A ex-presidente da Associação das Vítimas do Incêndio de Pedrógão Grande acusou esta quarta-feira a Câmara Municipal de Pedrógão Grande de “interpretação forçada do que não estava escrito” no regulamento do Fundo Revita quanto à prioridade de reconstrução das casas.
Numa audição na comissão eventual de inquérito parlamentar à atuação do Estado na atribuição de apoios na sequência dos incêndios de 2017 na zona do Pinhal Interior, na Assembleia da República, em Lisboa, Nádia Piazza afirmou que “em Figueiró dos Vinhos e em Castanheira de Pera não houve problemas na interpretação” do regulamento do Fundo Revita, criado para gerir donativos no apoio às populações e à revitalização das áreas afetadas pelos incêndios.
“Como é que em dois concelhos o regulamento foi bem interpretado, bem aplicado, não houve problemas, e no outro houve problemas?”, questionou a ex-presidente da Associação das Vítimas do Incêndio de Pedrógão Grande, em resposta aos deputados, considerando que “o regulamento era claro”.
Na perspetiva de Nádia Piazza, a Câmara de Pedrógão Grande fez “uma interpretação forçada do que não estava escrito” no regulamento do Fundo Revita, numa atuação que teve impacto relativamente à prioridade da reconstrução das casas de primeira habitação em prol das casas de segunda habitação.
Sem indicar casos concretos em que se registaram problemas na reconstrução das casas, mas afirmando que “são todos os casos que estão identificados pelo Ministério Público”, a ex-presidente da associação revelou que a população se queixava informalmente de injustiças, sem nunca avançar com denúncias por escrito, até que o problema “explode quando as casas estão de pé”.
“O que aconteceu foi uma questão de priorização, ou seja, a reconstrução é para as primeiras habitações e, depois, para as segundas habitações”, reforçou Nádia Piazza, indicando que todas as primeiras habitações foram reconstruídas e considerando que “tudo deverá ser feito” para que todas as segundas habitações também sejam reconstruídas, pois estas têm “um impacto muito grande” na região, com as famílias de imigrantes.
Em resposta aos deputados, a antiga representante das vítimas do incêndio disse que o processo devia ter sido centralizado, em vez de ter sido entregue às câmaras municipais, destacando que, apesar dos problemas, a reconstrução das casas afetadas pelo fogo de Pedrógão Grande “foi mais rápida” do que noutras situações.
Sobre se haverá pessoas que se tenham aproveitado na reconstrução das casas, Nádia Piazza respondeu apenas que “sim, mas compete aos tribunais decidir”, explicando que não é possível, num raio de 20 quilómetros, dividir portugueses sérios e menos sérios, e sugerindo que a publicitação das empreitadas teria permitido a devida transparência no processo.
Relativamente aos fundos disponíveis para apoiar as populações e a revitalização das áreas afetadas pelos incêndios, ex-presidente da Associação das Vítimas do Incêndio de Pedrógão Grande referiu que deviam ter sido “melhor aplicados no território”, acrescentando que “francamente é muito pouco”, ressalvando que a situação se alterou com os incêndios de outubro de 2017.
Com a memória da perda do filho, do ex-marido e da sogra no incêndio de 17 de junho de 2017, Nádia Piazza falou do processo de indemnização dos familiares das vítimas, informando que “correu serenamente e rápido”, destacando o papel da Provedoria de Justiça.
As chamas que deflagraram em 17 de junho de 2017 no município de Pedrógão Grande, no interior do distrito de Leiria, e que alastraram a concelhos vizinhos, fizeram 66 mortos e 253 feridos, atingiram cerca de meio milhar de casas e quase 50 empresas, e devastaram 53 mil hectares de território, 20 mil hectares dos quais de floresta.