Nem a pandemia a travou. A líder da oposição bielorrussa veio a Lisboa tentar sensibilizar o Governo português para a necessidade de defender a causa dos bielorrussos, tendo em conta que Portugal ocupa a Presidência do Conselho da União Europeia. Encontrou-se com o primeiro-ministro António Costa, o ministro dos Negócios Estrangeiros Augusto Santos Silva e outras personalidades como Durão Barroso, Fernando Medina e João Soares.
Visitou o Museu do Aljube, liderado pela antiga deputada comunista Rita Rato. Em entrevista à Renascença, registada num hotel de Lisboa, com discreta mas forte segurança pessoal, explicou o que quer da Europa e garante que não está à frente de uma "oposição normal" e usou a resposta mais longa para falar de uma nova relação com a Rússia.
Sente-se segura aqui em Lisboa?
Sim, sinto-me segura. Sinto-me realmente segura em toda a União Europeia. Não tenho ameaças do povo europeu contra mim.
Poderia ter tido este tipo de reuniões por Zoom, mas decidiu vir aqui. Porquê?
É muito mais poderoso falarmos pessoalmente do que por Zoom.
As reuniões deram bons resultados?
Sim, estou muito satisfeita com todas as reuniões que tive. Senti o apoio pessoal das vossas autoridades. Portugal defende os direitos humanos, em solidariedade para com o povo bielorrusso em luta.
Isto acontece apenas porque Portugal está a ocupar a presidência do Conselho da União Europeia?
É uma das razões. Portugal é importante agora porque preside ao Conselho da UE e pode manter a Bielorrússia na agenda da União Europeia. É também muito importante criar uma missão de alto nível que siga todos os processos bielorrussos. Como presidente do Conselho da UE, Portugal está a organizar a cimeira da Parceria Oriental neste verão. Queremos que o povo bielorrusso seja convidado para esta cimeira e não as autoridades bielorrussas ou representantes do regime.
Está satisfeita com a posição que a União Europeia tem vindo a assumir em relação à Bielorrússia? A União Europeia pode fazer mais para ajudar o seu povo?
É o nosso povo que está a sofrer. Nada é suficiente. Claro que a União Europeia pode ser mais corajosa e mais forte nas mensagens. Pode fazer muito mais, pode dar mais atenção à questão bielorrussa. Entendo que todos os dias há muitas notícias em todo o mundo, mas as pessoas estão a sofrer neste momento na Bielorrússia. Todas as ações devem ser urgentes.
As sanções são suficientes?
O que já foi imposto não chega, a quantidade de pessoas é muito pequena. São apenas 80 pessoas nesta lista. São pessoas que estão ou estiveram envolvidas em violações e atrocidades. Há juízes a condenar pessoas realmente inocentes. Essas pessoas têm que estar na lista de sanções, que tem que ser expandida para números realmente grandes.
Que tipo de garantias obteve do lado português?
Portugal garantiu que fará o seu melhor como presidente do Conselho da UE. Está ao mais alto nível. E que mostrarão a sua solidariedade ainda de outras formas, tomando a palavra sobre as questões bielorrussas, defendendo a libertação de prisioneiros políticos e organizando iniciativas diferentes de solidariedade como manifestações ou colocando as cores branca e vermelha em diferentes edifícios. Pedimos aos deputados que assumam a questão dos presos políticos.
Acha que a Europa está unida em torno da Bielorrússia? Sente diferenças entre os estados membros da União Europeia?
Claro que existem alguns países que não estão tão envolvidos na situação da Bielorrussia, mas não impedem que outros países o façam, nomeadamente através do pacotes de sanções. É curto, mas ainda assim foi imposto e o para fazer, o acordo de todos os países é importante. Claro que haverá países que são mais vocais em relação à Bielorrússia. Isto depende de cada líder. Não podemos fazer com que alguém fique connosco. É uma decisão de cada um.
A vossa estratégia passa por pedir novas eleições e a libertação de presos. Quais são os outros tópicos prioritários na vossa agenda?
Temos que organizar um diálogo entre o regime e o povo para que seja discutida a realização de uma nova eleição. E para organizar esse diálogo, precisamos de ajuda da União Europeia. A OSCE pode não ser a única, mas talvez seja a plataforma principal onde esse diálogo pode ter lugar, porque a Bielorrússia e a Rússia estão na OSCE. Esse é o nosso próximo objetivo mais próximo, organizar esse diálogo. Realizar novas eleições é a meta final.
Houve muitas críticas em relação à recente viagem do Alto Representante para a Política Externa da União Europeia a Moscovo. As relações entre a Rússia e a Europa são muito importantes também para o processo da Bielorrússia. Gostaria que a União Europeia fosse mais longe em relação à Rússia?
Sabe, durante 26 anos, Lukashenko costumava ter apenas um amigo por perto, o Kremlin. Vladimir Putin é a única pessoa que pode influenciá-lo porque eles estão em comunicação. Se a União Europeia pode envolver a Rússia neste processo de diálogo pacífico e de transição de poder pacífica, se isso ajudar os prisioneiros, que assim seja, não importa. Nós agradecemos. Mas vemos desde o início que Putin apoia Lukashenko, mesmo que esse apoio não seja agora tão evidente. Ainda assim Lukashenko visitou Sochi recentemente e não sabemos o que é que eles falaram.
Mas tenho que repetir que entendemos que a Rússia é importante. Temos grandes relações comerciais com a Rússia. Mas sempre declaramos que esta não é uma questão russa. A questão está na Bielorrússia. Sabemos que Putin e Lukashenko sabem como se entender, foram convenientes um ao outro mesmo que não sejam amigos de verdade como querem fazer parecer. Não sei porque é que o Kremlin tem medo da mudança de poder na Bielorrússia. Uma nova pessoa virá e tenho certeza que iremos negociar com a Rússia da mesma forma, mas queremos que essas relações sejam mais transparentes e claras. E o único medo que penso que a Rússia tem é que eles não podem permitir que a oposição vença, porque o mesmo pode acontecer na Rússia. Mas tome nota que não somos uma oposição na acepção normal desta palavra. Somos a maioria do povo bielorrusso e é claro temos que cuidar da Bielorrússia futura. Todas aquelas pessoas que estão a trabalhar em lugares nos ministérios ou em departamentos de polícia vão ficar nos seus cargos, exceto aqueles que cometeram crimes realmente graves. Podemos construir o nosso relacionamento com a Rússia a um outro nível, num nível melhor.
Apertaria a mão de Putin na próxima fase, no dia seguinte ao fim do regime de Lukashenko?
Acho que um novo presidente fará isso, se necessário.
No dia seguinte, precisará de ter boas relações com a Rússia. É isso?
Com o povo russo, sim. Não somos contra a Rússia, somos amigos da Rússia. Mas, sabe, a Rússia é grande e o Kremlin e a Rússia estão em pontos diferentes. O povo russo apoia o povo bielorrusso. E lamentamos que o Kremlin tenha escolhido apoiar a violência e a tortura
O que vai mudar em termos de relações internacionais se assumir o poder na Bielorrússia ? Relações com a União Europeia, pertença a organizações internacionais, têm um programa sobre isso?
Nós queremos fazer amizade com todos os países. Não queremos escolher um país e trabalhar com ele. Sabemos que o povo bielorrusso é muito trabalhador e que diferentes sectores de nossa economia estão a desenvolver-se. Queremos atrair investimentos para a Bielorrússia para desenvolver todas as esferas da economia bielorrussa. Criaremos novas ligações económicas com a Europa apenas para desenvolver o nosso país.
Esteve reunida com o ex-presidente da Comissão Europeia Durão Barroso. Porquê?
Porque é um político experiente. E foi realmente uma reunião muito calorosa. Vi que ele realmente queria ajudar. Discutimos diferentes abordagens para o nosso problema e precisamos de conselhos. Talvez a nossa situação seja diferente aos olhos de pessoas experientes. Elas conhecem o mundo, sabem como isto funciona. Passaram por tudo isso através de, digamos, revoluções e conflitos. Aprendemos muito com essa conversa.
Tem receios em relação ao processo de extradição na Lituânia?
Não tenho medo da extradição, porque estou certo de que a Lituânia e todos os países europeus são amigos das pessoas que foram mandadas para fora do país por questões políticas. Sinto-me segura aqui. De todas as coisas de que sou acusada no país, não há nada ligado com a verdade. Portanto, tenho certeza de que não haverá vontade política para me extraditar
Voltamos então à primeira pergunta. Sente-se tão seguro na Lituânia como hoje em Lisboa?
Sim, da mesma forma. Sinto-me muito segura na União Europeia.