“Eu acho louvável o interesse que a juventude tem pelas pessoas de idade”. Jorge Bastos, de 89 anos, é utente da Associação ‘Mais Proximidade’ que apoia idosos que vivem sozinhos na Baixa de Lisboa e na Mouraria. É neste bairro que mora, com cada vez menos vizinhos e com dificuldades motoras, “sobretudo no andar”. Diz que a ajuda que recebe da associação, desde 2021, é fundamental.
“Quando preciso de qualquer coisa, de compras ou medicamentos, vão comprar. E acompanham-se ao médico. Tem sido impecável, só tenho de agradecer”, conta. É sobretudo o acompanhamento às consultas, e saber que tem a quem pedir ajuda, que fazem toda a diferença. Continua a ter apoio da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML), com alimentação e limpeza, mas ainda é autónomo em muita coisa. “Faço a minha comida, faço tudo, faço a minha cama. Aprendi na tropa”.
Antigo bailarino, o senhor Jorge fala com orgulho da carreira que pôde escolher livremente porque os pais eram artistas, ambos ligados ao teatro. “Estreei-me no teatro há 82 anos, no Coliseu dos Recreios, numa opereta que se chamava ‘O Fado’”. Quando tinha três anos os pais “trabalhavam numa companhia itinerante que era dos pais da Eunice (Munoz). Tenho fotografias com ela, com oito anos, e eu três. Era a Nice e o irmão era o Nito”.
Conta, ainda, com gosto, que aos 20 anos se formou no Círculo de Iniciação Coreográfica, “com a Margarida Abreu, professora do Conservatório”, e foi para o Verde Gaio, a primeira Companhia de Dança do país, criada durante o Estado Novo. “Dancei para a Rainha de Inglaterra, para o presidente do Brasil e do Paquistão, quando vieram cá. E para a Maria Callas, fiz La Traviata com ela”. Fez inúmeros espetáculos com a Amália no estrangeiro. “O Verde Gaio fazia a primeira parte e ela a segunda”.
Em 61 foi para o Teatro de Revista, no Parque Mayer, onde trabalhou com todos os nomes grandes da época. Dançou de 54 a 76, quando sofreu uma lesão. “O médico disse-me que bailarinos e futebolistas morriam pelas pernas”. Mas continuou ligado ao teatro, nos musicais de Filipe La Feria, e chegou a ensaiar as marchas da Moraria e do Bairro Alto.
“A pessoa pode estar alimentada e limpa e estar sozinha na mesma. A solidão é muito dura”
Beatriz Roque, de 23 anos, é psicóloga da associação ‘Mais Proximidade’ que acompanha 120 idosos que vivem isolados ou sozinhos com “média de idade de 85 anos, 83% são mulheres”. Ao todo a associação tem sete técnicas no ativo, nas áreas de psicologia, serviço social e gerontologia, mas também tem voluntários. Beatriz começou este ano a acompanhar Jorge Bastos.
“Se eu não puder ir com o senhor Jorge ao médico, ele não deixa de ir, pode ir uma colega minha, mas efetivamente eu sou a sua ‘gestora de caso’. Quando é preciso alguma coisa, o senhor Jorge liga para mim, para ir ao médico, ou se é preciso alguma coisa de compras, também vou. Pode ligar a pedir qualquer coisa quando quiser”.
O contacto é permanente, e o caso de cada utente é analisado nas suas necessidades específicas. “Tentamos ter uma visão mais holística, não ‘ai esta pessoa coitadinha, está num quinto andar sem elevador, vamos lá fazer companhia e levar ao médico’, é ver o que é que a pessoa gosta de fazer, arranjar estratégias para a pessoa cultivar os seus gostos, a sua autoestima, a sua envolvência com a comunidade. É um trabalho muito ativo”.
“Às vezes faço uma visita e fico a comentar, por exemplo, reality shows, a ‘fofocar’, porque a pessoa quer fofocar. Por exemplo, com o senhor Jorge, para além de muitas outras coisas, falamos da vertente artística, porque pessoalmente também faço teatro”, conta.
Parte fundamental do apoio que dão passa pela companhia efetiva que asseguram, por que afinal “a pessoa pode estar alimentada e limpa e estar sozinha na mesma. A solidão é muito dura”.
“A Dona Isaurinda chamou-nos netas e derreteu o meu coração”
Mariana Ganhão, de 19 anos, é natural de Arruda dos Vinhos, e Maria Carreira, com 20, nasceu é do Milharado (Mafra). Estudantes de psicologia, há dois anos que são voluntárias do projeto ‘Amigos improváveis’, que assegura apoio domiciliário a idosos na zona de Lisboa.
O projeto nasceu em 2014, por iniciativa de jovens universitárias, que “perceberam que havia uma grande necessidade de apoiar as pessoas que sentem mais sozinhas, de fazer companhia. O objetivo da associação é mesmo esse, que estas pessoas tenham uma vez por semana alguém com quem conversar, com quem estar, um amigo”. No caso jovens, daí o nome ‘Amigo Improváveis’ “.
Atualmente apoiam 32 idosos, e têm mais de 90 voluntários envolvidos. Estão em 10 zonas, como S. Domingos de Benfica, Lumiar, Alvalade, Avenidas Novas e Estrela - isto na cidade de Lisboa, mas também estão em Oeiras e este ano abriram sede no Porto. Funcionam sempre em equipa.
“Vão sempre dois voluntários visitar cada idoso, mas os grupos são idealmente de três, para o caso de um ir de férias, ou falhar. No nosso caso somos amigas, conhecemo-nos muito bem e confiamos muito uma na outra, mas geralmente as equipas são feitas de pessoas que não se conhecem, são estudantes universitários que se inscrevem isoladamente, o que pode dificultar”, explica Maria, sublinhando que a preocupação central é sempre com o idoso, porque “muitas vezes ficam muito ansiosos por aquela visita a semana inteira”.
As visitas acontecem habitualmente uma vez por semana, mas há casos em que são feitas com mais regularidade. Maria e Margarida vão sempre à sexta-feira, visitar a D. Isaurinda, e a cumplicidade é já evidente.
Maria diz que se inscreveu no projeto por sentir que “tinha potencial para estar a ajudar outras pessoas, tinha essa necessidade dentro de mim, só que na minha aldeia não havia muito que pudesse fazer. Então vi este voluntariado, inscrevi-me. Nem sabia bem para onde é que ia, confiei na Margarida a 100%. Quando cheguei à primeira visita e a Dona Isaurinda nos chamou netas, desde aí que derreteu o meu coração! É a minha avó de coração, é mesmo um encontro de amigas”. E acrescenta: “não vejo isto como o meu futuro profissional, porque quero mesmo psicologia clínica com adolescentes, mas é algo que me satisfaz imenso, que me completa e valida enquanto pessoa”.
Margarida, que é gestora de equipa nos ‘Amigos Improváveis’, gostava que mais jovens se envolvessem. “Vamos ser sinceros, apesar de vivermos apressados, nós, estudantes, temos uma hora ou duas para dar a outras pessoas. Eu acho que há muito medo dos jovens pelo compromisso. Pelo que eu vejo na associação, o facto de se terem de comprometer com uma coisa que vão ter que fazer no mínimo um ano, ir lá todas as semanas, assusta. Não querem ter essa responsabilidade, ter de lidar com essa situação, e acabam por não aderir”. Mas o projeto tem voluntários em lista de espera, e podiam atuar mais se houvesse mais informação.
Beatriz, da ‘Mais Proximidade’, já sabia que “queria trabalhar com a população idosa, porque já tinha tido experiência no estágio curricular” num lar e centro de dia, mas não se identificava “com a abordagem”.
Na associação encontrou a resposta que idealizava. “Vejo a nossa intervenção numa perspetiva de empoderamento, não é o velhinho coitadinho, que está num quinto andar, os filhos não querem saber, ai que pena que eu tenho. Não, é mais: ‘ok, do que é que esta pessoa precisa? Da Santa Casa? Vamos articular com a Santa Casa. Tem interesse em ir para a universidade sénior? Vamos increvê-lo. Tem necessidade de uma consulta? Vamos falar com o médico de família, ou arranjar um médico de família. Arranjar alternativas”.
É uma resposta atípica, mas eficaz e necessária. “Só é pena que não haja mais”, diz, porque tem de se ir além das necessidades básicas. “A pessoas pode estar alimentada e limpa e estar sozinha na mesma. A solidão é uma coisa muito dura, é um problema”.
Jorge Bastos ouve com atenção os depoimentos e elogia a dedicação dos jovens. “É de louvar”. No seu caso a ajuda é fundamental. “É a família que não temos”.
Fazer rir quem está internado
Um dos projetos mais diferenciadores no cuidados dos mais velhos, e que luta pela dignificação dos cuidados hospitalares, é a Palhaços d’Opital, que anima as visitas em oito hospitais do centro e norte do país, incluindo o Hospital de São João, no Porto.
O projeto nasceu há 10 anos por iniciativa de um casal de professores, o Jorge e a Isabel Rosado, que agora se dedica exclusivamente a esta missão. Num depoimento gravado para este podcast, Isabel começa por lembrar que “devemos olhar para os mais velhos com respeito, valorizar e dignificar a pessoa mais velha, perceber que é para lá que todos nós estamos a caminhar”.
“As nossas performances artísticas são pensadas para o ambiente hospitalar, para um público adulto, mas em especial para um público mais velho”, tendo em conta “patologias como a demência, em que as memórias mais frescas que as pessoas têm são até aos 20 anos de idade. Os nossos figurinos, por exemplo, são alusivos à década de 60 e 70”, explica, acrescentando que o que fazem, faz a diferença.
“Nos primeiros cinco anos tínhamos sempre um dia fixo para cada hospital, até que as administrativas nos começaram a dizer ‘olhem, vocês têm de mudar, porque não pode ser, as pessoas só querem consultas e exames nos dias em que sabem que vocês vêm!”.
Dados recentes vieram confirmar a importância do que fazem. “85% dos profissionais de saúde reportaram que os séniores tornam-se mais comunicativos entre si, e com o ambiente que os rodeia, após a nossa performance”. Em 81,7% dos casos houve “uma alteração do estado anímico após a nossa intervenção, e 85,1% dos familiares consideram que contribuímos para um benefício do ambiente hospitalar. Já para não dizer que as administrações hospitalares reconhecem a adequabilidade e a utilidade da Palhaços d’Opital”, porque “temos uma metodologia de intervenção que é inovadora e disruptiva, e que os ajudamos a cumprir a humanização dos serviços hospitalares”.