O presidente da Associação de Medicina Geral e Familiar, Nuno Jacinto, alertou esta quinta-feira à Renascença que os médicos de família não estão tecnicamente preparados, nem é da sua competência, garantir consultas de interrupção voluntária da gravidez (IVG) nos centros de saúde.
Estas declarações surgem despois de o ministro da Saúde, Manuel Pizarro, ter defendido que as unidades locais de saúde podem garantir o acompanhamento das mulheres que pretendem abortar.
Nuno Jacinto lembra que este é um trabalho que necessita de formação específica, para se garantir a tomada das melhores decisões.
“Ao contrário da mensagem que se tenta fazer passar, isto não é só passar uns comprimidos. É preciso que haja consultas prévias, que haja aqui um acompanhamento. é preciso haver esta decisão técnica que não é da competência dos médicos de família.”
O representante dos médicos de saúde geral e familiar defende que é necessário os profissionais terem “formação específica nesta área” antes de avançar com uma decisão como a que foi defendida por Pizarro.
É preciso “decidir quais são as mulheres que fazem interrupção por via medicamentosa ou que têm de fazer uma interrupção de outro tipo, nomeadamente cirúrgica. Essa decisão tem de ser tomada. Não é por a maioria destas situações serem feitas por via medicamentosa que podemos assumir que todas serão assim", refere.
Gota em copo que já transbordou
Nuno Jacinto alerta, ainda, que a realização de consultas de interrupção voluntária da gravidez viria agravar, substancialmente, o quadro de sobrecarga dos profissionais dos centros de saúde, em "mais uma função" a juntar a tantas outras.
"Falamos de equipas e de profissionais que estão assoberbados e que são cada vez menos e nós só ouvimos: vão fazer mais isto vão fazer mais aquilo. Façam só mais isto. Parece que é só mais uma coisinha. Não é só mais uma coisinha. É só mais uma gota a encher um copo que já transbordou.”
O presidente da Associação de Medicina Geral e Familiar diz que, a concretizar-se a proposta de Pizarro, irá obrigar à suspensão de outras atividades assistenciais.
“Queremos sempre colocar mais uma tarefa num saco onde já não cabe mais nada. Isto significa alguns milhares de consultas por ano num centro de saúde. E em profissionais que já estão exaustos e que já não têm tempo para encaixar mais nada”, declarou.
“Se esta tarefa for assacada aos centros de saúde, então vamos ter de retirar atividade assistencial de outras áreas para conseguir dar resposta também às IVG."
Nestas declarações à Renascença, Nuno Jacinto defende a formalização de mais protocolos com o setor privado para as consultas de interrupção da gravidez.
"Já que temos protocolos com o privado para os partos e para as maternidades porque é que não se podem constituir estes tipos de protocolos, ou até aumentar os que já existem. Eles existem nalgumas regiões do país com entidades privadas precisamente para a IVG, e porque é que continuamos a insistir colocar tudo nos centros de saúde, sem sequer preparamos sem sequer discutirmos estas questões?”, questiona o representante dos médicos de família.