Quando foi às compras trouxe mesmo só o que precisa?
Trouxe uma embalagem de amor próprio? Trouxe um frasco de alinhamento pessoal? E uma caixa de empatia?
Veio com muitas embalagens de plástico mumificadas em múltiplas camadas de película aderente (certamente com medo que o conteúdo lhes escape!), ou preferiu antes colocar uma quantidade sensata de um alimento fresco num único saco de plástico?
Teve mesmo que comprar garrafões de água ou a água da torneira serve por ora perfeitamente?
Comeu morangos com açúcar (como lhe fazia a sua avó... e que saudades tem da sua avó!). Pronto! Faz de si uma pessoa menos capaz de levar a bom porto a sua intenção de gerir da melhor forma o seu peso?
Estas e outras tantas interrogações, quer as faça a si mesmo ou não, são legítimas. Fazem parte, a meu ver, do despertar que nos é pedido para o movimento de uma nutrição integral de nós mesmos, onde uma alimentação consciente encaixa como um fato "tailor-made".
Há uma tendência emergente para aplicar as práticas do "mindfulness" à alimentação. O "mindfulness" é essencialmente um conjunto de práticas com raízes orientais que visam alcançar a nossa atenção plena. É uma técnica que nos convida à concentração no presente, nas 24h de HOJE, literalmente, algo que este isolamento social possibilita sem grandes sentimentos de culpa... sem se questionar se pode ou se merece fazê-lo.
É carregarmos no botão “pause” por vontade própria, com uma atitude curiosa e sem julgamentos.
À arte de saber parar para descortinar o que está envolvido na esfera do (tudo menos) simples ato de nos alimentarmos chamamos então alimentação consciente (ou "Mindful Eating"). Esta área pretende cumprir essencialmente dois intentos: por um lado ser uma estratégia para comermos de uma forma mais saudável (através de um consumo alimentar mais calmo, integrado e harmonioso) e, por outro, ser uma forma de trazer mais atenção e satisfação ao ritual de preparação das nossas refeições.
Para melhor se explicar o que é o "mindful eating", ajuda fazermos o exercício de pensarmos na falta dele - "mindless eating" – que é o ato de comermos sem pensarmos nO que estamos a comer (o sabor, a textura, a sua proveniência, etc.), COMO (devagar, sozinhos ou na companhia de amigos, em pé ou à mesa, etc.) nem PORQUÊ (por fome, por razões de saúde, por razões emocionais, etc.).
“O quê? Como? Porquê?” são então perguntas a fazer a si frequentemente. Esta trindade é incontornável quando surge a ideia de querer comer algo e aparentemente não tem justificação fisiológica para isso. O que o move realmente para esta escolha? Haverá sempre uma resposta à sua espera, se estiver permeável para desenvolver tomadas de consciência, fazer pontes entre determinados consumos e eventuais cenários ou vivências do foro emocional e conseguir encontrar padrões no que antes considerava meras coincidências circunstanciais.
Como estou eu em termos da minha valorização pessoal e do meu alinhamento com os valores que defendo?
Esta questão está diretamente relacionada com a forma como nos alimentamos. Se estiver desperto para aceitar e integrar em si o seu valor, para treinar todos os dias a noção de merecimento e para dizer agora alguns “nãos” quando se forçou outrora a dizer alguns “sins”, tudo fará de bom grado para garantir a melhor nutrição do seu corpo.
Na exata medida do seu posicionamento sobre estas reflexões verá espelhada muito do que é a sua relação com a comida. Se carrega “mochilas” que não são a sua, vivências que não foram realmente transmutadas, graus de exigência atrozes com os outros, mas essencialmente consigo, se se permite dar o papel principal à opinião e validação dos outros em relação a si, então está a carregar um fardo muito superior à sua mera condição humana. O que escolhe comer (ex: bolachas), a forma como o faz (ex: no final de um exigente dia de trabalho, ou a seguir a deitar os seus filhos e de preferência sem o olhar acutilante do seu parceiro que come o que quiser que, raios!, nunca engorda) e a roupagem emocional que lhe dá, são dimensões de um valor inestimável para se conhecer.
Do Céu para a Terra
Estivéssemos todos sentados no Olimpo, em exercício pleno das tomadas de consciência que nos impelem para as nossas escolhas alimentares e para comer de determinada forma...
Na realidade não estamos, mas mesmo assim não deixamos de ser os maestros da nossa orquestra! E qualquer hábito, antes de o ser, não é mais do que um sem número de ações repetidas (muitas vezes com grande taxa de esforço), a que chamamos disciplina.
Não ligue o “complicómetro”. Adapte-se!
Nesta pandemia que vivemos com os nossos perto ou longe voltámos a navegar “por mares nunca dantes navegados”, e é urgente reorientarmos os nossos radares para aquilo que é efetivamente essencial para nós. Desapegarmo-nos. Reinventarmo-nos.
Por isso, no que ao nosso estilo alimentar atual diz respeito:
- Redefina rotinas, mas não fuja delas (ex: horários regulares para comer, para acordar e se deitar);
- Seja criativo (talvez agora mais do que nunca!), mas não invente o que já foi inventado – use a Rodas dos Alimentos; aplique na medida do que lhe for possível a palete de cores que ela tem! Deste modo conseguirá garantir todos os nutrientes nas quantidades adequadas para as solicitações atuais do seu organismo;
- Numa casa de quatro cozinhe como se fossem 12; terá logo duas refeições adiantadas. Acima de tudo vai poupar-se a si!
- Reaproveite. “Estava tão bom que não sobrou nada... só o molho no fundo tacho!” Boa! Verta-o para um recipiente preferencialmente de vidro e congele-o. Já tem um caldo caseiro pronto a usar quando lhe apetecer;
- Dê uma volta ao enxoval ou aos presentes daquela tia ou avó muito prendadas, a ver se encontra por lá guardanapos de pano. Se tiver essa sorte, use-os agora!
- Falar de água nunca é demais! Tenha sempre uma garrafa de água visível na sua sala, quarto e cozinha. Serão lembretes constantes dum aspeto que fica muito descuidado quando quebramos as nossas rotinas;
- Relembre os ensinamentos da Mãe Terra e o seu grande poder nutridor. Use plantas, ervas, especiarias na sua alimentação. Exemplos: curcuma para os temperos e alecrim para uma infusão. Além de se manterem conservados por muitos meses, têm propriedades naturais que atuam ao nível do reforço imunitário (curcuma) e do sistema humoral (alecrim);
- Faça esforços para regular a sua “torneira” do stresse e procure fazer atividades que o ajudem a estar calmo. O nosso sistema imunitário está intimamente ligado com a nossa inteligência emocional, por isso aprenda a relativizar!
- Ria! Ria muito! Principalmente das falhas ou daquilo que não correu tão bem hoje. Vai sentir menos necessidade de procurar um alimento com a função (muitas vezes inconsciente) de se anestesiar.
- Arranje uma “bolha de oxigénio” todos os dias só para si. Mesmo que sejam só uns minutinhos nutra-se, lendo duas ou três páginas de um livro, ouvindo uma música ou deitando-se no sofá só pelo puro prazer de parar e se permitir;
- Tenha aquela conversa que nunca chegou a ter; arrume assuntos que o andam a remoer (as tais “mochilas”) ou simplesmente diga a si mesmo “estou tão orgulhoso de mim!”;
- Mime a sua família da alma. Pessoas de sangue ou não, a quem abriu a porta do seu coração e que sabe que estarão lá para si incondicionalmente;
Por fim... AGRADEÇA! Agradeça em primeiro lugar a si por ser quem é, por ter uma visão da próxima versão em que se pretende tornar e, não menos importante, de não se estar a escusar ao trabalho que isso vai requer de si.
* Ana Guimarães é nutricionista na rede Hospital da Luz desde 2005. Licenciada em Ciências da Nutrição pela FCNAUP (cédula 0636N), atua essencialmente segundo a metodologia do "coaching" e do "mindful eating".