André Ventura foi, esta quinta-feira, entrevistado pela jornalista Susana Madureira Martins, na Renascença.
Leia a entrevista na íntegra:
Vamos começar pela decisão do juíz de instrução sobre os detidos da Madeira. Estou a falar do ex-presidente da Câmara do Funchal. Já disse que esta é uma decisão preliminar, mas não acha estranho uma diferença tão grande de avaliação entre o Ministério Público e o juiz de instrução?
Estranho é, isso é evidente. Há uma perceção pública que pode haver aqui uma dessintonia. Os próprios advogados tiveram o cuidado de sublinhar, à saída do tribunal ontem, quando lhe perguntavam "Bom, não acha que isto é alguma coisa estranha?". E todos disseram não, isto é a justiça a funcionar.
Agora, de facto, para o país não vale a pena dar a volta a isto. Passam uma ideia de que o Ministério Público estava a pedir medidas muito graves porque estava a pedir a mais grave - desde a última reforma que tivemos em 2006 do Código Penal a prisão preventiva é a mais gravosa e só pode ser pedida em situações muito excecionais e, aparentemente, o juiz não validou isto.
Mas eu também tive o cuidado de dizer isso ontem e acho que é importante termos presente que estas decisões são muitas vezes revertidas, em vez de começarmos logo a atacar o Ministério Público e a Polícia Judiciária...Eu não digo que não tenham de ser dadas explicações.
Mas demoram tempo...
Demoram tempo porque os recursos também demoram tempo. por exemplo, na decisão de ontem o MP tem 30 dias para recorrer. Destes 30 dias passarão depois mais alguns meses, no mínimo, para haver uma decisão. Por exemplo, o caso do José Sócrates foi paradigmático. Nós tivemos a decisão de um juiz de instrução que até parecia que quase matava o caso e agora o Tribunal da Relação volta a trazer o julgamento por corrupção para cima da mesa.
Então aqui a opção é mudar os tempos de recurso?
Antes do mais, eu gostava de dizer isto: acho que era importante nós não diabolizarmos a investigação porque nós passamos anos a dizer que era preciso fazer investigação e não haver medo da investigação e não haver politização da investigação. Cada vez que isto acontece... Repare, ainda ontem também tivemos condenações. Hoje vamos saber se o antigo secretário de estado do primeiro ministro vai ser condenado ou nao por prevaricação. O que eu acho aqui perigoso é muitos políticos se juntarem imediatamente como que a pedir a cabeça do ministério público e da polícia judiciária. Isso acho que é negativo.
Em relação aos recursos, eu tive a oportunidade de dizer ontem a Pedro Nuno Santos – que me parece que não sabia do que estava a falar, honestamente – que nós temos um sistema – e não sou só eu que o digo, são várias pessoas o dizem – de recursos muito complexo, que visou ser garantístico, ou seja, visou dar garantias de Direito – e isso é bom, ou seja, é importante que as pessoas tenham na Justiça direitos de defesa. O que não podemos ter é este modelo que permite abusos a toda a hora. Eu dei já um exemplo do que se tem passado na Operação Marquês.
Então aquilo que propõe é diminuir esses tempos...
Mais do que os tempos. É o tipo de recursos. Por exemplo, José Sócrates tem recorrido sempre de uma questão que é a distribuição dos processos, que é... vai parar a um juiz e ele não considera que é o juiz natural. O juiz natural, em Direito, é aquele que é o juiz natural da causa, aqueles que vão, naturalmente, decidir a causa. José Sócrates está sempre a pôr isso em causa e isso leva à paragem do processo meses. E depois perde sempre ou quase sempre. Eu acho que o nível de derrotas é de 80 e tal por cento. Mas, no entretanto, ganhou mais seis meses ou mais um ano. Isto é o caminho para a prescrição do processo, uma vez que estamos a falar de um processo em que já há dez anos que ele foi detido. Portanto, é evidente que podemos sempre dizer que isto vai limitar alguns direitos mas nós, como país, temos de fazer uma escolha. Queremos que haja Justiça melhor e mais rápida ou queremos dar mais direitos, alguns deles abusivos.
Gostava de perguntar-lhe sobre a Procuradora-Geral da República, Lucília Gago. Termina o mandato no outono deste ano. Devia ser reconduzida ou vale aquele princípio de mandato único adotado pelo Presidente da República e pelo primeiro-ministro António Costa?
Eu penso que, desde as últimas mudanças na Procuradoria-Geral da República tem havido uma regra, que não é escrita, mas tem havido, enfim, um certo consenso de que deve ser de um mandato. Honestamente, não acho que tenha de ser de um mandato. Acho que têm de ser avaliadas as condições em cada momento para que esse trabalho continue.
E há condições para isso?
Honestamente, eu tenho dificuldades em responder a isso agora. E digo-lhe porquê. Porque ainda não fiz a avaliação... Tirando os casos a que nós, políticos, somos chamados a comentar, e que é a face mais visível do Ministério Público, há uma série de outras coisas que têm de ser vistas e cujos dados eu não vi.
Magalhães e Silva, advogado, dizia que era preciso pensar neste momento se não era melhor demitir a PGR.
Mas está a ver? Isso é o pior sinal que nós damos. Quando nós pensamos em demitir a procuradora geral ou o diretor da polícia judiciária o sinal que estamos a dar é assim: sempre que há investigações a políticos tenham muito cuidado porque, se alguma coisa corre mal, vocês são todos demitidos. E eu acho que temos de ter algum cuidado com isto. Evidentemente, estas pessoas têm de explicar, porque não há ninguém na democracia que esteja acima da Lei. Nem líderes de partidos, nem coordenadores judiciais, nem policiais...
E devia vir a terreiro explicar-se?
E, portanto, pode haver aqui uma melhor comunicação. Eu acho que isso é muito importante. E a comunicação até pode ser: “isto é o que está em investigação. Isto é grave. Houve aqui uma decisão com que nós não concordamos. Vamos recorrer dela” - Aliás, penso que o MP ontem já anunciou que vai recorrer dela – “e vamos aguardar uma decisão final”.
O que eu acho que tem falhado muitas vezes nestes casos é a forma de comunicação. Num mundo onde já não dá para esconder informação, nem para comunicar às parcelas, porque hoje a realidade avança muito rapidamente. Portanto, eu não consigo ainda dizer-lhe, a esta hora, se houver... se eu tiver hipótese... ou seja, de houver uma maioria de direita, se houver um Governo de direita, eu ainda não consigo fazer totalmente a avaliação da senhora Procuradora Geral da República.
Bom... está no final do mandato...
Isso sem dúvida. Mas vou lhe dizer porquê. Porque há outros dados que gostava de olhar. Por exemplo, houve ou não uma redução da morosidade dos processos? Houve ou não um aumento na eficiência dos processos?
Gostava de avançar.
Houve ou não um alargamento das investigações criminais? E esses dados eu ainda não os tenho presentes, portanto gostava de os ter a breve fecho.
Um dos seus vice-presidentes, António Tânger Correia, defendeu há pouco tempo, creio que no final do ano passado, que o Tribunal Constitucional é um mero instrumento de joguete partidário, pelo que não é necessário. Concorda com o seu vice-presidente e que o Tribunal Constitucional, a prazo, podia, por exemplo, - que é o argumento de Tânger Correia - ser uma secção do Supremo Tribunal de Justiça?
Há países em que isso acontece, em que o Tribunal Constitucional está dentro do Supremo Tribunal porque há apenas uma jurisdição. Portugal optou, desde os anos 70, pela chamada jurisdição paralela, ou seja, há duas jurisdições: a normal, digamos assim, e a constitucional é uma paralela. Não está nem acima nem abaixo do Supremo. Está perpendicular... está paralelo ao Supremo, peço desculpa. Ora, o que António Tânger quis dizer é um problema que penso que há muito tempo existe e que nós temos de olhar para ele também sem medo, que é: quando alguns cargos, que têm um papel importantíssimo nas decisões, nomeadamente de partidos políticos, são nomeados pelos próprios partidos políticos. E isto é um problema porque, repare, sempre que o Tribunal Constitucional toma uma decisão - no caso do Chega nós pensamos que tem sido particularmente injusto, mas eu não demonizo isso - fica a suspeita de que aquelas pessoas que estão a decidir, por exemplo, contra o Bloco de Esquerda ou contra o Chega ou contra o PSD foram nomeadas pelo Partido Socialista.
Então aquilo que pode acontecer é... mudar a maneira como se elegem os juízes do Tribunal Constitucional...
Por exemplo.
... ou o fim do Constitucional tal como ele existe?
Eu acho que um primeiro bom passo era reduzir a sua influência política. Mas atenção: eu não defendo isto só...
Nomeações por parte do Presidente da República, por exemplo?
Ou dos seus pares, como acontece noutros países. Eu acho que... eu não vou para o modelo de eleição direta como há nos EUA, por exemplo, ou em países anglo-saxónicos, de eleição dos magistrados por via popular, porque acho que o modelo, levado em termos absolutos, pode também ter danos para a democracia. Agora, acho que temos de ter muito cuidado quando estamos a falar de decisores que tomam decisões sobre políticos e são nomeados por outros políticos. É muito difícil garantir imparcialidade nestes casos em que, imagine, ele tem de decidir sobre o Chega ou sobre o PCP, mas foram nomeados pelo Partido Socialista. Não defendo isto só para o Constitucional. Eu acho que, no geral, nas grandes nomeações na Justiça, devemos evitar a sua nomeação política, criando fórmulas alternativas, uma delas a eleição pelos pares – sem isso reforce o corporativismo, também é importante – e modelos intermédios. Mas que reduzam o mais possível a influência dos partidos.
Vamos para outro tema. Propõe aumentar o salário mínimo nacional para mil euros até 2026. Se tudo correr bem, a legislatura vai até 2028. Portanto, a proposta que existe no programa eleitoral do Chega é só até meio da legislatura. Em 2028 quanto é que poderia ser o salário mínimo nacional como proposta?
Repare, é fácil dizer que podia ser 1500 euros, mas nós temos de ter aqui os pés assentes na terra. O salário mínimo nacional, que se aplica aos salários que são pagos ao nível público e não aos outros... portanto, temos de deixar de fora o setor privado, onde temos de falar de salário médio e não de salário mínimo... O salário mínimo tem que ser acompanhado em duas situações: perceber que muitas empresas podem não conseguir pagar o salário mínimo se ele aumentar desmesuradamente e, por isso, a nossa proposta é diferente da dos outros. Por isso é que só pomos até 2026, porque a nossa proposta é mais sólida e mais ponderada. Em quê? Vou-lhe dar um exemplo: para o PS e para o Bloco de Esquerda basta dizer que vamos aumentar o salário mínimo... e eu já lancei várias vezes a pergunta; então e o que é que acontece às empresas que não conseguirem pagar esse salário mínimo porque não têm liquidez suficiente?
Bom, mas isso também acontece às empresas até 2026, não é?
É evidente. Por isso é que nós propomos – e pensamos que até 2026 o conseguimos fazer – um Fundo de Apoio a essas empresas para pagar esse salário mínimo, porque senão o que nós podemos ter no têxtil, no calçado e noutro tipo de empresas é as empresas a fecharem.
Um fundo do Estado.
Sim, de apoio às empresas que não conseguirem fazer esse pagamento. Vou-lhe dizer porquê...
E como é que se enche esse fundo do Estado?
Tinha de ser com dotação orçamental pública. Vou-lhe dizer porquê: porque nós tivemos o ano passado um nível recorde de falências. É verdade que já vínhamos de um período da Covid...
E essa dotação poderia ser de quanto?
Aí dependeria das empresas que tivessem que se apresentar, como, aliás, com o PRR, mostrando que não têm condições e capacidade para preencher estes valores, porque não nos interessa nada... O salário mínimo...
Mas se não há noção de quais são as empresas, de quantas é que são, também não há noção propriamente de quanto é que pode ser o salário mínimo nacional.
Eu não sei se as empresas vão conseguir pagar ou não. Têm de ser eles a dizer. O que não podemos é dizer-lhes assim: ‘Olhe, o salário mínimo é 3 mil euros’. E as empresas dizem: não conseguimos... E então fecham as portas. E a proposta da Esquerda leva a isso. Leva a que se aumente o salário mínimo sem condições de sustentabilidade desse salário... Muitas destas empresas vão fechar. Portanto, o que é que nós queremos? É um modelo equilibrado, uma proposta equilibrada.
As contas...
Deixe-me só dizer isto, que é importante: é uma proposta equilibrada porque representa um esforço que eu acho que o país todo tem de fazer, que é garantir que o seu salário mínimo está a caminhar para os melhores níveis europeus mas, ao mesmo tempo, garantirmos que uma série de indústrias, de fábricas e de empresas... - há muita gente em Portugal a ganhar o salário mínimo, é importante perceber isto - não têm de fechar portas só por uma decisão política. A nossa proposta é equilibrada. As da extrema esquerda não são.
O que queria perguntar-lhe é sobre as contas do aumento de pensões, que estão associadas e equivalentes ao salário mínimo nacional... já estão feitas até 2028 ou só até 2026? Porque o aumento das pensões depois é uma despesa fíxa...
Evidente. Mas é preciso desmistificar isso. Ainda ontem eu disse isso a Pedro Nuno Santo. Nós propomos um modelo que seja progressivo...
Mas só até 2026 também?
Não, em seis anos. E por isso é que eu fiz as contas, porque se não não podíamos apresentar um modelo que não tivesse contas feitas. Nós propomos que, em três anos, se aproxime a pensão mínima do valor do IAS, e, para isso, estamos a falar de um valor muito menor. Estamos a falar de cerca de 1,6 mil milhões de euros, contas feitas por nós e que parece que são consensuais. Em relação a três anos. 1,6 mil milhões. Nada a ver com o sete mil milhões e os dez mil milhões que dizem que isto vai custar.
Então é quanto?
1,6 mil milhões em três anos, o que significa um valor... Olhe, o ano passado a despesa pública aumentou 2 mil milhões. Portanto, estamos a falar de valores perfeitamente possíveis e compatíveis com a dignidade que nós queremos dar aos idosos que àqueles que não conseguem, neste momento, ter rendimentos.
Mas esse número está abaixo daquele número que chegou a apontar na convenção.
Não, estou a falar dos primeiros três anos.
Pensões.
Estou a falar dos primeiros três anos, para aproximar do IAS, o Indexante dos Apoios Sociais, que é muito mais baixo que o salário mínimo, não é? Portanto, nessa aproximação estamos a falar de 1,6 mil milhões de euros. Perfeitamente fazível. É nos três anos seguintes que o grande esforço orçamental se repercute e aí é que se pode chegar aos tais sete mil milhões, uma vez que o salário mínimo também vai aumentando progressivamente.
Mas com o crescimento económico de três por cento?
Basta três por cento.
Três a cinco.
Hoje, a nível mundial, qualquer país que faça uma boa gestão, que reduza algumas gorduras do Estado e faça uma boa gestão tem pelo menos um crescimento económico de três por cento. E eu queria desmistificar isto, que ontem também não tive essa oportunidade. Se nós aceitarmos fazer este esforço, que é um esforço coletivo, de levar a que as nossas pensões - que é onde há mais pobreza neste momento é nos pensionistas – consigam fazer essa subida progressiva em seis anos... nós estaremos a falar de um aumento dos tais sete a oito mil milhões em seis anos. Isto significa, face ao PIB, um aumento de despesa de sete por cento em seis anos. Estamos a falar, por isso, de um aumento de despesa de 1,3 por cento ao ano, mais ou menos. Isto é perfeitamente fazível. Volto a dizer: o ano passado – podem confirmar – a despesa pública aumentou dois mil milhões. Dois mil milhões. Portanto, Portugal nunca foi um país com falta de dinheiro. Portugal é um país onde se gere mal o dinheiro que se tem.
Vamos avançar. Propõe abolir a obrigação de pagar o Imposto Municipal sobre Imóveis quando se trata de habitação própria permanente. Já lhe colocaram esta pergunta no Público mas não respondeu: como é que compensa as 308 câmaras municipais? E gostava mesmo que respondesse a esta pergunta porque andou um pouco ali à volta e não respondeu.
Os impostos têm cariz municipal ou cariz nacional. No caso do Imposto Municipal, tem cariz municipal. Quando nós defendemos que não deve ser pago o IMI nós sabemos que isto tem um impacto, quer a nível do Estado central, quer a nível das câmaras municipais. Os próprios autarcas, muitos deles, têm levado até ao mínimo o valor de cobrança do IMI, o mínimo que a lei permite. E muitos até têm dito que, se pudessem, não cobravam IMI, para facilitar a vida aos seus residentes.
Mas muitas câmaras vivem muito à conta da cobrança de IMI.
Não é muito diferente do Estado que vive à conta da cobrança de IVA e do IRS. Portanto...
Mas como é que se compensam câmaras mais pequenas e que sobrevivem muito à conta destas receitas?
As câmaras hoje já recebem dotação orçamental do Estado e já recebem fundos públicos. Portanto, se ficarem a receber menos fundos públicos o Estado terá de renegociar os seus modelos de financiamento com as câmaras.
Não haverá compensação, portanto.
Mas é isso que nos importa ou é que os portugueses paguem menos impostos? Quer dizer, se nós vivessemos num Estado que tem poucos impostos eu compreendia.
E os autarcas acha que compreendem essa proposta?
Eu não estou preocupado com isso. Eu estou preocupado com os portugueses, não é com os autarcas, nem com os bancos, nem com os políticos. Estou preocupado com os portugueses. Deixe-me dizer-lhe isto: o IMI é um imposto estúpido. É um imposto estúpido. E vou-lhe dizer porquê: porque nós, quando compramos uma casa, temos de pagar impostos pela compra da casa. Inclusivamente impostos também aberrantes, como o selo e outras coisas. Quando vendemos a casa temos de pagar impostos por vender a casa, por termos mais valias, temos de pagar os contratos de venda, etc. Se arrendamos a casa temos de pagar impostos. Se subarrendamos, temos de pagar impostos. O IMI diz-nos simplesmente isto: para além de tudo isto, só por terem a casa também têm de pagar impostos. Ora, isto é um pouco absurdo, não é?
Sempre vai apresentar uma moção de rejeição caso fique mesmo de fora de um governo de direita?
Nós nunca dissemos isso. Desculpe, é falso que isso tenha acontecido e eu até expliquei isto numa entrevista que dei à SIC. Eu até usei a expressão “de zero a um por cento”. Vamos lá a ver: em política não há impossíveis. Agora, o que eu tenho dito todos os momentos que me perguntam sobre isto é: eu acho que tem de haver uma convergência e tem de haver um governo estável. Mas, como diz a Susana, pode não haver. O que é que fazemos? Depende dos cenários que se coloquem, porque eu não sei qual vai ser o cenário, não é?
Já percebemos que, se calhar, já não vai é apresentar a moção de rejeição de que falou.
Mas eu nunca falei de moção de rejeição. Foi-me perguntado assim: é possível? E eu disse: possível é. Também é possível que não. Repare: nós nem sabemos qual é o programa de governo. Como é que podemos falar de uma moção de rejeição? Eu não sei qual é o programa de governo. Só faz sentido falar de moção de rejeição se soubermos qual é o programa de governo. Agora, o que me parece é que é uma tremenda irresponsabilidade – caso as sondagens se confirmem e haja uma maioria claríssima entre dois partidos, entre PSD e Chega - ... o que me parece é de uma tremenda irresponsabilidade que haja um dos partidos – quer fosse o Chega, quer fosse o PSD – a decidirem, havendo condições para convergência e, mesmo assim, preferem não ter convergência. E preferem arriscar no Parlamento umas novas eleições, instabilidade política por uma questão de egos.
Está confiante na eventualidade de um governo minoritário... enfim, de uma maioria relativa da AD...está confiante na tal demissão de Luís Montenegro e a entrada de um novo pivot?
É um assunto que não me diz, honestamente, respeito. Pode vir a acontecer se, por exemplo, o PS tiver mais votos, mas a direita tiver uma maioria parlamentar.
É essa a tal garantia que diz que teve de alguém...
Acho que me dá, pelo menos, o benefício de conhecer bem o PSD e as pessoas do PSD. Luís Montenegro nunca respondeu a esta pergunta, que é: se a direita ficar em maioria, mas o PS tiver mais votos que o Chega e o PSD, se vai aceitar formar um governo de direita ou não. Ele nunca respondeu a isto. E até hoje nós insistimos, nas televisões insiste-se, e ele não responde. Portanto, eu sinceramente já disse sempre o que vou fazer.
Pode governar em minoria.
Não. Se o PSD é vencido, não. Como é que vai governar em minoria? Imagine que o PS teve mais votos que o Chega e também que o PSD? Como é que o PSD vai governar em minoria? Quem vai ser chamado para formar governo vai ser o PS, que teve mais votos. Ora, nesse cenário, aceitará o PSD formar uma plataforma alternativa ou não? Ou prefere viabilizar o governo do PS?
Deixe-me perguntar-lhe o que é...
Susana, é importante que, em casa, as pessoas percebam isto, porque isto pode bem acontecer. Há sondagens que mostram que isto vai acontecer.
Se o Chega for absolutamente inútil para formar um governo de direita o que é que acontece a André Ventura? Fica na oposição? Demite-se? Entrega o lugar a alguém?
Susana, o Chega teve nos Açores o crescimento mais rápido da História de qualquer partido. Duplicou os votos nos Açores. As sondagens mostram que podemos chegar aos 21, 22 por cento. Acho que não há nenhum líder que se demita depois de passar um partido de sete para 21.
Mas a influência pode ser nula, não é?
Mas isto não é... A política não é uma questão de influência. A política é uma questão de representar os eleitores. E o que acontece é que, neste momento, o Chega é o partido que mais tem crescido nessa representação.
Ora, vou dizer isto: Luís Montenegro não vai gostar, mas é a verdade. É impossível. Olhe-me nos olhos: é impossível que a AD tenha qualquer resultado que permita governar sozinha. Impossível, porque as sondagens são o que são e não vão mudar em duas semanas ou três semanas. Nós estamos a falar de valores que era preciso uma diferença brutal... O Chega está com 21, o PSD com 26 [por cento]. Estamos a falar de uma diferença de cinco por cento. Isto é impossível que se transforme em 45 [por cento]. Ou seja, o Chega nunca vai ser inútil nesta solução.
Agora, podem é os outros partidos unirem-se todos para criar à volta do Chega um cordão sanitário contra o partido e contra o seu líder. Isso vai fazer-nos mais fracos? Não. Só nos vai fazer mais fortes, porque nos vai fazer ainda ter mais força e firmeza contra os partidos do sistema todos juntos.
Para finalizar, gostava de perguntar-lhe em relação à política internacional. Já chegou a convidar Donald Trump pra um evento do Chega em Lisboa. Acompanha as recentes declarações do ex-Presidente dos EUA que admitiu que poderá incentivar a Rússia a invadir países que não cumpram com a contribuição de 2% do PIB para o orçamento da NATO. Acompanha isto?
É evidente que não, mas nós somos, acima de tudo, cidadãos da Europa. A Europa não tem feito o seu trabalho nos últimos anos. E o que o ex-Presidente norte-americano chama a atenção é para um dado que é realista: os países da Europa acomodaram-se à sombra do chapéu americano, quer no investimento militar, quer no investimento de defesa.
Mas isto não põe em causa a segurança de alguns países bálticos...?
Susana, nós temos de assegurar a nossa própria defesa e estes governos dos últimos anos mais não têm feito do que desinvestir na defesa. E não é só o Governo português. Os governos socialistas pela Europa toda têm desinvestido absolutamente na defesa. Em Portugal é vergonhoso o estado em que se encontram as Forças Armadas. Mas mesmo países como a Alemanha e França... Aliás, desde o pós-segunda guerra mundial, têm adormecido a sua defesa à sombra dos norte-americanos. Aliás, estas declarações de Donald Trump... se ele pensa que metem... ou se os americanos pensam que nos enfraquecem...é precisamente o contrário. Isto deve ser um sinal de alerta à Europa de que deve apostar nas suas forças armadas e na sua defesa.
Voltaria a convidar Donald Trump para um evento do Chega?
Eu ouvi ontem o chanceler alemão dizer que a Europa tem de produzir, pela primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial, armamento em massa para ser autossuficiente na sua defesa.
Mas voltava a convidar Donald Trump para um evento do Chega em Lisboa?
Repare: nós nunca concordamos em tudo. Em política internacional concordamos com algumas coisas e não com outras. Eu vou dizer-lhe uma coisa: há pouco tempo Joe Biden disse que tinha estado com o Presidente Mitterrand. O Presidente Mitterrand morreu há 15 anos. Há uns dias disse que esteve com o chanceler alemão Helmul Kohl, que também já morreu há vários anos. O Biden está completamente xexé e, portanto, nós podemos olhar às vezes para as escolhas e dizer assim: qual destes é o mal menor? E eu aqui não tenho dúvidas qual é o mal menor. Temos alguém que está a perder a noção completa da realidade, tanto que os democratas norte-americanos querem substituí-lo.
E se Trump ganhar as eleições nos EUA no outono a posição da União Europeia perante a Rússia não ficará diminuída e não poderá ser um duro golpe para a Ucrânia?
Acho que nós temos de perceber que, em política internacional, cada líder defende os seus direitos e, sobretudo, os seus interesses. Eu vou defender sempre os interesses de Portugal, mesmo que os espanhóis não gostem. Independentemente do que o Vox venha a pensar de mim ou o que o Rassemblement National em França venha a pensar de mim. A nós cabe-nos ser políticos dos nossos países, defender os nossos países e os nossos interesses. Eu acho que, Ganhe Donald Trump ou ganhe Joe Biden - porque, em princípio, serão estes os candidatos, a menos que a justiça americana faça alguma coisa até lá - sinceramente a escolha... não é a escolha mais fantástica que se tem pela frente, honestamente.
Nenhum dos dois, é isso?
Nenhum dos dois, honestamente. Mas isto é um bocadinho como a escolha que houve no Brasil também. Se os americanos tiverem de escolher entre um e outro... um deles, aparentemente, está completamente desvirtuado da realidade. Portanto, a escolha, provavelmente, também não será difícil de fazer. Mas deixe-se só dizer isto para terminar... Era mesmo importante e eu gostava de deixar esta mensagem: que a Europa e Portugal percebessem que temos de investir nas Forças Armadas. Eles merecem o investimento e Portugal pode vir a precisar desse investimento em Forças Armadas.
[Notícia atualizada às 13h03 de 15 de fevereiro de 2024]