Para começar, nada como um exemplo: a decisão de conceder uma alta médica, com a ajuda da Inteligência Artificial.
Este é apenas um dos muitos desafios que os hospitais estão a colocar aos investigadores portugueses. A ideia, neste caso, não será substituir o médico neste processo, mas sim ajudá-lo na tomada de decisão, tendo em conta todos os relatórios clínicos de determinado paciente.
Na prática, a Inteligência Artificial será convocada, neste produto da Priberam - um dos parceiros - a processar toda a informação disponível e a explicar, depois, ao médico a conclusão a que chegou.
A iniciativa de recorrer ao financiamento do Programa de Recuperação e Resiliência (PRR) para atacar este e muitos outros desafios partiu de uma outra empresa. Há muito que a Unbabel utiliza a Inteligência Artificial para a tradução de textos em escala, e com qualidade humana. E foi esse o ponto de partida para a concretização de objetivo muito maior: criar um "centro dedicado à chamada inteligência artificial responsável".
Mas o que significa ser responsável no campo da Inteligência Artificial? Antes de respondermos, importa explicar que a Unbabel, em conjunto com outros parceiros, candidatou o seu objetivo aos fundos do PRR. E conseguiu. O investimento total garantido ronda os 80 milhões de euros, dos quais 55 milhões chegam da "bazuca europeia".
À Renascença, Paulo Dimas, vice-presidente da Unbabel para a Inovação, avança que o trabalho a desenvolver por este Centro, na área da Inteligência Artificial, será multidisciplinar e será dirigido a áreas tão diversas como a Saúde ou o Turismo.
Qual é o vosso objetivo essencial?
É a criação de um centro dedicado à inteligência artificial responsável. É um centro que junta Startups tecnológicas, especializadas em inteligência artificial. Estas startups estão juntas com centros de investigação, que vão atacar desafios muito concretos na área da inteligência artificial, mas muito aplicados a determinados mercados.
Por exemplo, nós temos dentro deste consórcio líderes de indústria, que vão desde a indústria farmacêutica (a Bial) até aos hospitais (O Centro Hospitalar Universitário de São João e o Hospital da Luz) e, também, na área do turismo (o Grupo Pestana e a Sonae MC). Portanto, são cinco líderes da indústria, portugueses, que já estão a trazer grandes desafios nas suas áreas para este ecossistema de startups e centros de investigação.
O nosso objetivo é criar produtos de inteligência artificial que vão resolver problemas...
Que tipo de produtos, com recurso à Inteligência Artificial, podem ser inovadores na área hospitalar?
Uma das áreas, nos hospitais, que é muito crítica e que pode ser ajudada com tecnologias de inteligência artificial é a das altas médicas.
Quando pensamos dar uma alta médica a um paciente, que teve vários episódios clínicos, temos de o fazer com base em muita informação que está em relatórios e, às vezes, é difícil aos seres humanos processarem toda essa quantidade de informação para tomarem a decisão final.
Deve ser dada uma alta médica, ou não? Nós temos no consórcio uma empresa, a Priberam, que está a trabalhar precisamente nesta área e que, no fundo, não vai substituir o médico no processo de alta médica, nada disso, mas vai fornecer ferramentas que lhes permitam, por um lado, aumentar a eficiência - processar toda esta informação mais rapidamente - mas, por outro lado, também aumentar o nível de confiança.
Claro que, no caso concreto deste produto, nós não podemos confiar cegamente na Inteligência Artificial, mas existe um domínio específico da Inteligência Artificial responsável que consegue explicar as suas decisões. E portanto, quando um médico está a avaliar se de facto deve dar alta médica a um paciente, ele pode perceber o é que Inteligência Artificial acha, explicando a sua decisão...
Já se referiu várias vezes à Inteligência Artificial responsável, a este centro de inteligência artificial responsável. O que é isso de responsabilidade na Inteligência Artificial?
Nós definimos três principais pilares para a inteligência artificial responsável: o primeiro é o pilar da eliminação de preconceitos. No fundo, é garantir que a Inteligência Artificial não faz, por exemplo, discriminação entre homens e mulheres, ou entre pessoas de diferentes raças.
O segundo pilar é o da explicabilidade. Ou seja, é termos uma Inteligência Artificial que consegue explicar as suas decisões, como já aqui vimos.
O terceiro pilar, que também é muito importante, é o da sustentabilidade. Estes grandes modelos consomem energia de uma forma absolutamente espetacular. Nós temos, no consórcio, vários centros de investigação que estão a trabalhar nessas áreas para aumentar a eficiência dos modelos e, com isso, reduzir o consumo energético.
Até que ponto é que a Inteligência Artificial é uma ameaça à inteligência humana?
É sempre um aumentar da inteligência humana. Enfim, a nossa inteligência, no sentido mais lato, é sempre superior à Inteligência Artificial, na medida em que nós temos consciência. Isso é algo que as máquinas não têm. As máquinas nunca irão ter uma necessidade de sobreviver. E esta necessidade de sobreviver está muito ligada à questão da consciência.
Portanto, o que pode haver é avanços no sentido de criar uma ilusão de que, de facto, as máquinas têm algum tipo de consciência, algum tipo de empatia, algum tipo de emoções. Mas não, elas estão muito limitadas a modelos estatísticos. No fundo, o que estes modelos fazem é prever a próxima palavra de um texto.