É preciso "libertar as mulheres da economia do cuidado". Quem o defende é Susana Peralta, professora de Economia na Universidade Nova de Lisboa, que no contexto do dia internacional da igualdade salarial entre homens e mulheres, critica a ineficácia das políticas públicas nesta área, que não permitem à mulher estar disponível para ter uma carreira de sucesso.
"Como é que um país pode querer libertar as mulheres desta economia do cuidado - para lhes permitir, lentamente, assumir um papel no mercado de trabalho que seja conducente a uma maior igualdade - se nem sequer conseguimos ainda o acesso das crianças a uma escolaridade universal e gratuita, a partir dos 3 anos, como é regra em quase todos os países da União Europeia?", questiona em entrevista à Renascença.
O boletim estatístico 2022 da Comissão para a Igualdade e Cidadania do Governo (CIG), com dados de 2020, indica que as mulheres ganham, em média, menos 12% do que os homens.
A disparidade aumenta quanto maior a qualificação e a responsabilidade profissional. Entre as profissões especializadas, de chefia e de remuneração mais alta, o vencimento das mulheres chega a ser 21,1% mais baixo, enquanto as remunerações das profissões menos qualificadas, como é o caso do pessoal administrativo, apresenta uma disparidade de 4,4% entre mulheres e homens.
Susana Peralta dá ainda como exemplo o insucesso dos cuidados continuados, e aponta que "também há toda uma economia do cuidado ligada à dependência das pessoas idosas que repousa muito sobre os ombros das mulheres e no qual Portugal está muito aquém daquilo que seria desejável ou necessário".
Os dados da CIG demonstram que 97% das pessoas domésticas são do sexo feminino. Do total de pessoas inativas, está em queda o número de pessoas que o fazem especificamente para cuidar de outras pessoas, e até há uma redução considerável da disparidade. Contudo, a diferença continua lá: 23,9% das mulheres que abdicam do seu trabalho fazem-no para cuidar de alguém dependente, contra 16,3% de homens. Em 2020, 24,4% das mulheres e 7,3% dos homens encontravam-se nessa situação.
Carla Cerqueira, investigadora do Centro de Investigação em Comunicação Aplicada, Cultura e Novas Tecnologias (CICANT) da Universidade Lusófona, lembra que "a igualdade salarial é um direito humano e às vezes nós não pensamos nisso".
As políticas europeias para a igualdade remuneratória entre homens e mulheres foram introduzidas em 1957. Desde então, apenas o Luxemburgo conseguiu alcançar a igualdade e até mesmo ultrapassar a hegemonia masculina.
Legislação avançada, monitorização insuficiente
Portugal até tem legislação positiva em matéria de igualdade, considera Carla Cerqueira, que alerta contudo para o "grande desfasamento entre políticas e práticas".
"Temos muitas vezes políticas que são das mais avançadas, está na legislação. Não é permitido, obviamente, ter salários que sejam diferentes para homens e para mulheres. Depois, o que nós acabamos por verificar é que a cultura organizacional, as empresas, ainda não têm esta consciência da igualdade de género e da igualdade a todos os níveis, que uma organização deve ter para ter os seus trabalhadores e trabalhadoras muito mais motivados."
A investigadora, que também é professora de Ciências da Comunicação na Lusófona, diz que é preciso acompanhar melhor a implementação de políticas de igualdade.
"Não se tem feito muito este trabalho de acompanhamento, de monitorização. Hoje em dia já é comum - e há um trabalho já feito, em termos da própria investigação de pessoas que trabalham com estas questões no caso das empresas - implementar medidas e planos para a igualdade, quer salarial, quer a outros níveis de igualdade e diversidade dentro das organizações e as empresas acabam por incorporar esse tipo de medidas."
O problema, indica é que "depois não se vê até que ponto é que elas são realmente eficazes, não se faz essa monitorização".
Susana Peralta considera que é urgente educar e sensibilizar as crianças para a igualdade de género, porque "os papéis de género estão enraizados na nossa cultura".
"Faltam políticas a montante, no momento em que, do percurso escolar das meninas e adolescentes do sexo feminino, [devemos] tentar perceber porque é que há menos mulheres em disciplinas de ciências, tecnologias e matemáticas [melhor remuneradas]. E aí há várias experiências feitas em todo o mundo que mostram, por exemplo, de intervenções de low model - para mostrar que as mulheres podem ter sucesso neste tipo de domínios. Quando são feitas na idade certa, podem levar algumas meninas que tenham algumas competências e o gosto por este tipo de ciências, que vão mais para este tipo de ciências e menos para as ciências da vida", defende.
A mesma ideia é defendida por Carla Cerqueira, que ressalta que "precisamos das medidas, mas precisamos também de todo esse caminho de educação e de sensibilização".
"Às vezes, aquilo que nestas áreas parece um dado adquirido - como determinados avanços - nós vemos que, de um momento para o outro, há retrocessos, eles caem."