Os debates entre candidatos continuam a ter um lugar de destaque na estratégia dos partidos e, como se percebeu com a divulgação de alguns dados esta semana, também na atenção dos eleitores. Se é verdade que os confrontos de 2022 tinham registado audiências bem mais robustas do que os de tempos pré-pandemia, os de 2024 arrancaram com força suficiente para deixar otimistas assessores e programadores. O debate mais visto na primeira semana, entre Mariana Mortágua e Luis Montenegro, conseguiu agarrar cerca de 1,3 milhões de pessoas, mas o primeiro da série de 28 (que só termina no dia 23), entre Pedro Nuno Santos e Rui Rocha, também teve mais de 1,2 milhões. Ou seja, o interesse generalizado parece ser grande e isso - esperamos - pode sugerir maior empenho em ouvir os argumentos e, consequentemente, uma abstenção inferior à registada nas eleições passadas (à volta de 49%).
Mas, pensando apenas no enquadramento da presença de candidatos na televisão, há muito que estes espaços de confronto semi-solene deixaram de ser lugar exclusivo. Richard Nixon, em 1960, terá sido um dos primeiros políticos a quem foi dado o conselho de ‘mostrar o lado mais humano’, participando no famoso The Tonight Show. A partir daí, tornou-se quase regra na política daquele país a passagem por programas de entretenimento; três décadas depois, Bill Clinton tocava saxofone no show de Arsenio Hall e aparecia na então muito popular MTV. O aparente sucesso desta estratégia alastrou, com o passar dos anos, a muitos outros países e, na entrada deste século, a chegada da internet ajudou a sedimentar não apenas a mistura entre os espaços da informação e entretenimento, mas também a mistura entre o que é público e o que é privado (os vídeos curtos em redes sociais, tão populares na nossa pré-campanha eleitoral, são disso bom exemplo).
Não sendo novidade em Portugal, a ronda dos políticos pelos chamados programas da manhã das televisões generalistas começou esta semana, com Mariana Mortágua, na SIC, e Luís Montenegro e Paulo Raimundo, na TVI. Em segmentos muito semelhantes - ‘vamos conhecer a pessoa por detrás do/a político/a’ - tivemos todos direito a saber de que queijo mais gosta ‘a Mariana’, como era amigo do seu amigo o jovem nadador-salvador ‘Luís’ e como na casa da mãe do ‘Paulo’ pode haver pouco mas há sempre para todos. Invariavelmente, neste formato intencionalmente descontraído, intimista e extraordinariamente benigno, é permitido aos estrategas das campanhas fazer o que em Propaganda é conhecido como ‘ligação ao comum’ - mostrar os líderes como pessoas simples, com rotinas semelhantes às de muitos de nós, com medos, com emoções. Tudo o que é convocado às conversas será verdade, mas o que é também verdade é que se escolhe dar a conhecer, sobretudo, o que permite ativar sentimentos positivos. E quem estuda, há anos, estes momentos diz-nos que essa ativação é tanto mais eficaz quanto os políticos forem capazes de rir de si próprios (algo que é proporcionado, por exemplo, por momentos em que um familiar aparece de surpresa para nos contar uma história engraçada do Passado).
Se nos debates percebemos, talvez com alguma facilidade, os contornos do ritual, o nível de preparação dos intervenientes ou a sua estratégia, aqui, nos programas de entretenimento, podemos ser distraídos por uma construção mais sofisticada ou por performances mais naturalizadas. A força do formato vive de jogar em cima dessa oportunidade e é por isso que ele continua a ser fascinante em tempo de eleições.