A expectativa era grande, muito grande, e foi alimentada durante todo o dia pelas televisões. O que iria dizer Ted Cruz quando subisse ao palco da convenção em pleno “prime time”? Seria capaz de declarar o seu apoio a Trump e apelar ao voto nele? Ou faria uma intervenção centrada em argumentos políticos ignorando o candidato?
Depois de se terem confrontado violentamente nas primárias, Trump e Cruz não fizeram as pazes. O multimilionário passou meses a chamar ao seu principal rival “Ted, o mentiroso”, insinuou infidelidades no casamento dele, acusou o pai dele de ter conspirado para assassinar o Presidente John F. Kennedy, e disparou várias outras acusações e insultos no seu bom estilo.
Cruz mostrou-se indignado e chamou-lhe “mentiroso patológico”, “narcisista”, “mulherengo em série”, “totalmente amoral” e vaticinou que com ele na presidência o país iria em direcção ao abismo.
Isto foi em Maio. Dois meses depois poderia o senador do Texas apoiar o multimilionário nova-iorquino em nome da unidade do Partido Republicano? Trump telefonou-lhe para o convidar a falar na convenção e Cruz aceitou. Mas foi só isso, não houve mais contactos entre os dois, ao que parece.
Ted, “o mentiroso”, apareceu, por isso, em Cleveland sem que a campanha de Trump, “o amoral”, soubesse o que ele ia dizer, mas esperançada num gesto de boa vontade reconciliadora.
Quando subiu ao palco, o texano começou por dar os parabéns a Trump pela nomeação como candidato oficial do partido. Começava bem, desiludindo os que apostaram que ele nunca pronunciaria o nome Trump.
Depois falou das liberdades que considera estarem em risco nestas eleições, de princípios conservadores como o direito à vida e à posse de armas, criticou o sistema político que beneficia as elites e não o povo, censurou o Supremo Tribunal por nem sempre obedecer à Constituição, elogiou os eleitores que rejeitam o establishment e aqui citou o Brexit como um bom exemplo. Era a primeira convergência com Trump.
Mais à frente falou da necessidade de defender as fronteiras e de construir um muro para tal. Era a segunda convergência. Passou à questão do terrorismo, dizendo que “o governo admite terroristas do ISIS como se fossem refugiados”. Era a terceira convergência.
Quando tudo parecia, portanto, encaminhar-se para um apelo ao voto em Trump, Ted Cruz pediu aos eleitores que não ficassem em casa em Novembro e que votassem… em consciência, que votassem…nos candidatos que defendem a liberdade e obedecem à Constituição.
Na plateia, os gritos “Queremos Trump! Queremos Trump!” subiam de tom. Cruz sorriu para eles e comentou que os “delegados de Nova Iorque estavam muito entusiasmados”. Subentendido: Trump é nova-iorquino, era o bairrismo a funcionar.
Mas não era só. Quando ficou claro que o texano não apelaria ao voto em Trump, quase todo o pavilhão explodiu em apupos. Cruz abandonou o palco debaixo da maior vaia do congresso, num momento em que Trump assomava na bancada com cara de poucos amigos, dirigindo-se ao lugar que lhe estava reservado junto da família.
Foi uma aparição estudada que tentou retirar protagonismo a Cruz, subitamente transformado na “nemesis” da convenção. As divisões no partido ficaram assim expostas em toda a extensão e o ambiente em relação a Cruz foi de tal modo hostil que a mulher teve de ser escoltada por guarda-costas ao sair do pavilhão.
Aposta em 2020
A intransigência de Ted Cruz em relação a Trump teve como resposta a agressividade dos delegados. A interrogação óbvia é esta: por que se sujeitou o texano a esta provação em vez de fazer como muitos outros que não apareceram sequer na convenção? Ou que gravaram uma mensagem em vídeo como fez Marco Rubio?
A resposta parece inequívoca: porque Cruz está convencido que Trump vai perder as eleições e quis desde já marcar o terreno para se candidatar em 2020. Se Trump perder de facto em Novembro, Cruz ficará como o homem que foi ao congresso alertar os delegados para o erro que estavam a cometer, arrostando com a sua agressividade, mas provando que tinha razão antes do tempo.
Aconteça o que acontecer em Novembro, tão cedo muitos delegados a esta convenção não lhe perdoarão a atitude. Ele estragou-lhes a festa.
Logo a seguir, Newt Gingrich, o antigo speaker da Câmara de Representantes nos anos 1990, ainda tentou apaziguar os ânimos fazendo uma leitura benigna das palavras de Cruz. “Ele foi mal interpretado. Quando disse que devemos votar nos candidatos que defendem a liberdade e protegem a Constituição, queria dizer Donald Trump porque ele é o único candidato que o faz”. Mas o congresso não se entusiasmou.
Nem tinha razões para tal, já que Gingrich fez uma intervenção apocalíptica (mais uma), retomando o tema de que o país “está em guerra” contra o “radicalismo islâmico” e está “a perder a guerra”. Segundo ele, o ambiente internacional é mais perigoso do que antes do 11 de Setembro em termos de ameaças terroristas, porque naquela data morreram 3 mil americanos, mas “agora pode haver um ataque com armas de destruição maciça a uma cidade americana que pode matar 300 mil”.
Por isso, Gingrich advertiu os americanos para estarem “aterrorizados” com a perspectiva de ter Hillary Clinton na presidência, já que ela não é capaz de vencer a guerra contra o “radicalismo islâmico”.
Pence redentor
Depois de Ted Cruz ter estragado a festa e Newt Gingrich ter assustado toda a gente, foi quase redentor escutar Mike Pence, o candidato a vice-presidente, que era suposto ser a vedeta da noite se o senador texano não lhe tivesse roubado o protagonismo.
A expectativa em relação ao seu primeiro grande discurso depois da indigitação era grande, naturalmente. E Pence não a defraudou. Num tom sereno, contido, o governador do Indiana admitiu que “a maioria de vocês não me conhece” e apresentou-se como um homem simples, que nasceu no campo e a quem aconteceu algo inesperado.
“Nunca pensei estar aqui”, confessou. “Talvez (Trump) tenha procurado algum equilíbrio no ticket”, admitiu candidamente. Algo que ficou patente no discurso e na atitude. Pence marcou de facto diferenças em relação à generalidade dos oradores. Ouvi-lo foi como ouvir os republicanos tradicionais, que esgrimem argumentos políticos em vez de fazerem ataques de carácter, como passou a ser regra no GOP actual.
Não que Pence seja mais moderado do ponto de vista ideológico, é mesmo bastante conservador sobretudo em questões sociais. Mas confessa-se admirador de Reagan e fala dos princípios conservadores – governo pequeno, menos impostos, mais encorajamento ao risco e ao investimento – sem insultar os que dele discordam e aplicam políticas diferentes. E quando refere a “paralisia do establishment em Washington” fala sempre de políticos de ambos os partidos.
A sua retórica nunca ultrapassou os limites da decência num confronto democrático, nem apelou aos instintos mais primários das multidões, o que vem sendo raro nesta convenção.
Mas nem por isso deixou de entusiasmar os delegados que, no final, já gritavam “queremos Mike, queremos Mike”. Depois do psicodrama Ted Cruz, Mike Pence resgatou-lhes a festa.
A solução do plágio
Lembram-se do McGyver, a série televisiva preferida de Cavaco? O homem que descobria as soluções mais simples e mais à mão para resolver as situações mais complicadas?
A campanha de Trump colocou-se, desde segunda-feira à noite, numa dessas situações complicadas e tentou negá-la ou fugir dela sem a resolver. E afinal a solução era bem simples e estava ali à mão.
Não foi preciso um McGyver, mas apenas uma McIver. O nome é parecido e pronunciado depressa nem se nota a diferença. Meredith McIver assumiu esta quarta-feira o erro pelo plágio do discurso de Melania Trump. Foi ela que trabalhou o rascunho do discurso com a mulher do candidato e foi ela que incluiu aquelas frases de Michelle Obama.
Explicou que Melania lhas tinha lido ao telefone como exemplos de frases de que gostava muito, provenientes de uma mulher que admirava. E mais tarde, ao redigir o discurso incluiu essas frases entre outras, naquilo que classificou como um “erro ingénuo”. Nem tinha lido os discursos de Michelle, garantiu.
A explicação não soa muito credível. Em qualquer caso, tenha distorcido a verdade ou não, só o facto de assumir que não leu os discursos de Michelle Obama depois de Melania lhe ter falado neles, já é negligência suficiente para justificar uma demissão. E foi isso que McIver fez, ao apresentar a demissão dos cargos que exercia na campanha de Trump.
O multimilionário, porém, não aceitou. Contrariando a sua fama de implacável, desta vez foi indulgente e manteve Meredith a trabalhar consigo. E talvez essa tenha sido a atitude correcta, já que ela lhe resolveu um problema que se arrastava há 36 horas e assombrava toda a convenção.
Uma solução simples, afinal, para um problema que a própria campanha complicou sem necessidade. Se o responsável pelo plágio tivesse sido revelado mal o escândalo rebentou, se a campanha tivesse assumido responsabilidades pelo erro e pedido desculpas, o assunto tinha morrido poucas horas depois.
Assim, o embaraço e o desgaste político atingiram toda a campanha, a começar pelo seu director Paul Manafort, que afirmou desde o início que o problema tinha sido orquestrado pela campanha de Hillary Clinton e que era absurda a acusação de plágio porque havia apenas coincidência de palavras nos dois discursos. A declaração de McIver era o melhor desmentido ao director da campanha. No entanto, não se ouviu nem da parte dele, nem de Trump, nem de ninguém da campanha, qualquer pedido público de desculpas.