O presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) tem dúvidas “sobre a efetiva legalidade” de uma lei da eutanásia que não foi submetida à discussão pública, e que não chegou ao “conhecimento sequer das instituições que deviam ser necessariamente consultadas”.
Em entrevista à Renascença, D. José Ornelas afirma que “é inaceitável que o Parlamento se arrogue no direito de decidir sozinho".
O também bispo de Setúbal afirma que o comportamento do Parlamento “não dignifica as instituições, nem garante a democracia e a transparência”.
Que tem a dizer sobre o facto de a eutanásia estar a ser novamente votada?
É questionável a oportunidade, neste momento e à pressa e sem dar conhecimento sequer ao publico e às instituições que deviam ser necessariamente consultadas, de apressar uma coisa destas pela agenda que este Parlamento se propôs. Não me parece que isto dignifique as nossas instituições nacionais e sobretudo o garante da democracia, da transparência e da dignidade humana que deve ser o nosso parlamento. Portanto, é duplamente lamentável porque já na primeira ocasião em que foi aprovada a primeira versão da lei, depois acabou de facto por se manifestar inconstitucional em alguns dos seus aspetos, dada a pressa de legislar. Que agora se repita, e ainda com maior contingência e negligencia, esta falta de debate publico de um projeto que nem sequer é conhecido da opinião publica e num assunto que a todos diz respeito, acho que é sumamente lamentável.
A presidente do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida defendeu em entrevista à Renascença que este tema devia ser referendado, a Igreja embora ressalve que a vida não se referenda, encontra no referendo o mal menor?
Isso foi o que sempre dissemos. É uma questão civilizacional e admito com toda a clareza que possa haver opiniões diferentes sobre esta questão. A Igreja chama a atenção para valores que são superiores à necessidade de atender e de resolver com muita praticidade as questões do sofrimento e da vida. Acho que não é este o caminho que se deve tomar. Quanto ao resto, acho que sim. Acho que no mínimo tinha de haver uma discussão publica mais alargada que não houve nem da primeira, nem da segunda vez.
Nesta perspetiva tem alguma expectativa sobre qual será o futuro comportamento do Presidente da República?
Atendendo à pluralidade de opiniões que pode haver sobre isto, acho que o que é realmente inaceitável é que o Parlamento, numa matéria tão grave e tão discutida como esta, sem apresentar publicamente o assunto e às instituições que deviam necessariamente ser consultadas, se arrogue o direito de decidir sozinho. Isto parece-me contrário àquilo que se pretende de uma cidadania que se quer participativa e que se quer transparente, para que as leis da República possam ser claramente aceites e referendadas.
Nessa perspetiva, insisto, tem alguma expectativa sobre qual será o comportamento do Presidente? Pensa eventualmente no veto político?
Isso evidentemente é matéria do Presidente. Agora há um consenso geral sobre o que se pretende das leis: que sejam submetidas a uma discussão publica. Que esta lei passe sem ser conhecida das instituições, lança-me muitas dúvidas sobre a sua efetiva legalidade, que é o mínimo que se pretende de uma lei num assunto tão importante.