A Renfe, empresa pública espanhola de comboios, quer passar a ligar Lisboa e Porto com dois comboios diários a partir de 2027, e ligar as duas cidades portuguesas a Madrid e à Corunha. A intenção, avançada pelo jornal espanhol La Información, segue-se ao plano de chegar a Évora a partir de 2025.
A operadora ferroviária quer ligar as duas maiores cidades portuguesas e seguir até à Corunha, na Galiza, com paragens em Vigo, Pontevedra e Santiago de Compostela.
Com duas ligações diárias em cada sentido, a Renfe procura, assim, posicionar-se na principal rota de longo curso em Portugal em 2027, três anos antes da abertura prevista do primeiro troço da Linha de Alta Velocidade entre Lisboa e Porto - que deverá aumentar a procura neste percurso.
Para além de operar entre Lisboa e Porto, a Renfe quer criar também um serviço diário a ligar Madrid a essas duas cidades.
O comboio entre Madrid e Porto deve passar entre Medina del Campo, em Valladolid, e Salamanca, entrando em Portugal por Vilar Formoso - isto é, seguindo a rota dos comboios Sud Expresso/Lusitânia que, até 2020, partiam da estação de Santa Apolónia, em Lisboa, para chegar a Madrid e a Hendaye, na fronteira com a França.
O comboio entre Madrid e Lisboa deve aproveitar a ligação planeada a Évora, onde a Renfe quer fazer chegar os comboios que partem de Madrid e param, atualmente, em Badajoz.
Estas intenções fazem parte da expansão internacional da operadora ferroviária espanhola, que inaugurou, em julho, ligações de alta velocidade a duas cidades francesas, com intenção de chegar a Paris.
A ligação entre Barcelona e Lyon foi inaugurada a 13 de julho, enquanto a viagem entre Madrid e Marselha começou duas semanas depois. A Renfe anunciou este domingo a venda de 100 mil bilhetes para os dois serviços no primeiro mês de operação.
Já entre Portugal e Espanha, desde o cancelamento dos comboios Sud Expresso/Lusitânia - operados em conjunto entre CP e Renfe - que o único serviço internacional de passageiros é o comboio Celta, ligando o Porto a Vigo pela Linha do Minho.
A Infraestruturas de Portugal declarou ao La Información que não recebeu nenhum pedido da Renfe, enquanto a CP disse que tem tomado conhecimento das intenções espanholas através da comunicação social.
A Renascença contactou a Autoridade da Mobilidade e dos Transportes acerca desta notícia, mas a entidade responsável pela regulação do setor ferroviário não respondeu até à publicação desta notícia.
O licenciamento da operação das empresas ferroviárias está a cargo da Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMT), que também foi contactado pela Renascença, a par do Ministério das Infraestruturas.
Bitola não é obstáculo, mas tensão é
De acordo com o La Información, as intenções da Renfe requerem um investimento inicial de 15 milhões de euros na adaptação do material circulante aos requisitos técnicos da infraestrutura ferroviária portuguesa. Nenhuma delas está relacionada com a questão da bitola ibérica - a distância entre carris, de 1668 milímetros -, já que, sendo ibérica, é usada na maioria da rede dos dois países.
Para além da rede ferroviária espanhola contar com cerca de 11 mil quilómetros em bitola ibérica - num total de 17 mil quilómetros -, já existem comboios, como os espanhóis Alvia, que conseguem circular tanto em bitola ibérica como europeia, mudando a distância entre as rodas das carruagens em andamento.
Para os comboios espanhóis circularem em Portugal, é preciso adaptá-los à tensão elétrica da catenária portuguesa. A catenária - os cabos suspensos no ar que fornecem energia aos comboios - tem uma voltagem de 25 kv em corrente alternada, enquanto a Espanha usa 3 kV em corrente contínua.
Por outro lado, existe a questão do sistema de sinalização. A rede ferroviária portuguesa utiliza o Convel (Controlo Automático de Velocidade), para o qual não há peças de reparação nem novas unidades disponíveis, mas que é necessário para qualquer comboio que circula em Portugal.
No resto da Europa, o sistema usado é o ETCS (Sistema Europeu de Controlo Ferroviário), parte do Sistema Europeu de Gestão de Tráfego Ferroviário (ERTMS), criado para garantir a interoperabilidade entre os vários países da União Europeia.
Duas empresas portuguesas estão a desenvolver um sistema para permitir a comunicação de comboios com ERTMS com o sistema Convel. O Specific Transmission Module (STM) foi apresentado no final de julho.
[notícia atualizada às 18h00]