O cardeal patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente, disse, este domingo, que a Assembleia da República “decidiu mal” sobre a questão da eutanásia.
“É, efetivamente, uma rampa deslizante que devia ter sido levada em conta numa consciência mais informada para que a decisão fosse mais certa. E não foi tida conta”, lamentou D. Manuel Clemente, durante a homilia da celebração a que presidiu, na Igreja de Cristo-Rei da Portela, celebração transmitida, em direto, pela RTP1.
“Infelizmente, anteontem, a nossa sede legislativa decidiu mal, em relação à eutanásia, que quer dizer, em relação ao cuidado da vida que todos merecem, em qualquer circunstância, da conceção à morte natural”, começou por lamentar o patriarca de Lisboa.
Para D. Manuel Clemente, a lei que aprova a eutanásia “não conjugou todos os elementos que devia ter conjugado numa consciência mais plena e fortalecida”.
“Olhando bem a realidade da pessoa que, eventualmente peça para pôr fim à sua vida ou que o ajudem a pôr fim à vida, não está apenas essa pessoa, está tudo aquilo que ela transporta de desespero, da situação que sofre e que precisa de ser socorrido com tudo aquilo que a sociedade lhe deve dar - antes de mais, isso mesmo: ‘sociedade, solidariedade, presença, convivência’. Todos os que trabalham nos hospitais e nos sistemas de saúde sabem disto. Sabem que, face ao desespero, responde-se com companhia, com convivência, com cuidados paliativos, quer técnicos, quer pessoais. É assim que se responde e corresponde.”
“Uma porta escancarada”
Na intervenção em que pediu que os cuidados paliativos “sejam uma realidade difundida amplamente em todo o território nacional”, o cardeal patriarca de Lisboa desejou ainda que tivessem sido tidas mais em conta os pronunciamentos contra a eutanásia que foram feitos por “milhares de pessoas”, entre associações profissionais e “sociedade em geral” e deixou um alerta sobre esta realidade que já está em países “que enveredaram por este caminho”.
“Ao princípio, é apenas para casos muito excecionais - como a própria legislação aprovada diz - mas, a pouco e pouco, essa pequena frincha tornou-se uma porta escancarada”, disse, exemplificando com nações que “em dez anos”, sofreram um aumento de 700% no número de casos.
“Uma exceção tornou-se quase regra. É, efetivamente, uma rampa deslizante que devia ter sido levada em conta numa consciência mais informada para que a decisão fosse mais certa. E não foi tida conta”, lamentou.
“Vamos a tempo”
Apesar de o Parlamento Português ter aprovado, esta semana, a lei que autoriza a eutanásia em Portugal, o cardeal patriarca deixou uma palavra de esperança no decurso futuro do processo.
“Vamos a tempo, como sociedade, quer pelo esclarecimento mais atuado, quer pela participação mais ativa na própria legislação, quer, depois, tentando que este esclarecimento vá por diante mesmo nas instâncias que ainda precisam de se pronunciar - e se têm de pronunciar, quer pela própria consciência que, muitas vezes, na sua objeção também se ativa e se deve ativar, quer pelo respeito por aquilo que os nossos constituintes nos ofereceram na Constituição da República Portuguesa quando o número 24 diz taxativamente: ‘a vida humana é inviolável’.
Os constituintes quiseram que o artigo ficasse assim, incisivo e direto, para que não fosse sujeito a acomodações a sofismas”, frisou.
“É assim, com uma consciência plena que integre e conjugue todos os elementos que devem integrar e conjugar que a autoridade se fortalece”, assegurou D. Manuel Clemente deixando a garantia de que “com Deus, nós também não desistimos para responder a todos os dramas humanos e às tragédias de cada um com uma solidariedade plena, com todos os recursos técnicos de que dispomos e que devem ser oferecidos e com esta consciência ativa de que uma sociedade não dispensa ninguém”.