Os aliados dos Estados Unidos mostram-se surpreendidos com a decisão de Donald Trump de fazer regressar os cerca de dois mil soldados que combatiam o Estado Islâmico na Síria.
O presidente norte-americano diz que já não há motivo para a presença da força militar americana no país, uma vez que o ISIS – o autodenominado Estado Islâmico – já foi derrotado.
“Estamos a lutar há já muito tempo na Síria. Sou presidente há quase dois anos e nesse período intensificámos e ganhámos contra o Estado Islâmico. Agora que ganhámos, é altura de voltar. Os soldados estão a preparar-se e vão vê-los em breve. São grandes heróis americanos e do mundo, porque lutaram por nós, mas derrotaram o Estado Islâmico, que fere o mundo. Por isso, eles agora vão voltar”, disse Trump esta quinta-feira.
Segundo a imprensa norte-americana, o plano de Trump não é apoiado pelo Pentágono, cujas chefias militares consideram prematura uma retirada, no âmbito da guerra civil que se arrasta há quase oito anos.
O secretário de Estado Tobias Ellwood, do Ministério da Defesa do Reino Unido, classificou o passo de "errado", no Twitter, avisando que o Estado Islâmico não desapareceu, apenas mudou e a ministra francesa para os Assuntos Europeus, Nathalie Loiseau, disse que as forças do seu país não vão sair da Síria. “Por enquanto, vamos permanecer na Síria, claro, porque o combate ao Estado Islâmico é essencial”. A França tem cerca de 1,100 forças regulares na Síria, incluindo dezenas de forças especiais e conselheiros militares.
Já o primeiro-ministro israelita diz que respeita a decisão, mas alerta que Israel defenderá a sua segurança, protegendo-se naquela frente.
Federação Democrática ameaçada
Ninguém, contudo, está mais alarmado com este anúncio de Washington do que as Forças Democráticas da Síria, um grupo liderado pelos curdos do YPG que controla grande parte do nordeste do país.
As FDS são uma coligação de forças curdas, cristãs e árabes que se orgulha de ter estabelecido a única região verdadeiramente democrática na Síria, onde existe paridade entre homens e mulheres para todos os cargos oficiais e cada comunidade étnica e religiosa contribui para o Governo do território, apelidado de Federação Democrática do Norte da Síria, gerindo diretamente os assuntos que dizem respeito ao seu povo. Por exemplo, as escolas cristãs são livres de educar os seus alunos segundo o seu próprio currículo e na sua língua ancestral, o siríaco, em vez de usar o currículo árabe de Damasco.
As FDS têm encabeçado a luta contra o Estado Islâmico no terreno, com o apoio crucial dos Estados Unidos e outros aliados ocidentais, mas com a retirada dos americanos dizem que essa missão fica seriamente ameaçada e que o grupo terrorista pode reerguer-se.
A concretizar-se, a retirada americana deixa ainda as Forças Democráticas da Síria mais expostas às investidas turcas e de Damasco. A Turquia considera as YPG, que formam a maior parte das FDS, uma extensão do grupo terrorista curdo PKK, que trava uma guerra de décadas contra o Estado na Turquia. Forças turcas já ocuparam parte da Síria, junto à fronteira, expulsando as FDS do território, e só a presença de militares americanos noutras cidades tem impedido Ancara de avançar mais.
Oficialmente as FDS opõem-se ao regime de Bashar al-Assad, mas enquanto existir um inimigo comum, como é o Estado Islâmico, tem-se seguido um pacto de não-agressão. Mas com grande parte do resto do território da Síria garantido, as Forças Armadas da Síria poderão aproveitar o vazio deixado pela saída dos americanos para começar a pressionar a Federação Democrática. Damasco não tem qualquer interesse em deixar florescer um regime federal e democrático no seu território.