O Papa Francisco foi recebido esta quarta-feira na Casa Branca por Barack Obama, num dos pontos mais aguardados da sua visita aos Estados Unidos.
O Papa começou o seu discurso com um gesto de paz e de encorajamento ao Presidente e aos democratas em geral na questão da imigração. “Como filho de uma família de emigrantes, sinto-me feliz por ser hóspede nesta nação, que foi construída em grande parte por famílias semelhantes”, disse o Papa.
Obama tem promovido uma atitude de tolerância para tentar resolver o drama de centenas de milhares de imigrantes da América Central, sobretudo do México, que todos os dias tentam entrar nos Estados Unidos, perante a oposição cerrada dos seus adversários republicanos.
O Papa sublinhou ainda que o motivo da sua visita é a participação no Encontro Mundial das Famílias, que se realiza em Filadélfia, “cuja finalidade é celebrar e apoiar as instituições do matrimónio e da família, num momento crítico da história da nossa civilização”.
O Papa deixou claro que os católicos americanos estão comprometidos “na construção de uma sociedade que seja verdadeiramente tolerante e inclusiva” e “na rejeição de qualquer forma de discriminação injusta”. São palavras que ganham particular significado tendo em conta que na questão da homossexualidade a Igreja e outros adversários da mudança do conceito natural de casamento têm sido frequentemente apelidados de intolerantes e defensores da discriminação.
Liberdade religiosa
Antes de tomar a palavra, Francisco ouviu Obama fazer rasgados elogios à importância e influência da Igreja Católica não só nos Estados Unidos como no mundo inteiro.
“Desde os meus dias a trabalhar em bairros desfavorecidos com a Igreja Católica, em Chicago, até às minhas viagens como presidente, tenho visto como todos os dias comunidades católicas, padres, freiras, leigos, alimentam quem tem fome, curam os doentes, dão guarida aos sem-abrigo, educam os nossos filhos e fortalecem a fé que sustenta tanta gente”, disse Obama.
“Isto é verdade para os Estados Unidos e para todo o mundo. Das ruas de Buenos Aires às aldeias remotas no Quénia, as organizações católicas servem os pobres.”
Obama apresentou também a questão da liberdade religiosa como um valor que Roma e Washington têm em comum. O Papa, diz Obama, “recorda-nos que as pessoas só são verdadeiramente livres quando podem praticar livremente a sua fé.”
“Aqui nos Estados Unidos damos valor à liberdade religiosa, mas por todo o mundo, neste momento, filhos de Deus, incluindo cristãos, são perseguidos e mesmo mortos por causa da sua fé. Os crentes são impedidos de se reunir nos seus locais de culto, os fiéis são detidos e igrejas destruídas.”
“Por isso estamos ao seu lado na defesa da liberdade religiosa e do diálogo inter-religioso, sabendo que as pessoas devem poder viver a sua fé sem medo e sem intimidação”, concluiu o Presidente.
Mas, segundo o Papa, os católicos americanos também estão preocupados com as ameaças à liberdade religiosa internas. “Esta liberdade permanece como uma das conquistas mais valiosas da América. E, como os meus irmãos bispos dos Estados Unidos nos lembraram, todos somos chamados a vigiar, precisamente como bons cidadãos, por preservar e defender tal liberdade de tudo o que a possa pôr em perigo ou comprometer.”
A presidência de Obama tem visto um acentuar de conflitos entre católicos e o governo, nomeadamente devido a questões de liberdade religiosa. No âmbito da sua reforma do sistema de saúde – conhecida como ObamaCare – a administração Obama quer obrigar muitas instituições religiosas a fornecer aos seus funcionários seguros de saúde que incluem a cobertura de contraceptivos e de medicamentos abortivos, sob pena de pagamento de multas incomportáveis. As tentativas de encontrar uma solução para este dilema não foram bem-sucedidos e tudo indica que apenas o Supremo Tribunal, ou uma nova administração, conseguirá resolver o problema.
Ao mesmo tempo foi na administração de Obama, e com forte encorajamento da sua parte, que se legalizou o casamento entre pessoas do mesmo sexo em todo o país, o que tem levado a uma série de eventos que a Igreja interpreta como graves ameaças à liberdade religiosa. Há casos de donos de pastelarias e de floristas que foram multados por se recusarem a servir casamentos homossexuais e mais recentemente uma funcionária pública foi detida por se recusar a assinar certidões de casamento entre pessoas do mesmo sexo.
A posição de Obama foi deixada clara também nesta recepção, para a qual convidou vários activistas homossexuais, incluindo um professor que foi despedido de uma escola católica depois de ter contraído um casamento homossexual, e Gene Robinson, o primeiro bispo abertamente homossexual da história da Igreja Episcopaliana, o ramo americano da Igreja Anglicana.
Pontos de concórdia
De seguida, porém, Francisco adoptou um tom mais conciliador, referindo-se às preocupações ambientais, que são uma causa que o Vaticano partilha com Washington.
Por fim, e sem nunca referir directamente a sua anterior visita a Cuba, o Papa elogiou os “esforços feitos recentemente para reconciliar relações que haviam sido rompidas” e que constituem “passos em frente no caminho da reconciliação, da justiça e da liberdade”, mas fez acompanhar esse elogio de um pedido para que os americanos “apoiem os esforços da comunidade internacional para proteger os mais vulneráveis no nosso mundo e promover modelos integrais e inclusivos de desenvolvimento”, no que pode ser lido como uma referência à crise dos refugiados na Europa, bem como, de modo mais geral, aos conflitos mundiais que lhes dão origem.
Depois da cerimónia de boas vindas, o Papa e Obama encontraram-se em privado. O programa de Francisco nos EUA prossegue esta tarde com um encontro com os bispos americanos em Washington e, ao fim do dia, o Papa preside à canonização de um santo americano.