O comentador Henrique Raposo considera que as declarações de André Ventura sobre a comunidade cigana "não são aceitáveis", que "o CDS fez bem" em se retirar da candidatura a Loures e que "o PSD devia fazer o mesmo".
Na mesma linha, Jacinto Lucas Pires classifica as declarações do candidato apoiado pelo PSD como "inaceitáveis" e faz questão de "elogiar o CDS-PP por se ter afastado e retirado o apoio político” a André Ventura.
"Este assunto – a questão cigana – é importante, mas não pode ser debatida nos termos que foram propostos por esta personagem", defendeu Henrique Raposo, no habitual espaço bissemanal de debate com Jacinto Lucas Pires, no programa Carla Rocha - Manhã da Renascença.
"Nasci e cresci ali", em Loures, diz Raposo, "conheço aquilo muito bem e há, evidentemente, uma guerra fria constante, há décadas, entre a maioria branca e a minoria cigana". Todavia, neste caso, "“a personagem não ajuda” porque "a maneira como falou cola-o a um discurso do tipo de Le Pen e não enfrenta o problema de maneira concreta".
"Quando vi as declarações da personagem, pensei na figura do comentador desportivo que é candidato a Odivelas, o [Fernando] Seara, e descobri que, de facto, [André Ventura] é um comentador desportivo do Benfica, é um daqueles 'paineleiros', que têm a pior profissão do mundo. São aquelas pessoas que fazem populismo desportivo, alimentando o ódio desportivo. Quando essa personagem tenta fazer um discurso politico sério, não dá. Não dá para confiar”, argumenta.
Para Henrique Raposo, o mais grave nas declarações de André Ventura são aquelas em que "tenta fazer a defesa da prisão perpétua", falando nisso "de passagem de delinquentes e ciganos".
Considerando "muito injusta a ideia de que só os ciganos é que enganam o Estado, quando toda a gente em Portugal tenta enganar o Estado", Henrique Raposo lembra que as críticas ao rendimento mínimo foram "bandeira de Paulo Portas durante anos" e questiona: " Porque é que o Paulo Portas pode e este rapaz não pode?"
"Eu nunca votei no Paulo Portas enquanto ele manteve esta bandeira do Rendimento Mínimo, porque é injusto e estigmatiza as pessoas", aponta.
As mulheres ciganas aos olhos da "elite cosmopolita"
Para Henrique Raposo, a maior fonte de preocupação na comunidade cigana está no papel das mulheres. "Há muita hipocrisia na elite cosmopolita em relação à condição feminina das ciganas", critica.
"O feminismo ocidental, neste caso o feminismo português, que fica indignado quando o Papa erra numa vírgula num discurso sobre mulheres, não diz nada sobre a condição das mulheres ciganas. Miúdas que têm de casar com o rapaz que o pai escolheu, miúdas que não podem estudar…", acrescenta.
Jacinto Lucas Pires queixa-se de que este assunto "só aparece em altura de eleições" porque "há questões a resolver, nomeadamente de integração", na questão cigana. Contudo, "não é assim que se resolvem, através de muros, ódio, desconfiança e discriminação".
"Este candidato falou em barril de pólvora, mas ele é que traz o barril de pólvora para chamar a atenção sobre si próprio", acusa Lucas Pires.
Na mesma linha, Henrique Raposo nota: "O problema existe e nós, do centro – comentadores, políticos, etc. – durante quatro anos, entre os actos eleitorais, não reagimos aos problemas".
"O politicamente correcto não ajuda a enfrentar estas questões", acrescenta Jacinto Lucas Pires.
Sobre os efeitos deste episódio nas contas eleitorais, Lucas Pires considera que "este populismo em zonas onde, de facto, há questões, ligado ao mediatismo de uma pessoa como esta, pode conseguir votos". "Espero que não, mas desconfio que sim", sintetiza.
Indignações selectivas
Henrique Raposo lembra factos ocorridos em Loures, em 2008, quando "houve um grande caso de violência entre negros e ciganos, na Quinta da Fonte, na Apelação".
"Na altura, o presidente da câmara, o Carlos Teixeira, que era do PS, fez um discurso denunciando pessoas que não pagam a renda das casas, não pagam em luz… Falou em 150 mil euros de contas da água que as pessoas não pagavam. Esse discurso não é anticigano, não é racista, trata-se de exigir que as pessoas cumpram as regras", declara Raposo. "Num tempo em que a população tem de pagar contas, em que perde a casa para o banco, as pessoas vêem ao lado a impunidade de uma comunidade e isso, claro, gera tensão."
"Há 15 dias, um eurodeputado do PS [Manuel dos Santos] usou o termo 'cigano' como insulto, visando uma deputada do PS. Não aconteceu nada, não houve este incêndio mediático. O Arménio Carlos chamou 'escurinho' àquele senhor da troika que vinha cá todos os 15 dias e um deputado do PS chamou 'africanista de Massamá' a Passos Coelho, numa piadola à mulher de Passos", lembra Henrique Raposo. E conclui: "Só há estas indignações – e devemos tê-las porque é justo – quando é com alguém da direita."