​Operação Miríade. Ministro da Defesa quis evitar novo caso Tancos, diz antigo diretor da Judiciária Militar
12-11-2021 - 10:29
 • Marina Pimentel , Cristina Nascimento

No programa desta semana "Em Nome da Lei" debate-se a polémica em torno do alegado caso de tráfico de diamantes, ouro e drogas protagonizado por militares portugueses em missões das Nações Unidas na República Centro-Africana.

O ministro da Defesa está cada vez mais pressionado a dar explicações sobre a polémica em torno do caso de tráfico de diamantes, ouro e droga por militares portugueses na República Centro-Africana. PSD, Bloco de Esquerda e PCP pediram a audição urgente de João Gomes Cravinho porque querem saber, entre outros, por que não informou o Presidente da República e o primeiro-ministro.

Em declarações ao programa da Renascença “Em Nome da Lei”, o antigo vice-diretor geral da Polícia Judiciária Militar, coronel Vitor Gil Prata defende que a decisão do ministro da Defesa de não informar nem Marcelo Rebelo de Sousa, nem António Costa pode estar relacionada com a vontade de evitar que se repetisse o caso de Tancos.

“Toda a gente esquece, mas o sr. ministro da Defesa Nacional e o Chefe da Casa do Militar do senhor Presidente estiveram a ser investigados por uma certidão extraída do processo principal por violação do segredo de justiça”, lembra.

Já o penalista Paulo Saragoça da Matta defende que Gomes de Cravinho devia ter informado o primeiro-ministro que, por sua vez, teria de comunicar ao Presidente da República.

Saragoça da Matta afirma que não faz sentido informar umas entidades, no caso as Nações Unidas, e não outras, invocando o segredo de Justiça.

“Se são pareceres jurídicos que aconselham a que não seja feita a comunicação por razões de segredo de justiça, porque é disso que se está a falar segredo de justiça para tutelar a investigação criminal, então as mesmas razões deveriam ter levado a não comunicar a uma organização internacional, cuja comunicação poderá ainda potenciar mais as fugas a esse mesmo segredo de justiça”, diz o especialista.

Saragoça da Matta acrescenta ainda que “o Chefe do Estado e o Chefe do Governo ficariam obrigatoriamente sujeitos ao segredo de justiça na estrita medida em que lhe era comunicado um facto ou ato processual sujeito a segredo de justiça, que é o que diz o Código de Processo Penal”.

Também o presidente do Observatório de Segurança, Criminalidade Organizada e Segurança (OSCOT), António Nunes, considera incompreensível que Marcelo Rebelo de Sousa tenha sido mantido na ignorância pelo ministro Gomes Cravinho.

“O sr. Presidente da República é o Comandante Supremo das Forças Armadas e, como tal, eu não aceito que qualquer facto de importância vital para imagem das nossas Forças Armadas e da nação portuguesa não lhe seja comunicado”, argumenta.

“Temos de distinguir aquilo que são os atos isolados de meia dúzia militares ou ex-militares daquilo que é o papel estruturante fundamental não só para Portugal no mundo como também para o prestígio das Forças Armadas que sempre fizeram em todas as missões internacionais e em particular na República Centro-Africana”, remata.

A opinião é partilhada pelo major-general Raul Cunha que, diz, para um militar habituado a seguir a cadeia de comando não podia ser mais estranho o lapso de comunicação aos Chefes do Estado e do Governo.

“Era simples, era seguir só a cadeia hierárquica. O comandante da Força comunicou ao Chefe de Estado Maior General das Forças Armadas, este comunicou ao Ministro da Defesa e este comunicava ao Primeiro-Ministro que por sua vez informava o Presidente da República. Era assim. Porque é assim que as coisas devem funcionar”, explica o antigo comando e capacete azul ao serviço da ONU no Kosovo.

O programa “Em Nome da Lei” vai para o ar da Renascença aos sábados, depois do meio-dia.