António Guterres encerrou o primeiro ciclo da corrida a secretário-geral das Nações Unidas só com vitórias: cinco escrutínios, cinco vitórias.
Com o mesmo número de votos que teve na anterior “straw poll” – 12 encorajadores, dois desencorajadores e um sem opinião – o antigo primeiro-ministro português deixou os seus rivais na corrida ainda a maior distância.
Nesta quinta votação houve uma troca de posições entre o ministro dos Negócios Estrangeiros eslovaco, Miroslav Lajcak, e o seu ex-homólogo sérvio Vuk Jeremic. Lajcak desceu a terceiro, passando de uma votação de 10-4-1 para 8-7-0 e, por via disso, Jeremic subiu a segundo, mas com uma votação inferior à do escrutínio anterior (8-6-1). A 9 de Setembro tinha tido 9-4-2.
Ou seja, os dois candidatos mais próximos de Guterres perderam votos, enquanto o português manteve o seu “score” intacto. Um aspecto relevante é que quer Jeremic, quer Lajcak, têm um número significativo de votos negativos – respectivamente seis e sete, em quinze possíveis – o que é um mau indício para a próxima fase da corrida.
Recorde-se que Jeremic foi apontado na semana passada pelo Wall Street Journal como o “único candidato louvável” para ocupar o cargo de secretário-geral, num editorial crítico de Guterres, que acusou de ter gerido mal o Comissariado para os Refugiados durante os dez anos em que o liderou.
Uma fonte governamental portuguesa disse à Renascença que a posição do jornal conservador americano não tinha perturbado nada a candidatura de Guterres e que em certo sentido só vinha sublinhar a sua independência.
Uma das características positivas da candidatura portuguesa é que Guterres não foi considerado até agora o candidato de nenhuma potência em particular. “Nem é o candidato dos americanos, nem dos russos, nem dos chineses, nem dos ingleses, nem dos franceses. Avançou sem qualquer desses apoios e isso tem sido uma mais-valia apreciada pela generalidade dos países na ONU”, explicou à Renascença a fonte governamental, convicta de que se houvesse uma votação na Assembleia Geral, Guterres ganharia por cerca de dois terços.
No escrutínio desta segunda-feira todos os candidatos perderam votos positivos, à excepção da argentina Susana Malcorra e da moldava Natalia Gherman, que mantiveram as votações fracas que já tinham. Os restantes trocaram posições relativas, mas à custa de perdas alheias e não ganhos próprios. Foi o caso do esloveno Danilo Turk, que subiu de sétimo para quarto lugar, mas com pior “score” – passou de seis votos negativos para sete.
O caso mais relevante talvez seja o da directora-geral da UNESCO, a búlgara Irina Bokova, que manteve a sexta posição, mas viu aumentar os votos negativos de cinco para sete e baixar os positivos de sete para seis. Este desaire por ser-lhe fatal, já que o governo búlgaro tinha manifestado o seu descontentamento com a performance de Bokova e um ministro de Sofia disse mesmo que se ela não melhorasse a sua posição provavelmente retiraria a candidatura.
Georgieva avança?
Na forja estará a candidatura da actual comissária europeia Kristalina Georgieva, aparentemente com o empenhamento do Partido Popular Europeu e o apoio da Alemanha, entre outros países da União Europeia. A chanceler Angela Merkel terá tentado convencer o presidente russo Vladimir Putin da bondade dessa candidatura durante a cimeira do G20 recentemente realizada na China.
Mas a reacção de Putin foi bastante negativa. O líder russo manifestou a sua oposição publicamente, dizendo que a Bulgária já tinha uma candidata – Irina Bokova que terá o apoio de Moscovo – e que nunca tinha sido lançada nenhuma candidatura com o apoio de outro país que não o próprio.
Não há nada nas normas das Nações Unidas que o impeça, mas seria de facto inédito. E também não há prazos encerrados para apresentar candidaturas. Formalmente, nada impede portanto Georgieva de avançar, mas o facto de este ano a escolha estar a ser feita de forma pública e transparente cria dificuldades a uma candidatura de última hora.
Os restantes candidatos submeteram-se a entrevistas e debates públicos perante a Assembleia Geral da ONU, o que permitiu a todos os países formular juízos sobre cada um deles. Caso surja agora uma nova candidatura, não se vislumbra como poderia isso suceder, o que colocaria essa candidatura em posição de vantagem formal, mas em desvantagem politica.
Depois de a generalidade dos países ter aprovado o processo público de escolha do novo secretário-geral dificilmente poderia simpatizar com uma candidatura que se subtraísse a esse processo e proviesse apenas de jogos de bastidores diplomáticos.
Contudo, o maior problema de uma eventual candidatura da comissária europeia será mesmo a Rússia. Após a reacção pública de Putin à proposta de Merkel, que os alemães classificaram mesmo como “hostil”, o veto de Moscovo a Georgieva parece garantido. E neste quadro não se entende por que avançará a búlgara, já que se sujeita a uma humilhação no Conselho de Segurança. A mesma fonte governamental portuguesa revelava à Renascença a sua perplexidade pelo empenhamento da Alemanha nesta candidatura, cujas motivações considera estranhas.
Votações decisivas
Encerrada pois esta primeira fase, espera-se agora que alguns dos candidatos mais mal colocados se retirem da corrida. O mês de Outubro trará votações diferentes e decisivas. A partir de agora, as votações dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança serão feitas em boletins de voto de cores diferentes dos restantes dez membros não permanentes. Ficar-se-á assim a saber se algum dos países com direito de veto tem objecções de fundo à candidatura de Guterres.
Até agora os indícios surgidos apontam para a inexistência de oposição relevante a Guterres entre os cinco membros permanentes. França e China parecem ser os países com maior simpatia pela candidatura portuguesa, enquanto EUA, Rússia e Reino Unido mostraram abertura e nenhuma hostilidade. Mas certezas só surgirão quando se for a votos.
Nos meios diplomáticos e governamentais portugueses a prudência ainda supera o optimismo. Há naturalmente confiança na força da candidatura de Guterres, que na semana passada desenvolveu aqui em Nova Iorque intensa actividade diplomática, em paralelo com a do presidente da República e do ministro dos Negócios Estrangeiros, mas os responsáveis portugueses não dão nada por adquirido. Uma prudência fundamentada na enorme experiência da diplomacia portuguesa.
A primeira votação da segunda fase está marcada para a primeira semana de Outubro e o Conselho de Segurança espera ter a questão resolvida no próximo mês.
Assim que um candidato reunir nove votos entre os 15 países membros e a aprovação de todos os membros permanentes – Estados Unidos, Rússia, China, Reino Unido e França – o Conselho de Segurança recomendará o seu nome para aprovação pela Assembleia Geral.