Com votos ainda por contar numa série de estados decisivos já se sabe muita coisa sobre as eleições americanas, mas não se sabe o mais importante.
Perto das 7h00 em Portugal continental, com a votação fechada em quase todos os estados, Joe Biden tem uma vantagem aparentemente confortável no colégio eleitoral, mas que na prática não quer dizer nada.
Com vitórias em estados seguros, que já se previam cair para Biden, o candidato democrata conta com 215 votos no colégio eleitoral, segundo a projeção da CNN, contra apenas 165 de Donald Trump.
Mas a vantagem pode ser ilusória uma vez que em quase todos os estados onde o resultado era incerto, Trump está com uma vantagem importante.
Uma das principais surpresas da noite foi a vitória de Trump na Flórida, um estado que algumas sondagens davam como praticamente certa para os democratas, embora com uma margem de erro que permitia uma surpresa. A surpresa verificou-se, tal como tinha acontecido em 2016.
Não obstante a confiança revelada por Joe Biden, numa declaração feita às 5h40, hora portuguesa, o cenário estava negativo para os democratas em estados-chave como a Carolina do Norte, a Georgia e Pensilvânia.
Só estes três estados valem, em conjunto, 51 votos no colégio eleitoral, o que já coloca Trump à frente de Biden outra vez. Se Trump de facto vencer estes três estados, o que não é certo neste momento, então poderá chegar-se ao ponto em que a eleição é decidida por pequenos estados que têm três votos no colégio eleitoral, ou mesmo a estados que dividem os seus votos no colégio eleitoral, de forma proporcional, ou por círculos eleitorais.
Com a noite eleitoral a transformar-se numa madrugada eleitoral nos Estados Unidos, o mais provável é que não haja um vencedor formal nas próximas horas. O próximo Presidente dos Estados Unidos poderá apenas ser anunciado na quinta-feira, ou até mais tarde e isso não tem em conta o cenário de tudo acabar por ser decidido nos tribunais, o que poderia levar semanas, caso uma das partes opte por contestar os resultados.
Mas uma coisa é certa. O que muitos analistas e outras tantas sondagens davam por adquirido, uma vitória folgada de Joe Biden, não vai acontecer certamente. O atual Presidente até poderá não voltar para a Casa Branca para outro mandato de quatro anos, mas vai vender cara a derrota e termina a noite com uma série de conquistas importantes. Resta saber se serão suficientes.
Votos por correspondência
Nestas eleições, em tempo de pandemia, os votos por correspondência ganham ainda mais importância do que noutros escrutínios. Esse é um fator que dificulta o apuramento dos resultados finais.
Cada estado lida com o sistema eleitoral à sua maneira e nem todos aceitam votos por correspondência, ou apenas os aceitam quando o eleitor tem uma justificação para não votar fisicamente.
As sondagens mostram que tendencialmente quem vota por correspondência, ou antecipadamente, apoia os democratas e isso reflete-se no apuramento. Nos estados em que os votos antecipados e por correspondência foram contados de antemão, Biden começou com uma forte vantagem, mas acabou por ser ultrapassado, ou por ver essa vantagem diminuir à medida que foram contados os votos presenciais. Noutros estados os votos não-presenciais apenas são contados no final e há ainda estados em que o sistema varia de condado para condado. O resultado é que em estados como a Pensilvânia, que pode mesmo vir a decidir a eleição, os resultados parciais podem sofrer alterações importantes ao longo das próximas (muitas) horas.
Futuro incerto no congresso
Há muito mais em causa nesta eleição do que apenas a escolha do Presidente. Os americanos foram também chamados a votar nos seus representantes para o congresso, tanto a câmara alta, o senado, como a câmara baixa, dos representantes.
Neste campeonato o futuro permanece incerto, mas à hora em que o sol se levanta em Lisboa os republicanos têm uma vantagem marginal e parece que conseguirão manter o controlo do senado e os democratas parecem estar em posição para manter o controlo da câmara dos representantes.
Contudo, também aqui poderá ser necessário esperar dias ou mesmo meses para saber ao certo. No caso do senado, especialmente, há alguns estados que exigem que o vencedor consiga mais do que 50%. Caso isso não aconteça, os dois candidatos mais bem classificados têm de se sujeitar a uma eleição especial, que apenas terá lugar em janeiro. É perfeitamente possível que o senado fique de tal forma equilibrado que esses lugares sejam decisivos para se perceber quem é que controla a câmara.
Decisões supremas
Com tanta indecisão, aumenta a possibilidade de toda a eleição ser decidida por via judicial, por exemplo excluindo ou aceitando blocos de votos contestados, uma probabilidade que aumenta na mesma medida em que aumentam os votos por correspondência.
A verificar-se a contestação judicial, o natural é que as decisões ao nível local e estadual acabem por ser sujeitos a recurso e que tudo acabe por ir parar ao Supremo Tribunal dos Estados Unidos.
Se isso acontecer Donald Trump tem alguma razão para estar confiante, uma vez que durante o seu mandato conseguiu fazer três nomeações para o tribunal, o último dos quais há meras semanas, criando uma maioria de seis para três.
Contudo, nada é certo e tudo dependerá dos argumentos feitos pelas respetivas candidaturas e a forma como os juízes os interpretam.
Um país dividido
Que os americanos estão divididos em termos políticos não é surpresa, o sistema sempre foi bipartidário.
A diferença este ano é o grau de separação entre as duas margens políticas e o antagonismo que existe entre os militantes no terreno.
Essa tensão revelou-se já em confrontos numa manifestação anti-Trump junto à Casa Branca e também no facto de lojas em várias cidades americanas terem barricado as suas portas e janelas, com medo de motins quando se souber quem venceu e sobretudo, olhando à história recente, se o vencedor for o atual Presidente.