O mercado interno de eletricidade “avança a passo de caracol”, muito por culpa dos instrumentos regulamentares escolhidos pela Comissão Europeia, que atrasam a ligação dos mercados nacionais de energia, conclui uma auditoria realizada pelo Tribunal de Contas Europeu (TCE).
No relatório publicado esta terça-feira, o TCE adverte que “as medidas da União Europeia (UE) para atingir o objetivo de ligar os mercados da eletricidade e oferecer energia mais barata aos cidadãos e às empresas avançam devagar, apesar das previsões ambiciosas e de alguns esforços”, acrescentando que tal deve-se sobretudo a “falhas na governação da UE” e aos “instrumentos regulamentares escolhidos pela Comissão, que deram origem à complexa arquitetura jurídica das regras relativas ao comércio transfronteiriço e a atrasos na execução”.
“A supervisão do mercado pela Comissão Europeia e pela ACER [Agência da União Europeia de Cooperação dos Reguladores da Energia], também não trouxe melhorias suficientes. As medidas que tomaram não conseguiram limitar os abusos e manipulações, passando o principal risco do mercado de eletricidade para os consumidores finais”, considera o tribunal.
Recordando que foi já em 1996 que “a UE deu luz verde ao complexo projeto de integrar plenamente os mercados nacionais de energia”, que deveria estar concluído em 2014 — prazo fixado em 2009 –, o TCE sublinha que, “quase dez anos depois, o mercado continua a ser governado por 27 quadros regulamentares nacionais” e “os preços grossistas variam muito consoante os Estados-membros, como a atual crise energética demonstrou”.
“Também os preços retalhistas continuam fortemente influenciados pelos impostos nacionais e as tarifas de rede, em vez de serem ditados pela concorrência”, observa.
Segundo as conclusões da auditoria, a ligação dos mercados nacionais de eletricidade “avançou devagar entre 2015 e 2021 e não foi igual em todas as regiões da UE e segmentos de mercado, apesar de ter havido algumas realizações importantes”, sendo que “os Estados-membros não aplicaram totalmente nenhuma das orientações da UE, que eram obrigatórias, e não houve grandes progressos no aumento da capacidade de transmissão entre países”.
O TCE atribui os atrasos à opção da Comissão de aplicar as orientações de rede através de termos e condições ou metodologias, passando a responsabilidade pela aprovação a ser das entidades reguladoras nacionais (ERN) e da ACER, uma escolha que, no seu entender, “complicou e atrasou a harmonização das regras aplicáveis ao comércio transfronteiriço”.
“Apesar da louvável e necessária ambição da UE, os mercados de eletricidade na Europa podiam estar muito mais integrados”, comentou o membro do TCE responsável pela auditoria, Mihails Kozlovs, acrescentando que “a atual crise energética e do custo de vida que afeta os cidadãos da União tornou ainda mais urgente a necessidade de a UE concluir o mercado interno da eletricidade”.
O Tribunal recomenda assim à Comissão que simplifique o quadro regulamentar, designadamente através da elaboração de novos códigos de redes e orientações, reavaliação das regras da UE que regulam a formação dos preços da eletricidade grossista, tendo em conta a atual crise energética e o aumento das energias renováveis, e a definição de regras de incentivo à flexibilidade da procura.
O TCE recomenda também o reforço do quadro de supervisão das orientações de rede e propõe à Comissão que avalie “se é necessário um quadro para assegurar uma aplicação uniforme das sanções”, e que melhore a governação da ACER.
Segundo o relatório, a ACER deve nomeadamente “rever os recursos afetados à supervisão das orientações”, “reforçar a supervisão da integridade dos mercados grossistas de eletricidade” e “melhorar a transparência e a prestação de contas pelo seu trabalho”.
A Comissão Europeia tem previsto apresentar em março próximo a sua proposta de uma “reforma abrangente” do mercado de eletricidade na União Europeia, incluindo a dissociação dos preços do gás e da eletricidade.