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O Prémio Nobel da Física deste ano é novamente tripartido, anunciou o secretário-geral da Academia, Göran K. Hansson, nesta terça-feira. Roger Penrose, Reinhard Genzel e Andrea Ghez são os cientistas premiados pelos trabalhos sobre os segredos negros do Universo.
É a quarta vez que este prémio é atribuído a uma mulher. A norte-americana Andrea Ghez mostra-se muito satisfeita com o facto e espera “poder inspirar outras mulheres a entrar neste campo de investigação, onde há tanto para descobrir”, afirmou aos jornalistas na sala da Academia Nobel, via telefone.
Antes de Ghez, ganharam este Nobel Marie Curie (1903), Maria Goeppert Mayer (1963) e Donna Strickland (2018).
Roger Penrose, Reinhard Genzel e Andrea Ghez são os galardoados deste ano pelas suas descobertas sobre o buraco negro – um dos fenómenos mais exóticos do universo, nas palavras dos responsáveis da academia.
Penrose é distinguido pela “descoberta que a formação do buraco negro é uma consequência direta da teoria geral da relatividade”; Genzel, do Instituto Max Planck, e Ghez recebem o prémio pela “descoberta de um objeto compacto e supermassivo no centro da nossa galáxia”.
"As descobertas dos laureados deste ano abriram novos caminhos no estudo de objetos compactos e supermassivos", afirmou David Haviland, presidente do Comité Nobel de Física.
"Mas esses objetos exóticos ainda apresentam muitas questões que imploram por respostas e motivam pesquisas futuras", acrescentou.
Os cientistas vão receber um montante de 10 milhões de coroas suecas (953.554 milhões de euros). Roger Penrose, professor da Universidade britânica de Oxford, receberá metade do prémio (cerca de 950 mil euros), enquanto Andrea Ghez e Reinhard Genzel, ambos professores da Universidade da Califórnia, repartirão o resto.
O prémio vai ser entregue em dezembro, num ambiente que o secretário-geral da academia gostaria que fosse de festa.
Em Estocolmo, durante o anúncio, o secretário-geral da Academia lamentou os condicionalismos impostos pela pandemia, nomeadamente o limite ao número de jornalistas presentes, e adiantou que, pelas mesmas razões, quer as palestras dos laureados quer a cerimónia de atribuição do prémio se realizarão remotamente, por videoconferência.
O Nobel da Física é o segundo a ser conhecido. Na segunda-feira, três cientistas ganharam o prémio da Medicina pela descoberta da hepatite C na segunda-feira.
A portuguesa Elvira Fortunato era uma das apontadas como candidata ao Nobel da Física – o que, na sua opinião, é ainda uma miragem. “Ainda sou relativamente nova e geralmente os galardoados têm muito mais idade. Acho que ainda tenho um longo caminho a percorrer”, disse à Renascença.
A idade não impediu, contudo, que Maria Goeppert-Mayer recebesse o Prémio em 1963. Tinha 57 anos e foi distinguida pelo seu trabalho sobre a estrutura de átomos no escudo nuclear.
Elvira Fortunato é a “mãe” do transístor de papel e venceu, em 23 de setembro, o prémio europeu "Horizon Impact Award 2020" pelo desenvolvimento do primeiro ecrã transparente.
Em 2019, o Nobel da Física foi atribuído a James Peebles, Michel Mayor e Didier Queloz pelos contributos dados ao entendimento da estrutura e história do Universo.
Um ano antes, o prémio também foi tripartido. Arthur Ashkin, Gérard Mourou e Donna Strickland foram distinguidos pelas suas “invenções transformadoras no campo da física laser”.
O primeiro Nobel atribuído nesta área foi Albert Einstein quem o recebeu, em 1921, pela descoberta da Lei do Efeito Fotoelétrico.
Os Prémios Nobel foram criados pela vontade do inventor da dinamite e empresário sueco Alfred Nobel e são atribuídos desde 1901.
As cerimónias deste ano decorrem sob a sombra da pandemia de Covid-19, que reduziu muitas das festividades usuais e enviou o mundo científico à corrida para desenvolver uma vacina e um tratamento.
Buracos negros são ainda um grande enigma
Andrea Ghez admitiu, em resposta às questões dos jornalistas, que nenhum cientista sabe exatamente o que se passa dentro de um buraco negro, daí o fascínio da ciência por eles.
"Não sabemos. Não fazemos ideia do que está dentro de um buraco negro. É isso que faz deles objetos tão exóticos, tão intrigantes. Eles representam o colapso do nosso entendimento das leis da Física", afirmou a física e astrónoma norte-americana ao telefone, em direto para a cerimónia do anúncio do prémio, em Estocolmo.
Questionada sobre o facto de ser a quarta mulher a receber o Nobel da Física, Andrea Ghez afirmou esperar que "inspire outras jovens mulheres a seguir a área", salientando que a "perceber a realidade do mundo físico é crucial para os seres humanos".
O membro do comité do Nobel Ulf Danielson disse aos jornalistas que "Reinhard Genzel e Andrea Ghez provaram que os buracos negros existem", um trabalho desenvolvido ao longo de décadas.
Fizeram-no usando equipamento muito sofisticado, com o qual "monitorizaram estrelas em órbita de algo que não conseguiam ver".
No entanto, frisou, o caminho já tinha sido aberto por Roger Penrose, que a partir de meados da década de 1960 "lançou as bases teóricas que permitiram dizer que estes objetos existem e que podem ser encontrados se se for à procura deles".
"Antes de Penrose, isso estava longe de ser claro. Ele compreendeu a matemática e introduziu ferramentas novas que permitiram provar o processo através do qual [os buracos negros] ocorrem naturalmente", descreveu.
Até lá, com inspiração na teoria geral da relatividade do físico Albert Einstein, "pensava-se que seriam apenas artefactos matemáticos que não se podiam formar na realidade".
"O nosso entendimento atual dos buracos negros é que são regiões no espaço com uma gravidade tão forte que nem a luz consegue escapar-lhe", resumiu.
A teoria geral da relatividade, aplicada aos buracos negros, prevê que quando se atinge o seu limite – o horizonte de um buraco negro – o tempo e o espaço ficam distorcidos ao ponto de o tempo, a que normalmente "não se consegue escapar, nem fazer voltar para trás", passa a mover-se inexoravelmente para o centro do buraco negro.
"É tão difícil sair de um buraco negro como voltar atrás no tempo", disse Ulf Danielson.