Páscoa na aldeia sem o mesmo sabor, mas não vai faltar folar e cordeiro
08-04-2020 - 17:40
 • Olímpia Mairos

Ao contrário do que é tradição, as aldeias transmontanas celebram a Páscoa sem gente e sem festa.

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A Páscoa deste ano vai ser obrigatoriamente diferente devido ao estado de emergência decretado em Portugal, por causa da pandemia do novo coronavírus. As famílias não se vão reunir à volta da mesa, vão sobrar as cadeiras e o movimento nas aldeias será reduzido ao mínimo. Não haverá eucaristias com povo e também não sairá o compasso pascal. A quadra festiva vai ser celebrada sem festa e em isolamento, em casa. “Não terá o mesmo sabor, nem o mesmo encanto”, diz Idalina Viriato à Renascença.

Esta habitante de Abreiro, no concelho de Mirandela, não se lembra de nada assim. Por esta altura já a aldeia andava em azafama com os preparativos e começavam a chegar os emigrantes vindos de França ou Andorra.

“Nem sei o que isto parece. Nesta altura já estávamos a fazer os folares, a padaria disponibilizava o forno na quinta-feira santa para as pessoas fazerem os folares e no domingo para os assados. Não se vê, não se ouve nada”, conta.

Idalina Viriato, de 68 anos, descreve um ambiente estranho na aldeia, com pouco mais de 150 habitantes. “Não se vê ninguém na rua. As pessoas vão às compras e metem-se logo em casa. É o meu caso, só saio para ir comprar alguma coisa, dar uma ajuda nos correios ou ir à horta. Mas há dias que não vejo ninguém”, conta.

E como vai ser a Páscoa? “Isto nem vai parecer Páscoa nem nada, mas se temos que passar por isto, se isto é para nosso bem, para o bem da comunidade e para o bem de todos, aceitamos e procuramos fazer o nosso melhor”, responde.

Idalina vai ter saudades dos filhos e dos netos que estão em Leiria, em Lisboa e em Vila Real, e vai ter saudades também da visita pascal e do movimento na aldeia. “A alegria e o contentamento era esse, vinham os familiares, as pessoas alegravam-se e faziam festa. E agora, a acrescentar à tristeza do vírus, acresce a tristeza da ausência dos familiares, principalmente dos filhos e dos netos”, diz à Renascença.

Cordeiro, folar, docinhos e WhatsApp


Mas, e apesar de a casa estar mais vazia nesta Páscoa, Idalina vai sentar-se à mesa com o marido, um filho, que não pode sair para a Finlândia, e um neto. E para a refeição vai cumprir a tradição – “fazer, na mesma, o cordeiro, o folar e os docinhos”. Já quanto às saudades dos familiares, principalmente dos netos, vai tentar ultrapassá-las através da comunicação pelo telefone e pelo WhatsApp.


O encontro e os abraços terão que ficar para mais tarde, desejando Idalina que “depois deste vírus não venha outro pior, o vírus da fome e da miséria”, porque, diz, “já há muita gente sem emprego. “Mas não podemos pensar só em tristezas, temos que acreditar que vão encontrar uma solução para este problema”, remata.

Em Ribeira de Pena, a Páscoa também será “mais triste” e “sem a família reunida”. Ainda assim, Maria Amélia, de 55 anos, vai preparar um almoço melhorado e celebrar com a família que está em casa.

“É muito triste não reunir a família, mas tem que ser para o bem de todos”, afirma, adiantando que vai “colocar na mesa a melhor tolha e preparar uma ementa igualzinha à dos anos anteriores”. Da ementa, e no que toca ao prato principal, constará “o cabrito, com batata assada e arroz de forno”, já à sobremesa “não faltará o pão de ló e a salada de frutas”.

À hora da refeição, Maria do Céu vai servir-se das novas tecnologias para congregar a família dispersa pelo país e pelo estrangeiro. “Cada um reunido em sua casa, mas ligados pelo WhatsApp, vamos partilhar as nossas mesas, vermo-nos e conversar”, conta à Renascença, acrescentado que “os laços familiares são mais fortes que o isolamento social”.

“Temos que ser criativos e alimentar a presença e os afetos mesmo que à distância, separados por muitos quilómetros”, defende esta habitante de Ribeira de Pena, a que vai custar muito “não celebrar a Páscoa na igreja”.

“A Páscoa é o acontecimento mais importante para nós, cristãos, e não ter missa nesse dia vai ser um vazio muito grande, porque não é a mesma coisa participar na missa e vê-la na televisão”, explica. Um vazio que, diz, esperar preencher, de alguma forma, com a oração em família, acreditando que “este ano até pode acontecer a verdadeira Páscoa, a passagem da tristeza para a verdadeira alegria”. “Sim, porque eu acredito que tudo isto vai ser ultrapassado e em breve vamos poder estar todos juntos”, conclui.