guitarrista americano, um enorme compositor, uma pessoa por quem eu faço quilómetros para ir ver. Já fiz e vou continuar a fazer. Vai estar muito brevemente em Amarante. Não vou poder estar, mas adoraria estar numa próxima vez. É um dos meus eleitos.

E no futebol?

Tenho, mas vou aproveitar para lhe dizer uma coisa que nunca disse e que me apetece dizer. Nestes últimos anos temos tido, por norma, dois jogadores para aquela coisa do melhor jogador do mundo, que têm sido o Messi e o Cristiano Ronaldo. Depois lá entra o Iniesta, lá entra um ou outro.

E há um jogador de futebol que, curiosamente, termina a sua carreira na selecção do seu país, que é a Suécia, no último jogo, e que tem ganho títulos sucessivos por essa Europa fora, em clubes. Tem sido dos melhores marcadores dos campeonatos por onde passa – e quando digo que tem ganho títulos é na Itália, em França, na Holanda –, e nunca esteve naqueles três escolhidos para ser o melhor da Europa.

Estou-me a referir ao [Zlatan] Ibrahimovic, que é um jogador extraordinário e, ao mesmo tempo, apesar de um pouco controverso, um homem também extraordinário, em meu entender. A injustiça às vezes ultrapassa os golos, as bolas, as bolas à trave, todas essas coisas.


"Som de Bola", por Maria João Cunha (jornalista) e Paulo Teixeira (sonorização). Arquivo Renascença: Ana Isabel Almeida. Ilustração: Ricardo Fortunato

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